segunda-feira, 24 de março de 2008

Juízo



Quem gosta de documentários (eu adoro) já deve ter percebido que o gênero ganhou nova dimensão de maturidade no Brasil. Sem qualquer exagero, os filmes de não-ficção produzidos por aqui estão na vanguarda mundial, como é o caso de "Santiago", de João Moreira Salles, e o recém-lançado "Juízo - o maior exige do menor", de Maria Augusta Ramos.

"Juízo" conta a história de um grupo de adolescentes, rapazes e moças, que cometeram crimes e passam por audiências na Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça. Como a lei não permite que seus rostos sejam filmados, a diretora encontrou solução original: colocou outros adolescentes, também pobres, para representar os casos dos infratores. Os demais personagens do documentário - juíza, promotores, defensor público, agentes do DEGASE, pais dos adolescentes - interpretam a si mesmos, às vezes com notável desenvoltura.

O documentário muitas vezes pretendeu ser o olhar fiel sobre o mundo real, como se a câmera revelasse a verdade e a intimidade daquelas pessoas. Maria Augusta Ramos explode essas ilusões e em seu lugar mostra o quanto a vida cotidiana, tem de teatral e de artificial, como a juíza que se compraz em dar lições de moral aos infratores, o defensor público que recita leis tão idealizadas e distantes da realidade que parecem uma má fala de ficção, e o comportamento arrenpendido que se espera dos adolescentes e de seus pais.

As histórias contadas no filme vão do banal (roubo de turistas na praia, sem maior violência do que alguns empurrões) ao trágico (parricídio), passando pelo cômico (um rapaz que se mete numa trama rocambolesca de fugas, em grande medida pela incapacidade de entender sua situação juridica).

O perfil social dos adolescentes é parecido: pobres, negros ou pardos, pouca escolaridade. Todos têm família. A mãe sempre está presente, o pai, às vezes. Violência doméstica e alcoolismo são constantes. A maioria dos adolescentes já têm filhos.

O filme acompanha, sem se aprofundar, o cotidiano do Instituto Padre Severino, famosa "unidade de internação provisória" no Rio de Janeiro, responsável por "medidas sócio-educativas" para usar os eufemismos oficiais. Também mostra um pouco do cotidiano familiar de alguns dos jovens. Nenhum dos cenários é agradável.

A personagem mais marcante do filme é a juiza Luciana Fiala, que já se tornou uma celebridade no Rio de Janeiro. Seu estilo de dar broncas nos adolescentes, utilizando a linguagem dos malandros, conquistou as platéias que estavam saudosas das tiradas do capitão Nascimento. Mas "Juízo" não é Tropa de Elite, o filme faz pensar e questiona os demônios desta sociedade.

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