quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O Euro e o Padrão Ouro



O economista Michael Pettis é uma referência quando se discute China, e seu blog traz nesta semana um artigo muito bom no qual ele se aventura a analisar a crise da União Européia, argumentando que a Grécia e outros países problemáticos não terão como continuar a manter-se no euro. Ele compara a moeda da Europa ao padrão ouro. O texto e a analogia são bons, mas merecem ser aprofundados.

Pelo padrão ouro, os países atrelavam suas moedas a um determinado peso desse metal precioso. O sistema teve seu auge entre a segunda metade do século XIX e a Primeira Guerra Mundial e oferecia uma barganha básica e sedutora: estabilidade monetária, em troca dos governos abrirem mão de desvalorizações. O regime funcionou bem com Grã-Bretanha, França, EUA e Alemanha, mas outras nações tiveram problemas sérios e adotaram o padrão ouro de forma parcial ou temporária, tentando equilibrá-lo com prata ou deixando parte das emissões de moeda não-atreladas a ele.

Uma das dificuldades mais complexas é que, devido à sua escassez, o ouro fortalecia pressões deflacionárias. No caso de crises de balança comercial, os países precisavam compensar de algum modo, isso em geral era feito com reduções de salários e/ou desemprego em massa, o que, nos lembra o economista Barry Eichengreen, ainda era possível polticamente antes da acensão dos grandes sindicatos e do sufrágio universal. Atualmente seria inviável e mesmo na época já foi difícil, com fortes movimentos sociais contra o padrão ouro eclodindo durante a depressão das décadas de 1870/1880, em especial entre os agricultores dos EUA.

As necessidades econômicas da Primeira Guerra Mundial destruíram o padrão ouro, na medida em que os beligerantes precisavam de dinheiro, e rápido. Após o conflito, houve tentativas de restaurar o sistema que era um símbolo de estabilidade, mas isso não era mais viável. O fracasso do esforço britânico, quando Churchill era ministro da Fazenda, foi o mais expressivo desse período.

A conferência de Bretton Woods criou um outro arranjo internacional, no qual as moedas dos países desenvolvidos tinham seu valor fixado ao dólar, que por sua vez estava lastreado no ouro. Esse esquema funcionou enquanto a economia dos EUA era muito forte, mas naufragou quando os americanos passaram a enfrentar a rivalidade das empresas européias e japonesas, além de lidar com a inflação provocada pela guerra do Vietnã e pelas políticas sociais domésticas. Nixon rompeu a vinculação do dólar com o ouro em 1971, e toda a história monetária de lá para cá tem sido a busca infrutífera de um ou mais sistemas que restaurem pelo menos um pouco da estabilidade de Bretton Woods.

Os europeus tentaram vários formatos. Primeiro, as principais economias do continente atrelaram suas moedas ao mega-confiável marco alemão. Não deu certo: os italianos nunca conseguiam cumprir as obrigações, e mesmo a libra britânica enfrentou problemas sérios. A criação de um banco central e de uma moeda única para a União Européia é uma nova tentativa de lidar com o tema, que esbarra nas seguintes dificuldades: como países pequenos podem se adequar à dura disciplina fiscal do bloco e enfrentar os desequilíbrios na balança comercial com os parceiros mais poderosos, como a Alemanha?

Pettis defende que Berlim ajude a UE a pagar a conta, estimulando os prósperos consumidores alemães a comprar mais dos países vizinhos. Tenho dúvidas sérias de que isso aconteça, tendo em vista a queda recente nas exportações da Alemanha – 2009 foi o pior ano em declínio desde a década de 1950! Além disso, a traumática história alemã com respeito à hiperinflação tornou o país extremamente conservador em questões fiscais, e esse conjunto de valores e práticas passou de seu Bundesbank para o Banco Central Europeu.

Ao mesmo tempo, se os países mais fracos da UE se retirassem do euro, isso seria um duro golpe para o projeto de integração que tem sido o pilar da política externa da Alemanha e da França desde o pós-Segunda Guerra Mundial. É um dilema e tanto. Como os europeus lidarão com ele?

29 comentários:

Marcelo L. disse...

Prezado Mauricio,

Achei bem interessante, mas pode ser que saída mais lógica seja o fim dos estados nacionais europeus e a criação de um superestado.

Claro que eu como Renan comungo da idéia que os Estados-nação são artificiais, uma criação do homem para determinados interesses...Se eles se esvaziaram pela própria dinâmica do capitalismo, por que mantê-los?

Abs,

SEL disse...

Jóia, Maurício?

Pois então, o mesmíssimo Barry Eichengreen argumenta que o abandonar o euro - para nações como Grécia, Itália, Espanha e Portugal - teria graves problemas práticos, "processuais".
Contratos, cálculos, processamentos computadorizados, salários, tudo isso teria de ser refeito. E, como numa democracia nada disso ocorre da noite para o dia, uma longa discussão teria de preceder. Esse debate daria tempo para que agentes econômicos retirassem capitais financeiros dos países enrolados a fim de se manter o valor dos investimentos e poupança em face do euro. Essa retirada acarretaria numa profunda crise financeira, uma vez que a liquidez do sistema seria "exportada" em detrimento da desvalorização almejada pelos governos.

O texto está aqui: http://www.voxeu.org/index.php?q=node/729

Abs,

Luc

Maurício Santoro disse...

Salve, Marcelo.

A história recente da UE tem sido a da busca infrutífera de mecanismos de centralização política que ajudem a coordenar um bloco cada vez mais desigual, após o ingresso dos países do Leste.

Esse impasse se manifesta de modo claro pela confusão que são 27 legislações diferentes com respeito às finanças públicas e impostos, que precisam cooperar na manutenção de uma moeda única.

A construção de um superestado significa que alguém precisa pagar a conta pela incorporação dos menores, e não me parece que a Alemanha atual esteja disposta a embarcar nessa jornada.

Caro Luciano,

Obrigado pela indicação, gosto muito do Eichengreen e creio que ele acertou na mosca no argumento. A eventual saída de algum dos PIIGS do euro resultaria numa enorme crise de confiança para a moeda.

Abraços

Rafa Rodrigues disse...

Maurício, você está dando aula na gradução de RI da UCAM no turno da noite?

Maurício Santoro disse...

Oi, Rafa.

Não, na UCAM estou lecionando apenas na pós-graduação, mas ainda não tenho o horário para 2010.

abraços

Igor Moreno Pessoa disse...

Grande Maurício!

Estava um tempo sem visitar o Todos os Fogos e acabei só lendo este seu post hoje. Esse assunto está muito em alta nos debates aqui no mestrado. A expansão da zona do Euro está realmente ameaçada. Hoje, para economias menores vale muito mais a pena possuir acordos de livre comércio do que adotar o euro. A integração européia passa por um grade teste. Por aqui, muitos acreditam que pode ocorrer uma fuga de países do bloco.
Para mim, o futuro vai mostrar se o bloco ainda baseia-se majoritariamente em objetivos econômicos, com países deixando o grupo no primeiro momento que a não é mais economicamente rentável. Ou, se existe um maior compromisso social de longo prazo para diminuir as desigualdades do bloco.
Abraços

Unknown disse...

Prezado Dr. Mauricio,
Sou estudante de engenharia e por total vergonha de meu analfabetismo economico comecei a estudar e ir atras de informações sobre o assunto.
Estou lendo o livro "A ascensão do dinehiro" (Niall Furguson) e estou gostando muito. Cheguei até o seu blog atraves de uma duvida que tive lendo as primeiras paginas do livro sobre o padrão euro, ou melhor, padrão ouro.
Estou começando a compreender esse mundo, mas seria correto dizer que o abandono do padrão ouro foi o que possibilitou a globalização como a entendemos hoje? Se a resposta for sim, seria o euro um resquicio de uma filosofia socialista da antiga Europa Oriental?

Anônimo disse...

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