quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Balanço da Política Externa de Lula



Na semana passada comentei sobre as perspectivas do Brasil pós-Lula, agora é o momento de tratar da política externa, o tema da minha entrevista à CNN. Apesar da polarização ideológica que tem dominado o debate, a diplomacia manteve forte continuidade com a de FHC, mantendo pontos como integração sul-americana, compromisso com o multilateralismo, diversficação dos parceiros econômicos do país. A mudança foi de ênfase, aumentou a importância das relações com os grandes países em desenvolvimento – os BRICs e potências regionais em ascensão como África do Sul, Irã e Turquia.

Essa é perspectiva é cara àqueles que apostaram na cooperação sul-sul como maneira de obter mais autonomia na política internacional. Uma agenda forte na esquerda, mas também bastante presente na preocupação dos governos conservadores (inclusive da ditadura militar), das décadas de 1960/70. O novo cenário mundial é marcado pela turbulência econômica nos EUA, na Europa e no Japão e pela crise militar dos Estados Unidos no Oriente Médio. As potências emergentes crescem no vácuo de poder dos países desenvolvidos e têm usado seu novo status para obter mais influência nas instituições globais, com a criação do G-20 na Organização Mundial do Comércio e o reforço do G-20 financeiro.

A diplomacia sul-americana do Brasil é o desdobramento de iniciativas das décadas de 1980/90, e que objetivam, em última análise, a tornar a região um espaço unificado na economia e sintonizado politicamente com o Brasil. A posição sólida na região seria a base para ação do país em fóruns multilaterais. A realidade tem sido mais complexa, pois o continente continua instável, dividido entre bolivarianos, reformistas moderados e conservadores. Instituições regionais aumentaram (Parlamento do Mercosul, Unasul, Conselho de Defesa Sul-Americano) mas seguem muito frágeis, com poucos recursos e por vezes com funções mal definidas. Ações conjuntas têm sido raras, e o Brasil tem tido seus melhores momentos não em tanto em coordená-las, e mais na mediação das crises andinas.

O próprio desenvolvimento brasileiro colocou os interesses nacionais em outro patamar, afastados de nações mais pobres da vizinhança. O Brasil não é mais o rebelde contrário aos cânones do sistema internacional. Hoje, em grande medida, adotou os regimes e tratados globais, embora preconize sua reforma, para torná-los mais representativos e eficazes. Mas nem sempre o discurso diplomático se adequou à nova realidade, com freqüência ouvimos a voz do passado nessa retórica.

Os pontos mais controversos da diplomacia de Lula têm sido exatamente os esforços em conciliar o “Brasil potência emergente” com o ideário terceiro-mundista, que costuma exigir concessões econômicas e acomodações políticas incômodas. As polêmicas ficaram evidentes nas disputas sobre energia com Bolívia e Paraguai, no silêncio diante de violações de direitos humanos em regimes latino-americanos, como Cuba e Venezuela (FHC agiu diferente no Paraguai, mas de modo semelhante com o Peru de Fujimori), e nas posturas intervencionistas em crises internacionais como Haiti, Honduras e Irã. O Brasil ainda não encontrou o ponto ótimo que lhe permita exercer influência diplomática e propagar valores e instituições caros à sua sociedade.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Intumbable?



A última moda em Caracas é a venda de um boneco do presidente Hugo Chávez ao estilo “João Bobo”. Chamado de “Intumbable”, representa a capacidade do mandatário venezuelano em sobreviver a diversas crises políticas, desde que foi eleito em 1998. As eleições parlamentares realizadas ontem são uma nova prova para Chávez. Embora os números ainda não estejam confirmados, já está claro que a oposição conquistou mais de 1/3 das cadeiras e talvez tenha recebido a maioria do voto popular. Isso significa que pela primeira vez o presidente não terá a maioria absoluta na Assembléia, necessária para aprovar as decisões mais importantes, como a nomeação de juízes. Os dois anos até a próxima disputa presidencial terão no parlamento um local privilegiado de luta.

Entre 1958 e 1998 a Venezuela foi governada por dois partidos que dividiam os espólios do Estado por meio de um pacto político oligárquico. O acordo começou a desmoronar na década de 1980, com a queda dos preços internacionais do petróleo, e os líderes tradicionais do país simplesmente não conseguiram entender o fenômeno de popularidade de Chávez. Entre 1999 e 2005 a oposição do carismático presidente tentou um golpe militar, uma greve geral, boicotes eleitorais e tudo o que conseguiu foi ficar excluída dos principais espaços de decisão nacionais, inclusive o parlamento.

Nas eleições de ontem, a maior parte da oposição concorreu unida numa coalizão de sete partidos, a Mesa da Unidade Democrática, que se beneficia das dificuldades de Chávez com problemas cotidianos, como economia e criminalidade (há outros partidos oposicionistas fora dessa aliança, como o esquerdista Patria para Todos).



A candidata oposicionista mais importante é Maria Corina Machado (acima), que tem chamado a atenção pela beleza. Seu discurso é o clássico liberal-democrático: melhorar a fiscalização e prestação de contas das autoridades, promover a descentralização do poder político. Parece programa de ONG, e de fato ela veio dessa área. Seu maior obstáculo é sua vinculação às elites tradicionais venezuelanas – é filha de um ex-ministro do presidente que Chávez tentou depor em 1992, com um golpe militar. Não sei o que será a política venezuelana pós-chavismo, mas é improvável que tenhamos um retorno ao jogo clássico dos dois partidos.

Chávez sempre reage aos revezes eleitorais mudando as regras e não tem sido diferente nos últimos anos, quando começou a sofrer problemas nas eleições locais. Ele alterou os distritos eleitorais de modo a privilegiar as zonas do interior, onde é mais forte, e diminuir o peso das grandes cidades, nas quais a oposição cresceu. Daí a discrepância entre o grande número de votos oposicionistas e o número de cadeiras relativamente modesto. Em suma, algo muito semelhante ao que a ditadura militar brasileira fez em meados da década de 1970.

O presidente também tem reforçado a centralização política – uma constante em seu governo – revertendo muitas das reformas que haviam sido implementadas nos anos que antecederam sua chegada à presidência. Ele está criando uma guarda nacional que substituirá as polícias municipais, e também discute a formação de “comunas”, unidades administrativas que atravessarão o território usual de municípios e estados e estarão subordinadas diretamente ao Executivo.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Perspectivas para o Brasil pós-Lula



Nesta semana dei entrevistas para a CNN e a Rádio França Internacional, fazendo o balanço da política externa brasileira no governo Lula e analisando as perspectivas do país após as eleições presidenciais do próximo mês. Ambas as conversas foram em espanhol, voltadas para o público hispano-americano. Nos próximos dias terei outra rodada de papos com jornalistas e acadêmicos da Argentina, Espanha, França e Itália. O quadro geral é o de grande interesse pelo Brasil e a percepção de consolidação do novo status global brasileiro, como uma potência em ascensão e um pilar de crescimento e estabilidade em um mundo marcado pela crise.

Nas entrevistas com os profissionais estrangeiros, tenho ressaltado as transformações no cotidiano brasileiro: ascensão da nova classe média, redução da pobreza, inflação sob controle, bom nível de crescimento econômico. Infelizmente, também a persistência de velhos problemas, como a fragilidade dos sistemas públicos de educação e saúde, deficiências da infraestrutura, partidos políticos frágeis, elevado nível de corrupção, descrédito de instituições importantes (como o Congresso Nacional).

Apesar da polarização dos debates, frisei que os principais candidatos à Presidência da República apresentam uma agenda bastante consensual, que é basicamente de centro-esquerda e se propõe a continuar as políticas públicas em curso, com alterações aqui e ali. As biografias desses candidatos trazem em comum a história de luta contra a ditadura militar e vinculações com as correntes mais representativas das idéias progressistas no Brasil: a doutrina social da Igreja Católica, o novo sindicalismo das décadas de 1970/80, movimento estudantil, marxismos diversos.

Contudo, disse que esse consenso partidário não reflete a diversidade e a pluralidade do país. Deixa de lado muitas linhas importantes de pensamento conservador e liberal, que não encontram representação nos candidatos, mas estão bastante presentes na imprensa, gerando por vezes forte descompasso entre o debate nos meios de comunicação e a política concreta vivida na campanha e nas negociações partidárias. Essa lacuna é ruim para a democracia. Quem fica de fora, sem perspectivas de participar e influir nos acontecimentos, tende à radicalização. Pragmatismo, compromisso e equilíbrio nascem do engajamento prático, das necessidades cotidianas da vida pública.

É patente a curiosidade dos jornalistas estrangeiros pelos detalhes e fatos biográficos dos candidatos à Presidência e tive excelentes conversas procurando explicar a ascensão de Dilma Roussef no governo Lula, as razões pelas quais Marina Silva deixou o PT e as relações entre José Serra, Aécio Neves e Fernando Henrique Cardoso. Percebo uma nova seriedade no modo como a imprensa dos outros países analisa o Brasil. Não mais nossos líderes políticos são vistos como tipos exóticos e pitorescos, são analisados em profundidade, questionados sobre suas idéias, sobre suas trajetórias em cargos e funções públicas, seu estilo de gestão etc.

Naturalmente, as perguntas se concentram nas perspectivas de Dilma, sem o carisma e a popularidade de Lula. Tenho dito que ela ficará mais dependente dos grandes partidos de sua coalizão, como PT e PMDB. E com a incógnita do papel que Lula irá desempenhar. Será que assumirá um cargo na ONU, como fez Michelle Bachelet, ex-presidenta do Chile? Irá se dedicar à cooperação internacional na África e América Latina? Em todo caso, será uma sombra poderosa para Dilma e tenho minhas dúvidas sobre como o sistema político brasileiro lidará com essa questão.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A Gestão Pública nos Estados



Na semana passada estive em Brasília, participando do seminário “Avanços e Perspectivas da Gestão Pública”, organizado pelo Conselho Nacional dos Secretários de Estado de Administração (Consad) e pelo jornal Valor Econômico. As discussões foram excelentes, bem como o livro distribuído no evento. O resumo da ópera: os governos estaduais superaram a fase de crise fiscal aguda da década de 1990 e retomaram a capacidade de serem ativos em políticas públicas, às vezes de maneira mais dinâmica que o poder central. Contudo, permanecem problemas estruturais bastante sérios, sobretudo no setor de recursos humanos.

Os bons resultados das administrações estaduais contemporâneas são evidentes nos elevados índices de aprovação dos governadores. Nunca antes na história deste país tantos mandatários estaduais estiveram prestes a ser reeleitos, muitos já no primeiro turno. Desempenhos individuais à parte, é um indicador de como melhorou a situação financeira dos governos locais. Um cenário desse tipo seria difícil de imaginar em meio ao caos econômico dos anos 90.

Os especialistas em administração pública têm ressaltado que as administrações estaduais têm sido mais ágeis em implementar certas inovações primeiro lançadas (às vezes sem sucesso) pelo governo federal. É o caso, por exemplo, da contratação de Organizações Sociais e de OSCIPs para prestar serviços públicos, da realização de Parcerias Público-Privadas para obras de infraestrutura, da agilização e informatização dos processos de compras oficiais (como pregão eletrônico) e da implementação de centros de atendimento integrado aos cidadãos, locais onde as pessoas podem obter documentos e serviços de diversos órgãos oficiais.

Mas a jóia da coroa, sem dúvida, são as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio de Janeiro. Inspiradas na bem-sucedida experiência da Colômbia, criaram um novo modelo de política de segurança pública no Brasil, e não por acaso entraram no radar dos candidatos à Presidência da República. É provável que nos próximos anos as vejamos serem disseminadas pelo país afora.

Na realidade, o surto inovador dos governos estaduais é uma das maiores vantagens do federalismo. Ao dar mais autonomia às administrações subnacionais, esse sistema aumenta a capacidade de experimentação e criatividade do poder público. Mais idéias e práticas podem ser testadas em diversos lugares, e depois implementadas em outras partes.

O que torna esse cenário uma novidade é que no Brasil, tradicionalmente, as reformas na administração pública vinham do governo federal, com os estados e municípios sendo em geral o palco de tradições muito mais patrimonialistas e clientelistas, com raras exceções. Naturalmente, problemas desse tipo persistem – basta pensar nos escândalos de corrupção que resultaram na prisão dos governadores do Distrito Federal e do Amapá.

Contudo, o que os estudos têm indicado é que o nó mais sério está na questão dos recursos humanos – carreiras frágeis, poucos concursos, salários baixos, pessoal de baixa qualificação, muitas nomeações de caráter partidário, inclusive para funções rotineiras. O processo de mudança é longo, muito longo.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O Movimento do Chá



Na última semana o Tea Party Movement conseguiu vitórias impressionantes nas primárias republicanas em estados da Costa Leste, como Nova York, Delaware e New Hampshire, derrotando os candidatos moderados que tradicionalmente eram o bastião do partido nessa região. Em apenas um ano e meio, o movimento conseguiu se estabelecer como um ator nacional importante, mas seu futuro é incerto. Ao empurrar os republicanos para posições radicais, podem levar o partido a derrotas eleitorais significativas, perdendo o eleitorado mais centrista.

O Movimento do Chá é um estudo de caso em organização descentralizada, em rede. Ele surgiu de grupos de discussão e fóruns online que aglutinavam conservadores descontentes com a vitória de Barack Obama à presidência, e insatisfeitos com os rumos do partido republicano. Como se vê pela pesquisa abaixo, publicada pela Economist, os participantes do movimento costumam ser mais velhos e com maior renda do que a média nos EUA.



Falam no sentimento de “perda da América”, e reivindicam posições partidárias baseadas em valores religiosos. Sarah Palin é sua admiração mais importante na cúpula republicana (clique no link para um perfil crítico publicado na revista Vanity Fair), mas o movimento também idolatra personalidades como o jornalista Glenn Beck, que recentemente organizou uma Marcha para Washington que se pretendia a reedição daquela realizada por Martin Luther King Jr.

Como qualquer movimento descentralizado e heterogêneo, o do Chá corre o risco de se fragmentar em pequenos grupos, sem condições de agir em conjunto de forma eficiente, como ocorreu com os estudantes nos EUA da década de 1960/70. Ou então de se transformar numa estrutura centralizada e hierárquica, como houve com os ambientalistas que fundaram o Partido Verde americano.

A área mais controversa entre os integrantes do Movimento do Chá é a política externa. De forma resumida, eles se dividem entre os que advogam uma versão “com esteróides” do que foi a diplomacia de George W. Bush e outra linha que defende posturas isolacionistas, como o fechamento de bases militares americanas no exterior e a redução do tamanho das Forças Armadas. É uma controvérsia que aparece com enorme regularidade na história política americana.

As eleições parlamentares de novembro serão um teste importante para o movimento, no sentido de mensurar sua viabilidade como um projeto eleitoral capaz de derrotar os democratas. Por ora, as ações do grupo forçaram os republicanos a levarem suas queixas a sério, agravando os embates partidários entre moderados e uma base cada vez mais radicalizada, e com grande capacidade de mobilização.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Demissões em Cuba



No início da semana dei uma pequena entrevista à Folha de São Paulo, tratando da nova rodada de reformas econômicas em Cuba. O elemento mais significativo é a demissão de 500 mil funcionários públicos, um número muito expressivo para um total por volta de 4 milhões. O objetivo do governo cubano é estimular a formação de cooperativas e o crescimento do setor econômico privado, de maneira controlada.

Não é tarefa fácil. O setor público concentra cerca de ¾ da população economicamente ativa na ilha. As reformas dos anos 1990/2000 criaram um segmento importante na iniciativa privada, sobretudo na área turística e na mineração. Muitos cubanos trabalham como funcionários de empresas estrangeiras que operam no país em joint-ventures com o Estado, ou então tocam pequenos negócios próprios, como os restaurantes caseiros conhecidos como Paladares.

No entanto, setores importantes da economia de Cuba não passaram por reformas semelhantes. O mais expressivo é a agricultura, e aqui o contraste com a China é marcante. Lá, as reformas econômicas começaram com o que foi, na prática, a privatização das terras comunais, entregues aos camponeses sob diversos instrumentos jurídicos, como contratos com “empresas municipais” que só existiam no papel. Na ilha caribenha, a agricultura ficou em segundo plano e o açúcar – que era o principal produto de exportação – declinou acentuadamente. Cuba precisa importar grande quantidade de alimentos e tem enfrentado más colheitas e escassez de gêneros essenciais, como o arroz.

Transformar os burocratas cubanos em empreendedores e gestores de cooperativas será uma tarefa difícil para o governo de Raúl Castro. Há várias questões em aberto. Por exemplo: de onde virá o financiamento para estabelecer esses negócios? E o apoio técnico? Quais os segmentos econômicos mais viáveis para esses investimentos?

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A Ponte



Estou preparando um curso sobre o surgimento, evolução e dilemas da democracia nos Estados Unidos, e por conta disso tenho lido bastante sobre política americana. Terminei nesta semana o excelente "The Bridge - the life and rise of Barack Obama", do jornalista David Remnick, editor da New Yorker. Exemplo de biografia que equilibra o fascínio com o protagonista com o senso crítico.

Obama já escreveu, ele mesmo, dois livros autobiográficos. "A Origem dos Meus Sonhos" é uma narrativa excepcional sobre a história de seu pai, um queniano que emigrou para os EUA e se pós-graduou em Harvard, e de sua mãe, uma menina branca do Kansas que teve um filho com o brilhante e instável rapaz africano e depois se tornou uma antropóloga especializada na Indonésia. "A Audácia da Esperança" é uma obra bem menos interessante, basicamente um livro em que Obama se lança candidato à presidência e tenta estabelecer uma agenda de mudança moderada.

Os pais de Obama se separaram quando ele era muito pequeno, o rapaz foi criado praticamente pelos avós, no Havaí, onde as relações raciais não são tão tensas quanto no resto dos EUA. Boa parte da adolescência e juventude de Obama foi uma busca pela identidade, a tentativa de descobrir, ou inventar, quem ele era de fato. A história é admiravelmente narrada em "A Origem...", mas Remnick faz um ótimo apanhado, principalmente no sentido de situar Obama como uma ponte entre vários mundos: negros e brancos, classe média, pobres e elite, e como um membro da "geração de Josué", nascida após a vitória do movimento dos direitos civis.

A biografia começa a esquentar quando Obama, recém-formado em Ciência Política em Columbia, se muda para Chicago para trabalhar como um ativista comunitário. Remnick traça um panorama magistral da política na cidade, uma metrópole negra assolada por racismo, corrupção e pobreza. Ele narra a queda da máquina da família Daley, que por décadas governou Chicago, e a ascensão do prefeito negro Harold Washington, um modelo para o jovem Obama.

Outra parte magistral da biografia são os anos de Obama em Harvard, onde se formou em Direito. Ele foi um aluno brilhante e hábil também na política estudantil, conseguindo construir pontes e diálogos com liberais, radicais e conservadores - processo que culminou na sua eleição a presidente da Harvard Law Review, a prestigiada revista dos estudantes, o que lhe deu pela primeira vez visibilidade e fama nacional.

Os anos seguintes foram os da meteórica ascensão de Obama na política do Partido Democrata, passando em poucos anos de deputado estadual em Illinois a Senador, e por fim o azarão na disputa presidencial de 2008. Remnick faz a crônica dessas vitórias mostrando como Obama lidou com questões explosivas como raça, guerra no Iraque e polarização política. O argumento é que ele triunfou por sua moderação, mas fica também um certo sentimento de vazio e de desapontamento com uma agenda mais concreta de transformações sociais, para além do apelo à mudança.

Impressiona também a desorientação ideológica dos Democratas, diante da radicalização da base dos Republicanos, que não por acaso tem colocado o presidente Obama constantemente na defensiva. Mas enfim, já tenho livros sobre o movimento do chá na lista de encomendas. Em breve no blog.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A Década da América Latina



Chegou o momento da América Latina. Com cerca de 30% da reserva de água doce do planeta, 25% das terras cultiváveis, 15% do petróleo, crescimento econômico em ótimos níveis e políticas sociais que ajudaram 40 milhões de pessoas a saírem da pobreza nos últimos anos, a região se tornou uma excelente opção de investimento. A Economist publicou dias atrás um ótimo especial sobre a situação do continente, que destaca sobretudo os pontos positivos, embora chame também a atenção para os problemas mais sérios (instabilidade política, riscos à democracia, crime, baixa capacidade de inovação, péssimos serviços de educação e saúde). A revista prevê que os próximos dez anos serão a "década da América Latina".

O Brasil representa, sozinho, em torno de 40% do PIB e 30% da população da América Latina. O país tem, de fato, particularidades muito pronunciadas com relação aos vizinhos: um Estado maior, mais forte e organizado, com diversos centros de excelência. Um conjunto significativo de empresas multinacionais. Pólos de tecnologia avançada. Dependência menos acentuada de recursos naturais (veja a tabela abaixo para conferir o quanto o problema é sério na região). Somemos a isso o idioma português e a história inusitada, por conta da transferência da monarquia portuguesa no início do século XIX. O Brasil é um global player, um BRIC, uma potência emergente, e ainda não está claro como será a relação do país com a integração latino-americana - seu comércio exterior, por exemplo, já é maior com a Ásia do que com a região.



Dito de outro modo, os demais países latino-americanos em geral enfrentam os desafios do desenvolvimento de maneira mais arriscada do que o Brasil, ainda que se possa argumentar que em muitos aspectos sociais, países menores como Chile, Costa Rica e Uruguai apresentam indicadores tão melhores que podemos especular se não estão a caminho de se tornarem nações desenvolvidas, com patamar que qualidade de vida semelhantes ao do sul da Europa.

A pergunta que mais me interessa é como serão organizadas as democracias latino-americanas. Existe, claro, um repertório de instituições e práticas que são parecidos no mundo todo: eleições, parlamentos, tribunais etc. Mas a região tem desigualdades étnicas e sociais muito grandes - as maiores do planeta, na realidade (abaixo). Historicamente esse tipo de configuração tem estimulado governos autoritários e personalistas, que não estão ausentes do continente, mas agora convivem com inovações e outras tradições, principalmente no âmbito de movimentos sociais de base, de organização comunitária.



Estou justamente envolvido numa série de pesquisas que dizem respeito, em maior ou menor grau, à democracia. Acredito que a América Latina virou uma espécie de laboratório a céu aberto de novas práticas democráticas, que complementam e reforçam as instituições representativas tradicionais, gestadas nos EUA e na Europa. Se vem por aí uma década latino-americana na economia, veremos também muitas novidades na política. Algumas delas, quem sabe, serão muito boas.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Fidel: revolução, armas nucleares e golfinhos



A revista americana The Atlantic publicou nesta semana ótima reportagem do jornalista Jeffrey Goldberg. É um especialista em Oriente Médio que foi convidado por Fidel Castro a visitá-lo em Cuba. Curioso com a oportunidade, aceitou e levou junto Julia Sweig, do Conselho de Relações Exteriores – suas análises são excelentes e sucintas: Fidel deixou a chefia do Estado cubano há quatro anos, em função de sua saúde precária, e agora quer se reinventar como um sábio estadista que comenta os principais temas da agenda internacional, em particular os conflitos entre Israel e Irã. Ele também avalia de modo muito crítico a própria Revolução cubana, afirmando que seu modelo não serve mais nem mesmo para a ilha. Para Sweig, trata-se de uma declaração que visa dar a seu irmão Raúl Castro autonomia para lançar reformas econômicas mais amplas, que se distanciam da ortodoxia marxista.

O exame que Fidel faz do Oriente Médio se destaca pela moderação – recrimina o presidente iraniano, Mahmoud Ahamadinejad, por seus comentários antissemitas e afirma que é necessário compreender o trauma das perseguições aos judeus para entender as intensas preocupações de Israel com sua segurança. Aponta como meta final na região o abandono das armas nucleares por todos os países da área e relembra inclusive a crise dos mísseis cubanos de 1962, talvez o momento em que o mundo esteve mais próximo de um apocalipse atômico. Diz que se arrepende de ter pedido ao líder soviético Nikita Kruschev para bombardear os EUA: “Não valia a pena”.

As críticas de Fidel ao modelo econômico da Revolução Cubana são menos surpreendentes do que parecem à primeira vista. Castro, sempre pragmático, foi decisivo em iniciar diversas reformas, já em meados da década de 1980. Nos anos seguintes, montou uma equipe de jovens tecnocratas, que promoveu a postos de chefia no Estado, para implementar a política de abertura controlada da economia cubana, em certa medida semelhante ao que China e Vietnã empreenderam no mesmo período.
A principal diferença de Cuba para essas nações asiáticas é a agricultura, onde o paradigma das fazendas estatais continua a vigorar e criou um problema sério para a balança comercial – um persistente déficit que vem da necessidade de importar grandes quantidades de alimentos. Raúl Castro anunciou recentemente algumas reformas econômicas, principalmente no sentido de demitir funcionários públicos e estimular pequenos negócios. Mas é pouco diante dos problemas da ilha.

A questão mais séria que Fidel deixou de abordar foi a das liberdades civis e políticas em Cuba. Bem ou mal, houve reformas econômicas significativas nos últimos 20 anos, mas pouca coisa aconteceu em termos de abertura política. Raúl, nesse aspecto, representa um retrocesso: afastou tecnocratas e trouxe de volta generais e velhos quadros do Partido Comunista.

Fidel preferiu levar Goldberg para ver um show de golfinhos – excelente, segundo o jornalista. O aquário estaria fechado, mas na melhor tradição caudilhesca, abriu exclusivamente para o chefe e seus convidados. A veterinária é filha de Che Guevara, o que talvez seja um símbolo de alguma coisa. Só não sei do quê.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Mais Dinheiro do que Deus



Sebastian Mallaby é um jornalista veterano que trabalha no Conselho de Relações Exteriores dos EUA, após anos cobrindo finanças para o "Washington Post" e a "Economist". Seu novo livro, "More Money than God: hedge funds and the making of a new elite" é não apenas uma excelente história desse tipo de aplicação financeira, mas também um ótimo apanhado das transformações na economia internacional nos últimos 30 anos. Embora Mallabay defenda a posição ideológica de que os fundos hedge corrigem desequilíbrios de mercado ao ajustar preços distorcidos, seu relato com frequência os mostra fazendo o contrário.

O que define os fundos hedge não é o tipo de negócio que realizam (com ações, títulos da dívida pública, mercado de futuros, swaps etc), mas a maneira como operam. Mallaby cita quatro características básicas: alta bonificação por desempenho (em torno de 25% dos lucros), estimulando a ousadia dos analistas; esforço em evitar a burocracia regulatória; uso intenso da alavancagem (investir muito mais dinheiro do que possuem, por meio de empréstimos) e realização de short selling, isto é, tomar emprestadas ações de outros investidores, vendê-las na expectativa de que seu preço caia, e comprá-las com lucro. Os fundos hedge sempre foram visto com desconfiança, só aumentada devido a seus retornos extraordinários, muito acima dos índices habituais da bolsa de valores.

O perfil bem mais arrojado do que o normal em Wall Streeet em, digamos, um banco de investimentos atraiu para os fundos hedge uma fauna exótica e diversificada, desde o criador do primeiro deles, na década de 1950. Alfred Jones era um ex-diplomata que se tornou um ativista clandestino da esquerda marxista na conturbada Europa dos anos 30, e se voltou ao mercado financeiro em busca de dinheiro para financiar seus gostos caros. Mallaby narra sua história e de seus sucessores, mostrando as inovações que introduziram ao longo dos anos, e como elas refletem as transformações na economia global.



Os primeiros fundos hedge surgiram numa época em que o mercado financeiro ainda era muito regulado. Com a liberalização progessiva a partir dos anos 70, e o fim do sistema de câmbios fixos de Bretton Woods, surgiram imensas oportunidades. George Soros (foto acima) foi um dos mais habilidosos em explorá-las, em particular apostando nos erros macroeconômicos dos governos, em suas dificuldades de lidar com a oscilação cambial (como sua célebre aposta na desvalorização da libra britânica diante das exigências do Sistema Monetário Europeu) e com a ineficácia do banco central americano em combater simultaneamente a inflação e o desemprego nas décadas de 1970-80.

Contudo, a economia global é complexa demais para ser entendida por uma só pessoa, quanto mais para ser manipulada. Mallaby narra com eloquência como Soros, com todo seu talento, falhou miseravelmente na Rússia, inclusive pelos obstáculos em conciliar seus investimentos (e a análise da iminente crise do governo) com seus ambiciosos projetos filantrópicos - em uma definição antológica, o autor o define como "o único indíviduo com uma política externa." Outro mago dos fundos hege, Julian Robertson, fez fortunas nos EUA, mas percebeu suas limitações ao se deparar com a sutileza da economia política da Europa, e suas profundas interconexões entre Estado, sindicatos, relações internacionais e os indicadores clássicos.

Se os primeiros administradores de fundos heges apostavam numa combinação intricada de informação privilegiada, capacidade de análise e intuição, novas gerações como as de Jim Simmons e David Shaw passaram a usar ferramentas como modelos matemáticos e econométricos, recrutando especialistas das universidades, da informática e até do Pentágono para identificar padrões de alta e queda em commodities e no mercado de ações. A história fascina, mas também assusta, pois o nível de abstração é tão elevado que faz com que nos perguntemos qual a conexão com a economia real, dos fatos concretos.

Fundos hedge fazem parte da área conhecida como "shadow banking", não regulada pelos acordos convencionais, como os de Basiléia. Mallaby argumenta que por seu caráter inovador e sempre em transformação, é muito difícil conduzi-los para a supervisão governamental, e aponta o papel estabilizador que vários deles (como o Citadel) exerceram na crise atual, enquanto ruiam instituições tradicionais, como o banco Lehman Brothers.

Contudo, a saga narrada por Mallaby é a de uma economia global cada vez mais complexa, em cujas contradições e assimetrias de informação existe espaços para ganhos fabulosos. Os mais hábeis administradores de fundos que ele descreve foram pessoas que souberam perceber e interpretar essas mudanças, mas que tiveram pouca capacidade de influenciar o ritmo e direção dessas transformações, para o bem ou para o mal. É possível que especular que o jogo ficará ainda mais complicado quando começarem a entrar em cena fundos hedge das grandes nações emergentes, como China e Índia.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A Primeira Exportação a Gente Nunca Esquece



Ariel Palacios, correspondente do jornal Estado de São Paulo na Argentina, tem um excelente blog sobre o país. Na semana passada publicou um de seus textos mais saborosos, comentando a primeira exportação de manufaturados de lá para o Brasil. Ocorreu no século XVI, quando ambas as nações eram governadas pelo reis Hapsburgo em Madri, durante o período da União Ibérica. Nessa época de concórdia, o bispo de Córdoba mandou um carregamento de têxteis para o governador-geral do Brasil. A data é celebrada como o Dia da Indústria na Argentina.

Até aí, tudo muito edificante, para a educação dos povos e fraternidade das nações. Mas como a Argentina já era a Argentina, e o Brasil já era o Brasil, a negociação foi marcada por corrupção e contrabando. O bispo despachou prata da Bolívia, às escondidas, junto com a mercadoria, e trouxe dos portos brasileiros escravos africanos para as minas andinas. No entanto, o carregamento foi atacado por piratas ingleses, e o príncipe da Igreja acabou na pior. Nada como a História para mostrar que a globalização não começou ontem, e que os problemas na relação bilateral entre os maiores países sul-americanos também vêm de longe.

E continuam interessantes. O vídeo abaixo mostra o Secretário de Comércio Interior da Argentina, Guillermo Moreno. As imagens são de uma reunião entre Moreno e empresários de mídia do Grupo Papel Prensa, que tem representantes do Estado, do Clarín e do La Nación. Os Kirchner atualmente têm péssimas relações com ambos os jornais, embora no passado tenham sido aliados do Clarín. O resultado é que Moreno utiliza métodos heterodoxos de convencimento, que incluem luvas de boxe.



Apesar do título do cargo, Moreno também se ocupa da pauta externa. O equivalente funcional dos jabs na relação comercial com o Brasil são as licenças não-automáticas de importação. Supostamente, é uma ferramenta de política pública para proteger setores estratégicos da economia. Na prática... Digamos que criar dificuldades gera um promissor mercado para a venda de facilidades, como já sabiam os bispos e governadores do século XVI.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Desafios para uma São Paulo Global



Dias atrás estive em São Paulo para participar do I Seminário Paradiplomacia das Cidades. Dei palestra sobre “Cidade, Democracia e Relações Internacionais: desafios para uma São Paulo global”. Meu ponto principal: as mudanças na demografia e as demandas econômicas do Brasil aumentam a necessidade de imigrantes para o mercado de trabalho, e o país precisa desenvolver instituições e políticas públicas para lidar com a nova população, numa perspectiva de afirmação de direitos e combate às discriminações.

O conceito de cidade global surgiu dos trabalhos da socióloga Saskia Sassen, que ressaltou a importância de Nova York, Tóquio e Londres para as redes internacionais que movem a economia do planeta. Cidades são, afinal, locais de reuniões de especialistas e profissionais altamente qualificados. Nesta ótima entrevista à Foreign Policy, ela chama a atenção para novas “cidades globais” em ascensão, como Miami e Copenhage, e comenta casos como Cingapura e Dubai. A reportagem com Sassen ocorreu por causa da publicação pela revista do ranking 2010 das cidades globais. São Paulo é a 35ª de 65, e na América Latina está atrás apenas de Buenos Aires (22ª) e da Cidade do México (30ª). O Rio de Janeiro é o outro representante brasileiro na lista, em 49º.

São Paulo é o principal elo de ligação do Brasil à economia global no contexto em que o país conjuga crescimento em bons níveis com estabilidade política, em meio à recessão no mundo desenvolvido. O Ipea identificou um grande déficit de mão-de-obra especializada, de 320 mil profissionais apenas nos setores de serviços e construção civil. Essas características tornam o Brasil muito atraente para imigrantes, tanto da América Latina quanto da Europa e dos EUA.

Além disso, há as mudanças demográficas. A população brasileira envelhece rapidamente, e a taxa de fecundidade caiu abaixo dos níveis de reprodução. As projeções do IBGE são de que a população começará a diminuir a partir de 2030. O resultado: as autorizações de trabalho para estrangeiros aumentam bastante, 19% no último ano. Certas categorias, como engenheiros, recorrem aos imigrantes em escala ainda mais profunda.



Claro, o Brasil já viveu um período parecido, em especial na primeira metade do século XX. E o país foi bem-sucedido em incorporá-los à cultura nacional. A foto acima foi tirada por uma amiga minha no bairro paulistano da Liberdade e mostra o que aparente ser um despacho de candomblé feito com comida japonesa.

Ainda assim, tem havido uma série de incidentes de xenofobia mundo afora, nos Estados Unidos e na União Européia e também em países em desenvolvimento como África do Sul. Em São Paulo, o tipo de crime de ódio que ocasionalmente é cometido contra migrantes do nordeste brasileiro é um alerta do que pode acontecer. Citei os trabalhos dos meus amigos no Instituto Pólis, que acompanham o modo racista com que muitas vezes os estrangeiros são representados na mídia, sobretudo quando são oriundos de outros países da América Latina, como Bolívia e Peru. Uma das melhores coisas do debate foi ter entrado em contato com jovens paraguaios que começam a se organizar em São Paulo, pela questão dos direitos dos imigrantes.

Também há desafios de política pública relacionados à educação (sobretudo para os filhos dos imigrantes) e à legislação trabalhista. O marco jurídico brasileiro na área de imigração está ultrapassado e precisa mudar. O Estatuto do Estrangeiro é época da ditadura militar, refletindo o pensamento autoritário sobre “segurança nacional”, com muitas aspas, por favor. Não dá conta das demandas econômicas modernas. E o Brasil ainda não ratificou tratados internacionais importantes nessa área, de proteção aos direitos dos imigrantes. Apesar de gestos magníficos, como a recente anistia aos trabalhadores estrangeiros em situação irregular, uma bela iniciativa na contramão dos fatos sombrios registrados em outros países.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Problemas de Chávez: crime e economia



Certa vez em Caracas, amigos de um projeto de cooperação internacional e eu nos vimos no deserto centro da cidade, à noite, em busca de um restaurante. Todas as lojas estavam fechadas e não víamos ninguém na rua. O grupo incluía ex-guerrilheiros e pessoas que haviam trabalhando em lugares como os campos de refugiados palestinos no Líbano, mas começamos a nos assustar. Foi então que vimos um rapaz correr com uma expressão de medo no rosto, em meio aos prédios abandonados - parecia um episódio de Lost. Paramos o sujeito (era uma turma corajosa, aquela) e pedimos informações. Ele nos indicou o horizonte – “Sigam para lá, é muito perigoso por aqui! Muito perigoso!”. E seguiu sua maratona particular. Terminamos no único local aberto, uma pizzaria onde todos os pratos tinham nomes de indivíduos ligados à máfia. Comi Frank Sinatra.

Neste mês ocorrerão eleições legislativas na Venezuela e o presidente Hugo Chávez enfrenta uma disputa difícil. Sua popularidade está em 36%, o pior índice desde a greve geral de 2002. As principais razões o aumento do crime e os problemas na economia.



O gráfico acima mostra os altos e baixos do PIB venezuelano sob Chávez. O crescimento muito acelerado de meados da década passada foi substituído por anos de mau desempenho, que incluem 30% de inflação anual (uma das taxas mais altas do mundo), grande desvalorização da moeda e problemas de abastecimento de energia elétrica. A instabilidade reflete em parte as oscilações no preço do petróleo, mas em grande medida ilustra a má gestão da economia. O sistema de controles excessivos no câmbio e nas importações, por exemplo, é uma dor de cabeça das empresas de comércio exterior que operam no país, e fonte freqüente de corrupção. Felizmente para Chávez, e para os venezuelanos, um bom conjunto de políticas sociais tem garantido a melhoria do desenvolvimento humano, mesmo com as turbulências na economia.

O crime é outra questão séria. As taxas de homicídio triplicaram ao longo da década de Chávez no poder e alcançaram espantosos 200 por 100 mil habitantes – quase quatro vezes mais do que no Iraque! As causas do problema são os suspeitos de sempre, como desigualdades abissais, pobreza, polícia e judiciário ineficazes.



A polarização política do país agravou algumas dificuldades. Por exemplo, a cidade de Caracas é dividida em vários municípios, cada um com seu próprio prefeito e força policial, e nas áreas mais ricas o anti-chavismo acaba tornando ainda mais complicadas as relações com as autoridades federais. Ocasionalmente, elas trocam tiros entre si, como nos dias de violência durante o golpe da oposição, em 2002.

A abordagem de Chávez ao problema da insegurança pública tem sido o esforço de censurar os que chamam a atenção da sociedade para a questão. Isso aconteceu com o filme “Secuestro Express”, um drama sobre um seqüestro relâmpago de um casal de classe média alta em Caracas, e mais recentemente com o jornal “El Universal”, que publicou a na primeira página uma foto de cadáveres de vítimas da violência amontoados no necrotério.

Os resultados da onda de crime já afetaram eleitoralmente o presidente. Nas últimas votações, a oposição conquistou apoio significativo nos bairros mais pobres, e ganhou até mesmo no complexo de favelas do Petare, um dos maiores de Caracas. À parte todas as polêmicas ideológicas nas quais o presidente se envolveu, o que realmente conta para a população são os problemas cotidianos. O resto é Ciência Política.