terça-feira, 6 de março de 2007

Encontro com a África



Nos meses em que estive na Argentina ocorreu na cidade de Nairóbi, no Quênia, o Fórum Social Mundial, a mais importante das reuniões de movimentos sociais e organizações da sociedade civil. Vários dos meus colegas de trabalho participaram e para muitos foi a primeira vez na África.

As histórias da viagem têm dominado nossos almoços e sempre são bastante emocionadas, o pessoal realmente ficou comovido com o que encontrou do outro lado do Atlântico. O mais interessante foi um debate que organizamos na segunda-feira com representantes de associações populares, como catadores de lixo, quilombolas e moradores de favelas, que foram ao Fórum graças a um fundo de solidariedade.

Minha experiência é a de que qualquer brasileiro que visite a África sente de imediato uma identificação muito forte com tudo o que encontra por lá. No caso de pessoas negras, com uma vivência intensa do racismo e da pobreza, a emoção é ainda maior. Os depoimentos ressaltavam a semelhança das dificuldades, em contraste com o caráter gentil e acolhedor do povo.

Algo que impressionou muito os brasileiros foi a presença de uma elite negra no Quênia. Os líderes políticos, empresariais e sociais do país, os comerciais na TV, os outdoors... Isso não significa ausência de racismo, pois há muitos ódios entre as diversas etnias que compõem o Quênia. Eles também observaram a discriminação e a injustiça nas relações entre patrões e empregados.

O jogo de contrastes e comparações com o Brasil também ficou muito claro na visita a Kibera, uma das maiores favelas do mundo. Os brasileiros afirmaram que se parece com as comunidades do Rio de Janeiro de décadas atrás, antes das lutas sociais que resultaram na chegada de luz elétrica e água encanada aos morros. Mas como lembrou uma catadora de lixo que vive na Baixada Fluminense, em sua comunidade a situação continua tão ruim quanto em Kibera.

O Fórum foi pouco noticiado na Argentina, acompanhei o evento pela cobertura do Ibase. No entanto, colegas do instituto me contaram que a imprensa brasileira fez um bom trabalho e que reportagens exibidas na TV aberta descreveram o Fórum como “um encontro para discutir um mundo mais justo”, o que é a melhor definição que já vi a respeito. Um amigo ressaltou que na África, basta ligar a câmera da televisão e a imagem da injustiça fala por si só, não há necessidade de justificar a urgência em mudar a realidade.

Muitos dos meus colegas voltaram do Quênia encantados com o país e cheios de vontade de conhecer mais a respeito da África, pois viram o suficiente para perceber que, para além dos sofrimentos e dos problemas, há fortes tradições de luta, criatividade e esperança.

Nenhum comentário: