sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Diplomacia Midiática e Vaias no Pan


Ontem foi o lançamento de "Política Externa na Era da Informação", do meu amigo fraterno Leonardo Valente. O livro é a dissertação de mestrado do Leo, na qual ele analisa o papel dos meios de comunicação na política internacional, tema importantíssimo e pouco estudado. O trabalho do Leo já virou uma referência importante – foi muito citado por um diplomata argentino que acabou de escrever um livro sobre o assunto. De fato, meu amigo tem condições privilegiadas para a análise, pois é repórter da editoria internacional do Globo e um jornalista tarimbado que já esteve até clandestino em Cuba, cobrindo as repercussões da doença de Fidel.

Pouco após a defesa de sua dissertação, escrevemos um artigo em que aplicamos suas idéias à experiência que tive trabalhando na Venezuela, no Fórum Social Mundial de 2006. O resultado foi "A Diplomacia Midiática de Hugo Chávez". Desde então, sempre conversamos sobre os momentos em que a imprensa exerce um papel nas questões internacionais. Um deles foi durante os Jogos Pan-Americanos. Esse foi um tema que apareceu com força no papo do coquetel do lançamento.

Conversando com alunos comuns – o Leo também leciona na pós-graduação da Universidade Candido Mendes – comentei o impacto que as vaias no Pan tiveram para as ambições brasileiras de sediar as Olimpíadas e a Copa do Mundo. A imprensa estrangeira retratou de maneira muito negativa o comportamento da torcida, que vaiou atletas de várias nacionalidades. Um amigo que trabalhou na segurança dos jogos me disse que as agressões que mais o chocaram ocorreram durante os Jogos dos Para-atletas: “O sujeito que está ali já é um vencedor, ele superou grandes limitações físicas. É uma covardia agredi-lo.”

O Leo me chamou a atenção para a rapidez com que a imprensa estrangeira cobriu as vaias brasileiras e como elas foram apresentadas à opinião pública internacional como um exemplo da incapacidade do país em sediar grandes eventos esportivos mundiais. Claro que esse é o tipo de posição que as nações que rivalizam com o Brasil querem ver difundidas. O argumento do Leo, central em seu livro, é que o uso da imprensa é um instrumento fundamental na política externa contemporânea e que o Estado brasileiro não tem conseguido lidar bem com isso. Outros países estão mais atentos. Como dizia Madeleine Albright, “A CNN é o novo membro permanente do Conselho de Segurança”.

Meu amigo que trabalhou no Pan expressou uma opinião semelhante, dizendo que era preciso educar o público dos jogos para a importância de um comportamento adequado, para o que estava em questão com relação aos interesses da política externa do país. Mas ambos lembramos que isso não foi necessário em 1950. Naquela célebre Copa, o Uruguai venceu o Brasil em pleno Maracanã e os jogadores uruguaios foram unânimes em elogiar a gentileza e educação da torcida brasileira, que os cumprimentou pela vitória que é a maior tragédia do futebol nacional.

O que mudou no Brasil? “É a geração Rede Globo”, palpitou meu amigo. Mas o fato é que essa violência (mesmo que limitada ao aspecto verbal) associada ao esporte também cresceu em outras regiões, como na Europa e na Argentina. Os hooligans e as barra bravas se sentiriam em casa em meio à grosseria brasileira no Pan.

Para quem se interessa pelo tema da diplomacia midiática e das relações entre esporte e política, recomendo outros dois excelentes livros. Não por acaso, também escritos por jornalistas espertos: “Genocídio – a retória americana em questão”, de Samanta Power (vai muito além do título e inclui uma ótima discussão sobre imprensa e conflitos internacionais) e “Como o Futebol Explica o Mundo”, de Franklin Foer.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Os Jovens e a Integração da América do Sul



Uma das perguntas que iniciaram nossa pesquisa sobre a juventude sul-americana é se a integração do continente era uma questão relevante para essa faixa etária, ou se seria simplesmente uma preocupação da nossa equipe, algo “de fora” que estaríamos impondo a ele. Ontem passei o dia reunido com os colegas de projeto e me perguntaram como eu avaliava esse tema, à luz do que vi no trabalho de campo por Bolívia, Paraguai, Uruguai e da minha própria experiência do tempo em que vivi na Argentina.

“Sim, a integração sul-americana é uma questão importante para os jovens, mas não da maneira pela qual habitualmente pensamos nesse assunto. Não se trata de afirmar que eles estão preocupados com o Mercosul, ou acompanhando as negociações de comércio exterior. Essas são discussões abstratas, distantes do dia a dia da juventude. A integração entra em sua vida pelos aspectos cotidianos, como a cultura e o impacto das migrações.”

O papo extrapolou a reunião e prosseguiu no almoço. Todos comentaram o sentimento de isolamento da cultura brasileira com relação aos vizinhos, algo que não se percebe de maneira tão forte entre os hermanos.

De fato, em qualquer livraria de Buenos Aires eu encontrava os melhores autores do continente. Mas chamei a atenção para o fortalecimento dos laços culturais entre os jovens da América do Sul, inclusive os brasileiros. Fiquei muito impressionado com a riqueza das articulações do hip hop e o modo como seus integrantes o pensam como um movimento internacional, que extrapola nossa região e alcança EUA, Europa, África. Um amigo querido, Fernando Paiva – jornalista, escritor e músico – toca outra bela iniciativa, “Si no puedo bailar, no es mi revolución”, que reune bandas independentes de todo o continente.

A produção do cinema e da literatura também circula muito mais hoje em dia, veja-se um projeto simpaticíssimo como os “encontros de poetas jovens na América Latina”, narrado no site Cronópios, que só pelo título já evoca mestre Julio Cortázar, um dos ídolos deste blog.

E há, evidentemente, o enorme impacto das migrações. Meu trabalho de campo tem me levado a questionar as estimativas oficiais. Me parece que o número de pessoas que cruzam as fronteiras para trabalhar é muito maior do que se pensa. Todos os jovens com quem conversei nas três viagens têm amigos ou parentes no exterior e muitos deles já passaram pela experiência da imigração, ou pensam em fazê-la. Notícias, dinheiros, sonhos, frustrações: tudo circula junto com essa maré humana.

Por fim, há um tema caro às minhas amigas uruguaias, o cotidiano nas regiões de fronteira. Elas afirmam (a meu ver com muita razão) que é nesses locais que se vivencia a integração, uma espécie de globalização por baixo, com freqüência bastante diferente daquela que aparece na inflada retórica das chancelarias.

Infelizmente, a agenda de pesquisa acadêmica usual ainda está muito presa ao mundo oficial, essa abstração palaciana tão distante da realidade das populações. Por isso, ando entediado com os programas dos seminários universitários brasileiros. Sempre os mesmos professores, falando sobre os mesmos temas. O que mais tem me interessado é o cruzamento das questões sociais com as relações internacionais. Acredito que dessa encruzilhada partem muitos caminhos férteis.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Bolivianos em São Paulo



No fim de semana descobri uma revista recém-lançada chamada “Qual É?”, que me atraiu pela matéria de capa sobre a comunidade boliviana em São Paulo. A boa surpresa prosseguiu na leitura do texto, de autoria de duas jovens jornalistas, Amanda Romanelli e Juliana Mezzato. As duas descrevem com muita empatia o cotidiano dos bolivianos que migraram para o Brasil, ressaltando suas contribuições à vida cultural paulistana e as difíceis condições de trabalho nas confecções, que agrupam talvez 80% deles. Há várias histórias de sucesso entre esses imigrantes e elas situam o grupo numa lista que inclui italianos e japoneses, outros povos que enfrentaram obstáculos mas deixaram sua marca em São Paulo, e no Brasil.

A revista me agradou muito, várias das reportagens tratam de temas ligados aos direitos humanos, e numa perspectiva muito simpática, de associá-los às coisas boas da vida – por exemplo, a feira da Kantuta, epicentro da vida cultural dos hermanos em Sampa. Assim, há um artigo sobre hip hop e auto-estima (outro tema que aparece na pesquisa sobre juventude sul-americana, na qual trabalho) e até um ensaio fotográfico sobre Darfur. Além disso, a revista é voltada ao público jovem, segmento absolutamente prioritário no projeto em que estou envolvido.

A leitura da reportagem me lembrou de uma conversa que tive com os colegas do Instituto Pólis, nosso parceiro na pesquisa sobre juventude. Quando começamos a debater o projeto, eles fizeram uma excelente apresentação sobre como a imprensa aborda a questão das migrações internacionais em São Paulo. A conclusão deles é que os órgãos de comunicação apresentavam visões positivas dos italianos, japoneses, libaneses, mas que os imigrantes de outros países latino-americanos, sobretudo Bolívia e Peru, eram associados principalmente ao crime e a problemas sociais.

Ou sequer apareciam. Pensem numa novela como "Belíssima", de Sílvio de Abreu, uma tremenda homenagem às comunidades de imigrantes que ajudaram contruir São Paulo. Colocaram até gregos - com direito a um sotaque horrendo do Tony Ramos. Mas os demais latino-americanos, onde estavam?

Esse também é um tema quente em Buenos Aires, onde essas comunidades – e acrescidas dos paraguaios – são ainda maiores do que em São Paulo. A capital argentina também tem, como a metrópole paulistana, uma longa história de receber e aceitar estrangeiros: espanhóis, italianos, judeus de diversos países etc. Quero acreditar que o racismo atual será somente uma fase passageira e que o futuro será marcado por mais integração e abertura. São Paulo terá um papel simbólico muito importante nesse processo, "possível novo quilombo de Zumbi", como profetizaram os Novos Baianos que passeavam por sua garoa.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

O Choque de Civilizações no Planeta Favela



Um amigo me chamou a atenção para o artigo de Leonardo Boff em que o teólogo afirma que o verdadeiro “choque de civilizações” não será entre religiões ou culturas nacionais, mas ocorrerá entre populações urbanas marginalizadas e aquilo que no Rio de Janeiro chamamos de “asfalto”, os bairros de classe média e alta.

Boff cita com admiração o livro “Planeta Favela”, do geógrafo americano Mike Davis, que é sem dúvida um dos pensadores mais originais na encruzilhada entre problemas sócio-ambientais e relações internacionais. Contudo, acho que ele é mais útil como um provocador, alguém que identifica padrões globais, do que como um analista capaz de influenciar o debate sobre políticas públicas. Isso porque Davis tem uma retórica tão apocalíptica que ao leitor crédulo só resta armazenar comida, comprar um fuzil de assalto e arrepender-se rapidamente dos pecados.



Em “Planeta Favela” Davis aponta para o fenômeno gêmeo da crescente urbanização e favelização globais: basicamente porque a maioria dos novos moradores das cidades vão para as periferias das capitais dos terceiro mundo, alguma das quais cresceram ao limite do absurdo, como Lagos, na Nigéria. A tese do geógrafo é que essas populações são o epicentro de uma série de calamidades, de problemas de saúde à violência, passando por especulação imobiliária. O fim está próximo, como não cansam de advertir meus vizinhos de trabalho no Largo da Carioca.

Claro que muito do que Davis aponta é verdade, mas minha experiência de campo em favelas latino-americanas é de que a história não é bem essa. Longe de serem sucursais do inferno, muitas favelas são soluções extremamente criativas de moradia barata, de criação de práticas artísticas e culturais e de vínculos de solidariedade comunitária. Em relação à miséria rural, uma casa em El Alto ou Rocinha (para não mencionar locais em outros continentes, como Kibera, Soweto, Dharavi) costuma ser um passo à frente, ainda que em condições precárias. Há em Davis um pouco do tom do intelectual ocidental chocado com o que considera a barbárie do Terceiro Mundo, sem notar que os costumes de sua classe social e país de origem não são as leis universais do comportamento humano.

Boff também comenta os estudos dos militares dos EUA a respeito dos conflitos em áreas favelizadas e faz o paralelo com o Rio de Janeiro. Pensei imediatamente na batalha de Mogadício, descrita de maneira brilhante no livro “Falcão Negro em Perigo”, do jornalista Mark Bowden (clique aqui para ler o primeiro capítulo). A história virou filme e é bastante conhecida: os EUA estavam em missão de paz na Somália e tentaram prender líderes de um dos clãs que disputavam o poder no país. A operação deu errado, dois helicópteros foram abatidos e o que se seguiu foi uma espécie de rebelião popular contra a presença americana, que terminou em centenas de mortos e na retirada das tropas dos Estados Unidos daquele país.



Bowden termina o livro com a previsão sombria de que as guerras do século XXI irão se parecer mais com a batalha de Mogadício do que com os combates clássicos entre dois exércitos inimigos num campo aberto. Ele afirma que o Pentágono, apesar de alguns esforços, ainda não considera seriamente as implicações dessa nova forma de luta.

Tinha lido Bowden logo depois de “Elite da Tropa”, do antropólogo Luís Eduardo Soares e dos ex-oficiais da PM Rodrigo Pimentel e André Batista. Fiquei muito espantado com a semelhança das ações do Batalhão de Operações Especiais da polícia fluminense e o tipo de enrascada em os Rangers e Deltas americanos se meteram na Somália. Não por acaso, a equipe de efeitos especiais que adaptou a história de Bowden ao cinema está fazendo o mesmo trabalho no filme sobre o BOPE.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

A China na África


O New York Times começou a publicar um especial sobre a presença da China na África. Por enquanto há três reportagens disponíveis, todas elas muito interessantes, que abordam os aspectos políticos e econômicos desse relacionamento.

Basicamente, a China busca na África energia e minérios. As estatais chinesas exploram petróleo em diversos países do continente, em geral em regiões nas quais os ocidentais achavam que o custo era muito alto, ou em áreas sujeitas à instabilidade e guerra civil. Estão por toda a parte: Angola, Chade, Nigéria e, sobretudo, Sudão - é o segundo maior fornecedor internacional da China, atrás apenas do Irã.

Os chineses em geral oferecem um pacote: obras de infra-estrutura e armas em troca do petróleo e dos minérios. A escala da contrução civil chinesa na África impressiona pela abrangência e inclui estradas, aeroportos, represas e até a nova capital da Costa do Marfim. No que toca à indústria bélica, a China já é um dos líderes mundiais do setor. E evidentemente não faz perguntas sobre direitos humanos. Isso tem levado a situações trágicas, como o genocídio em Darfur, no Sudão - executado em larga medida com equipamento e apoio chinês.

Todos esses pontos já eram bem cobertos pelas análises especializadas. O que as reportagens do NY Times trazem de novidade é que quase um milhão de chineses migraram para a África. São pessoas comuns, sem conexões governamentais, que estão causando um grande impacto em diversos países. Montam fábricas e pequenos negócios, ou dedicam-se ao comércio.

A presença chinesa é vista de maneiras diversas pelos africanos. Há aqueles que saúdam os investimentos e empregos criados pelo país, outro que rejeitam o que vêem como novo colonialismo. Existem até queixas de que os migrantes chineses roubam empregos. O que mais me interessa é o debate promovido por Dani Rodrik, professor de economia política internacional em Harvard: Por que os empreendedores chineses triunfam onde outros, inclusive os africanos, fracassam? A discussão em seu blog está muito boa, com críticas pertinentes feitas por africanos.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

O que Lula pode aprender com os Kennedys


A pegar a Marilyn Monroe, claro, mas outras coisas também. No fim de semana assisti ao documentário “Crisis: behind a presidential commitment”, de Robert Drew, análise muito interessante sobre como o presidente John Kennedy e o ministro da Justiça, seu irmão Robert, lidaram com a oposição do governador George Wallace à integração racial na Universidade do Alabama.

Eis o contexto histórico: a Suprema Corte dos EUA havia abolido a segregação racial em 1954, mas a decisão demorou a sair do papel no sul, onde a resistência dos brancos era muito forte. Os primeiros anos da década de 1960 foram de fortíssima atividade do movimento dos direitos civis na região, com greves, boicotes, manifestações e marchas. Nos estados mais racistas, Alabama e Mississipi, os protestos quase sempre terminavam em pancadaria ou mesmo assassinatos, com a polícia fechando os olhos enquanto a KKK e outros grupos extremistas cometiam seus crimes.

Em 1963 dois jovens negros decidiram se matricular na universidade estadual do Alabama e o governador afirmou que ficaria na porta para impedi-los de entrar. O gesto significaria contrariar uma ordem judicial federal. O que o filme de Drew acompanha é a maneira pela qual os Kennedys lidaram com a crise, procurando equilibrar seu compromisso com os direitos civis com a necessidade de não perder apoio político no sul, essencial para a campanha presidencial do ano seguinte.

O presidente encarregou Robert do caso. Ao fim, Wallace recuou quando a Casa Branca assumiu o controle da Guarda Nacional do Alabama e mobilizou as tropas para garantir a matrícula dos estudantes. Para o governador, interessava muito mais o teatro de se expor como principal representante da elite branca cansada (para usar um termo da moda entre seus homólogos brasileiros) da integração racial, tendo em vista suas ambições presidenciais. A seqüência na mansão do governador já vale o filme. A casa parece saída do set de “E O Vento Levou...”, com direito a serviçais negros uniformizados e tudo. Como será a casa dos líderes do Cansei? Acho que vou folhear umas edições antigas da Caras para descobrir.

Drew é um mestre do cinema direto, escola de documentário americana mais próxima ao jornalismo, ao registro cotidiano dos fatos. A câmera está lá de maneira tão discreta que temos a ilusão de acompanhar invisíveis o que se passa na Casa Branca. Claro, os Kennedys eram mestres absolutos das imagens e Drew havia conquistado simpatia e respeito dos irmãos ao fazer um filme sobre sua vitória nas primárias do Partido Democrata. Evidentemente, “Crisis” é pró-Kennedy e é difícil não se impressionar com a enorme capacidade de articulação e negociação política de Robert, ou com o tom decidido de John ao fazer o discurso em que comenta o incidente no Alabama e afirma com todas as letras seu compromisso com os direitos civis – ainda hoje emociona. Não é pouco para uma família de políticos cujo patriarca fez fortuna como contrabandista de uísque durante a Lei Seca.

Drew foi uma influência decisiva para o cineasta João Moreira Salles realizar “Entreatos”, seu belo filme sobre a campanha presidencial que culminou com a vitória de Lula. “Crisis” foi lançado no Brasil na excelente coleção de documentários da Videofilmes, empresa de Salles. Valeria a pena organizar sessões de vídeo no Planalto, porque é uma aula sobre como lidar com situações de tensão. Há muitas lições que poderiam ser tiradas para a gestão da crise aérea, como definir claramente quem é o responsável pela coordenação dos esforços (as brechas jurídicas usadas para federalizar a Guarda Nacional poderiam servir de inspiração para reformar a Agência Nacional de Aviação Civil), articular e preparar com cuidado as intervenções na mídia e, sobretudo, a noção precisa de que o presidente é o responsável em última instância pelas políticas públicas de seu governo.

domingo, 19 de agosto de 2007

Letra e Música




"A melodia é a atração física, a letra é a intimidade, à medida que o casal vai se conhecendo". O roteirista e diretor Marc Lawrence é americano, mas "Letra e Música" tem o charme das comédias românticas britâncias da produtora Working Title. Em grande parte pelos diálogos espertos, mas também pela presença do ator Hugh Grant, que está excelente como Alex, um músico que fez muito sucesso nos anos 80 com as baladas-chiclete da banda PoP, mas que caiu no ostracismo quando o vocalista largou o conjunto e voou numa bem-sucedida carreira solo.

Alex vive de animar festas de reunião do ensino médio ou tocar em "noites dos anos 80". Sua chance de um retorno triunfal ao showbusiness aparece quando a estrela do momento, a cantora Cora, lhe encomenda uma canção, mas que precisa ficar pronta em apenas alguns dias. Alex descobre que a moça que cuida suas plantas, Sophie (Drew Barrymore) é na verdade uma poeta de mão cheia e a convida para ser sua parceira. Claro que eles se apaixonam, mas os clichês são temperados por bom humor e inteligência.

O mais divertido do filme é a gozação com os anos 80, com direito a um clipe hilariante da banda PoP, com câmara lenta, cortes de cabelo da época (meu Deus, as pessoas realmente usavam coisas assim!) e atuações inesquecíveis, para usar um adjetivo ambíguo. Mas a ironia é amorosa, reconhece o quanto essa cultura pop é importante na vida das pessoas, ainda que nos estimule a não levá-la tão a sério. Não à toa, o "vilão" do filme é o escritor pretencioso que esnoba o universo das canções e dos músicos.



Embora a trama romântica não seja tão boa como em "Simplesmente Amor" ou "Um Grande Garoto", para ficar em sucessos anteriores de Grant, ainda assim há boas seqüências, de uma leveza muito simpática, como os shows meio mambembes que seu personagem faz para sobreviver, ou o jantar na casa da irmã de Sophie. O epílogo é sensacional, narrado na forma dos balõezinhos dos programas de clipe e as músicas do filme são bem legais, funcionam melhor do que muita balada por aí.

Aliás, vale elogiar a disposição de Hugh Grant para rir de si mesmo e topar um papel do sujeito que já está envelhecendo. "Mas o público ainda sente seu calor!", diz seu agente, ao que ele responde: "Sim, mas é porque muitas das mulheres da platéia já entraram na menopausa".

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Na Praia


A literatura do escritor britânico Ian McEwan é uma descoberta recente para mim. Só li um livro seu, o ótimo “Sábado”, no ano passado. Gostei ainda mais de “Na Praia”, pequeno romance sobre um casal cuja inexperiência sexual e dificuldade de comunicação afloram em sua noite de núpcias, em 1962.

A data é chave para entender o drama de Edward e Florence. Eles estão às portas da Revolução Sexual dos anos 60, mas não têm como saber disso e ainda pautam seu comportamento por padrões repressivos que não diferem muito da Era Vitoriana. Evidentemente havia muita gente se divertindo em qualquer época, mas os dois jovens têm histórias familiares difíceis e problemas sérios em se relacionar afetivamente com outras pessoas. Florence encontra consolo no Quarteto de Cordas no qual desponta como uma promissora artista, Edward vive as alegrias da descoberta de um mundo mais amplo, ao trocar o vilarejo rural onde cresceu pela universidade numa Londres que começa a ferver.

A narrativa da trama é primorosa, tanto pela maneira como McEwan entra nos sentimentos de cada personagem como no modo pelo qual retrata a época. Assim, os clubes de blues que Edward freqüenta são o contraponto ao Mozart que Florence tanto adora e um prelúdio ao rock and roll que conquistará o mundo e o próprio protagonista. As conversas com o pai da moça, um empresário conservador, dão o tom de uma sociedade que enfrenta a duras penas a perda do Império colonial e a busca de um lugar ao sol numa Europa que se integra rapidamente.

Mas o melhor é que o narrador conta a história a partir do ponto de vista deste início de século XXI, o que o permite comentários irônicos sobre as crenças dos personagens. McEwan nos mostra como o tempo dissolveu aquelas certezas morais que traziam tantos sofrimentos aos protagonistas do romance, e como o que parecia eterno era muitas vezes tão fugaz como uma noite de amor mal-vivido numa praia britânica.

A maior parte do romance se passa em 1961 e 1962, na medida em que o autor conta em flashback como o casal conheceu e se apaixonou, além de dar pinceladas sobre sua infância e adolescência. Contudo, nas últimas páginas o livro dá um salto que atravessa décadas para contar o que Edward fez de si mesmo após a noite fatídica. O truque é antigo – Flaubert e Eça o utilizaram no século XIX na Educação Sentimental e n´Os Maias. Mas McEwan dá um show. Poucas vezes vi tantos sentimentos condensados em tão pouco espaço, alegria, tristeza, esperanças frustradas e liberdades conquistadas, com o sabor agridoce da “vida que poderia ter sido e não foi”, como no verso de Manuel Bandeira. Escrita de mestre.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

A Polêmica do Lobby Israelense


Em todas as democracias os grupos de interesse reunem organizações e cidadãos que pressionam seus representantes no governo para adotar diversos tipos de políticas públicas. Nos EUA, o tema rendeu clássicos como as pesquisas de David Truman (que ressaltou o quanto esse pluralismo era fundamental para o convívio pacífico das diferentes opiniões) e E.E.Schattschneider (que mostrou que tais grupos reforçam os privilégios dos mais ricos, os pobres são menos organizados). Agora a ciência política americana está em pé de guerra por uma polêmica envolvendo um dos mais eficientes grupos de pressão do país: o lobby israelense.

Os Estados Unidos têm uma enorme população de judeus, de contribuições notáveis para o país na imprensa, universidade, literatura, cinema etc. São uma comunidade bem-organizada e influente e evidentemente essa força também se traduz em apoio a Israel, um dos principais aliados dos EUA. O instrumento mais forte do lobby é o American Israel Public Affairs Committee (AIPAC), considerado um dos grupos de pressão mais importantes dos Estados Unidos - costuma ser classificado à frente de instituições como a central sindical AFL-CIO ou da Associação Nacional do Rifle.

O AIPAC tornou-se o centro de uma enorme polêmica há poucos meses, quando dois dos mais pretigiados cientistas políticos americanos escreveram um artigo no qual consideram sua influência nefasta sobre a política externa dos EUA. Os autores, retratados na foto, são o decano da Escola de Governo de Harvard, Stephen Walt (autor do clássico "The Origins of Alliances") e o professor da Universidade de Chicago John Mearsheimer ("The Tragedy of Great Power Politics").

O cerne da crítica de Walt e Mearsheimer é que com o fim da Guerra Fria Israel deixou de ser um ativo estratégico para os EUA e virou um problema que complica a relação americana com o mundo árabe. Atacam o lobby israelense por dificultar um debate objetivo sobre o tema no Congresso e no meio acadêmico e por favorecer ações diplomáticas que privilegiam Israel em detrimento dos Estados Unidos.

De maneira significativa, os dois não conseguiram publicar o artigo nos EUA, o texto saiu na London Review of Books. Agora será lançado em forma ampliada, em livro, e a reação tem sido violenta. Walt e Mearsheimer estão sendo atacados e boicotados no país. Várias instituições que os haviam chamado para eventos suspenderam seus convites.

A polêmica ocorre pouco após outra enorme controvérsia no meio acadêmico americano. Nas universidades dos EUA, os professores aspiram a conseguir o "tenure", um status privilegiado como docentes e pesquisadores que implica em estabilidade no emprego e grande reconhecimento social. Não há equivalente no Brasil, o mais próximo talvez seja a categoria de professor titular. Ora, recentemente o cientista político Norman Finkelstein teve sua aplicação ao tenure vetada por sua universidade (a DePaul), apesar do apoio do departamento no qual leciona. Finkelstein é autor do livro "A Indústria do Holocausto", no qual critica a exploração dessa tragédia histórica, da qual seus pais são sobreviventes.

O caso é ainda mais explosivo, porque Finkelstein não tem tanto poder quanto Walt e Mearsheimer. Os ataques contra ele foram muito mais virulentos, mas o vigor das reações em sua defesa também foi mais intenso - os alunos da universidade chegaram a ocupar o campus exigindo a revisão da decisão desfavorável ao professor.

O nível de polarização e as campanhas de ódio nas universidades americanas são impressionantes e contrastam com o clima bem mais ameno que se encontra no meio acadêmico da Inglaterra ou da França. Não por acaso, os especialistas em Oriente Médio que mais admiro e gosto de ler vêm desses países - gente como Gilles Kepel ou Fred Haliday.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Feliz Aniversário, Índia!


Nesta quarta a Índia celebra seus 60 anos de vida independente em grande estilo, plenamente consolidada como uma das grandes potências em ascensão na política internacional. Por coincidência, hoje o país foi o tema da minha aula. Disse aos alunos que os indianos estão muito atentos ao que se passa no mundo e estudando com afinco a América Latina, ao passo que nós permanecemos ignorantes a respeito daquele imenso país.

A imprensa britânica está repleta de boas reportagens sobre o aniversário, com destaque, claro, para o Especial da BBC que traz inclusive vídeos e discursos da época da independência e debates sobre o novo status global da Índia.

A proeminência internacional do país foi conquistada graças ao desenvolvimento do setor de serviços, em particular na área de tecnologia da informação, com um expressivo pólo de informática em torno de Bangalore, conhecido como o "Vale do Silício Asiático". A ciência, tecnologia e pensamento também crescem de maneira impressionante: a Índia já dispõe de tecnologia de ponta nos setores da energia nuclear, foguetes e pensadores fundamentais em economia política (em particular comércio internacional), que ocupam cargos de chefia nas principais organizações multilaterais.

A preservação da democracia indiana é outra grande conquista. O sistema foi mantido de maneira quase ininterrupta desde 1947, lidando com pobreza extrema, enormes desigualdades sociais, diversos idiomas (hindi, urdu, inglês etc), conflito étnico e religioso. A violência sectária é um problema sério e preocupante no país, inclusive com atentados terroristas freqüentes, mas os sucessos indianos não são poucos.

A Índia também se tornou uma importante parceira política do Brasil, articuladora de coalizões como o G-20 da Organização Mundial do Comércio e do G-4 para a reforma do Conselho de Segurança da ONU. Junto com a África do Sul, formaram o Fórum IBAS, iniciativa importante de cooperação sul-sul que tem sido muito mais valorizada lá fora do que no Brasil - outra manifestação da nossa provinciana cultura política.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

José de Alencar, o Inimigo do Rei



Esbulhada de todos os direitos, reduzida à simples matéria recrutável e contribuinte, a plebe deve com efeito se tornar combustível para as revoluções. O primeiro audaz que tiver ensejo de lançar-lhe uma faísca, levantará o incêndio. Nestas condições, não admira que haja revoluções, porém que as haja em tão pequeno número.

Calma, queridos leitores: não falarei do vice-presidente, líder empresarial subversivo, industrial herege sempre à busca de reduções dos juros para perturbar a paz da república operária-financista. Me refiro ao seu xará do século XIX, o genial escritor, tema da bela biografia “O Inimigo do Rei”, do jornalista Lira Neto, também autor de livros sobre o marechal Castello Branco e a cantora Maysa.

Fui atrás desta biografia após a leitura sobre a vida de Machado de Assis, claro. No colégio, Alencar estava em baixa. Era estudado sobretudo como exemplo do romantismo indianista e ninguém se interessava muito por ele. Foi só anos mais tarde, que fato passei a gostar do escritor. Nem tanto por seus índios que falam como senadores do Império e mais por seus “perfis de mulheres”, sobretudo “Senhora”.

O que me agrada no “Guarani” e em “Iracema” é a disputa pela identidade nacional, pela construção da imagem do país que nascia. Lira Neto mostra isso de maneira magistral, abordando a polêmica sobre os índios na literatura que Alencar manteve com o círculo de bajuladores do imperador – até o próprio Pedro II pegou a pena e entrou na peleja para defender seu protegido Gonçalves de Magalhães. Também acho fantástica a defesa da miscigenação por Alencar, ainda que nas entrelinhas, como no final do Guarani. Ou reconhecendo as dores do processo, como em Iracema. Era um mestre.

Também é fascinante sua intensa participação na política da época, muito bem analisada pela biografia. Chequem, por exemplo, o prólogo do livro, no qual Lira Neto descreve Alencar discursando na Câmara dos Deputados e esculhambando o Duque de Caixas, então primeiro-ministro, e todo o Partido Conservador, do qual Alencar era um membro instável e rebelde.

Traços que parecem ter vindo do berço, pois seu pai foi um dos políticos mais importantes do Primeiro Reinado: padre José Martiniano de Alencar, sacerdote, conspirador emérito, revolucionário de todos os levantes liberais das décadas de 1810-1840, presidente de sua província natal do Ceará, deputado e senador. E pai de oito filhos, nascidos de sua prima, que ele mesmo batizava. A Igreja era mais divertida naqueles tempos.

Alencar filho seguiu os passos do pai e teve carreira política como deputado e ministro da Justiça. Contudo, preferiu o campo conservador, onde nunca se sentiu à vontade, em especial pela péssima relação que mantinha com o imperador. Dou certa razão a dom Pedro II, porque o escritor era mesmo osso duro de roer, passional e vingativo. Chegou a tirar a verba pública do teatro de João Caetano, então o maior ator do Brasil, porque ele se recusara a representar uma peça sua. Caetano ficou tão tenso que adoeceu e morreu meses depois, falido.

Como Machado de Assis, Alencar foi mestre do folhetim, da escrita diária nos jornais, da crônica atenta e bem-humorada do cotidiano. A biografia também destaca sua atuação como diretor do Diário do Rio de Janeiro, quando foi pioneiro da distribuição de brindes aos leitores (livros, não panelas e carros em miniatura, como acontece hoje em dia) e crítico dos vícios do jornalismo, como a dependência da publicidade oficial, ainda que cometesse o mesmo pecado...

Gostaria que “Inimigo do Rei” desse mais atenção a como Alencar abordou a escravidão, pois esse foi o tema social mais importante de seu tempo e sua postura foi contraditória. Votou contra as leis abolicionistas no Parlamento, mas quando ministro proibiu os leilões de escravos em praça pública e a separação das famílias cativas. Em sua obra – em especial na peça O Demônio Familiar – a visão da escravidão é bastante ambígua. É certo que não foi um abolicionista como Machado ou Castro Alves, mas seu pensamento a respeito do problema merece um estudo mais aprofundado.

Outro ponto que necessitava mais atenção é a análise do livro “O Governo Representativo”, do qual extraí a citação que abre o post. Estudei essa obra com o professor Wanderley Guilherme dos Santos, num excelente curso em que líamos também “Considerações sobre o Governo Representativo”, de Stuart Mill. Os dois escritores foram contemporâneos e impressiona como Alencar estava atualizadíssimo com a ciência política de sua época, chegando a mesmo a resolver problemas teóricos de modo mais interessante que o grande liberal britânico. Novamente, são posições que escapam à camisa de força conservadora onde às vezes Alencar é aprisionado.

domingo, 12 de agosto de 2007

Leis de Família



O cineasta argentino Daniel Burman tem apenas três longa metragens no currículo mas já se consagrou como um dos mais promissores artistas latino-americanos. Suas histórias são crônicas poéticas da comunidade judaica de seu país, retrando seus personagens com humor carinhoso e solidário e centrando seu olhar nas relações entre pais e filhos. Seu protagonista sempre narra o filme em off, chama-se Ariel e é interpretado pelo ótimo ator Daniel Hendler. “Leis de Família” ilustra esse estilo ao contar a história de um jovem advogado que após o nascimento do filho repensa seu relacionamento com o pai, que tem a mesma profissão.

O domínio que Burman tem da narrativa está cada vez maior. Os primeiros dez minutos do filme são primorosos, um pequeno conto no qual Ariel retrata a personalidade e a rotina de Bernardo, seu pai, uma celebridade no mundo dos advogados de pequenas causas em Buenos Aires. Ele lembra dos aniversários de todas as secretárias dos tribunais, sabe os times de futebol dos ascensoristas e têm uma hilária rede de aliados, colaboradores e simpatizantes que o ajudam a vencer suas pendências jurídicas.

O escritório de Bernardo chama-se “Perelman e Filhos”, mas Ariel recusou-se a seguir os passos do pai. Embora também seja advogado, optou por se tornar defensor público e professor universitário. A rotina do rapaz também ganha uma bela narrativa, que basicamente conta como ele se apaixonou por uma aluna e acabou casando-se com ela. Quando o filme começa para valer, o filho do casal está com dois anos. Um problema no prédio em que trabalha acaba dando a Ariel um mês de férias inesperadas, que viram uma oportunidade de pensar a respeito do seu lugar nas três gerações da família Perelman, em meio às pressões do pai para que se junte a ele em seu escritório.

“O Abraço Partido”, filme anterior de Burman, também falava das relações entre pais e filhos, tendo como cenário o bairro do Once, centro da comunidade judaica e do comércio popular de Buenos Aires. Havia um subtexto político, na dúvida do protagonista se deveria imigrar de uma Argentina que teimava em dar errado.

Em “Leis de Família” a temática judaica quase não aparece – os Perelman não são religiosos e o que define o clã é a dedicação ao direito, ainda que por vias heterodoxas como o divertido ofiício do tio Eduardo. A política entre de modo muito sutil, pela esculhambação do sistema jurídico, em cenas aliás muito familiares aos brasileiros. Em vez do Once, o cenário principal é área do centro portenho conhecida como Tribunales – além dos próprios, muitos restaurantes e cafés por onde circulam os personagens do mundo jurídico, e várias cenas na Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires. Foi impossível não me emocionar, pois quando morava em Buenos Aires pegava ônibus para meu próprio curso bem em frente a essa instituição.

Burman tem sido comparado com freqüência a François Truffaut, por conta da ênfase autobiográfica de seus filmes. E uma certa delicadeza do olhar, acrescento. A analogia é válida, mas me parece que seu trabalho se aproxima mais de outro mestre do Velho Mundo, o italiano Ettore Scola, por causa do humor que sempre mostra grande simpatia pelos personagens de suas histórias, em particular no engraçadíssimo elenco de coadjuvantes, como Ramón, a testemunha profissional, o tio Eduardo ou o amigo especialista em interromper as aulas da faculdade.

Em suma, neste domingo que é dos pais, fica a dica deste belo filme sobre o tema. Um bom dia para todos.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Interlúdio Uruguaio



Um imprevisto nesta semana me levou a uma viagem de trabalho ao Uruguai, em outra visita de campo na pesquisa sobre juventude sul-americana. Passar bons dias em Montevidéu não é exatamente um sacrifício e as conversas que tive no Prata foram muito interessantes.

Me hospedei num pequeno hotel a duas quadras da Plaza Independencia (foto), o cartão-postal mais famoso de Montevidéu. Participei de reuniões com nossos parceiros no país, ONGs ligadas aos direitos humanos e muitos acadêmicos, sobretudo da faculdade de ciências sociais da Universidade da República. Discutimos a situação da juventude e as políticas públicas do setor com gestores do governo e especialistas das agências da ONU no Uruguai.

O país é o único território que já foi brasileiro e optou por deixar de sê-lo, em diversas guerras e rebeliões pela manutenção de sua independência. Foi uma sábia decisão, pois a sociedade uruguaia é muito mais igualitária, próspera, educada e equilibrada do que qualquer região brasileira. Gosto sobretudo do jeito aberto e fraterno das pessoas, e do cosmopolitismo da cultura cotidiana - por exemplo, jornais de vários países da América Latina e da Europa à venda em qualquer banca.

Contudo, a crise argentina de 1998-2002 bateu com muita força no Uruguai. Os dias de riqueza e bem-estar social ficaram para trás. A desigualdade cresceu e surgiram miseráveis, embora a situação seja muito diferente da brasileira. Os uruguaios (ainda) não se acostumaram com os aspectos mais cruéis da pobreza extrema. Olham nos olhos dos mendigos quando eles lhe pedem esmolas e jornais denunciam em manchete a vergonha de pessoas dormindo na rua. No Brasil, é o pão amargo de cada dia...

Mas o Uruguai se esforça para se reerguer. Uma das ONGs que são nossas parceiras, por exemplo, aproveitou a baixa no preço dos imóveis durante a crise para comprar uma bela casa do início do século XX (foto), onde instalou sua sede. É um lugar muito simpático e que parece resumir o charme da competência profissional e calor humano que associo aos uruguaios.



A imprensa brasileira é sempre histérica com relação ao suposto desejo do Uruguai de deixar o Mercosul. Pura bobagem. Não conheço outro país sul-americano tão dedicado à integração regional e onde esses temas tenham entrado tanto no cotidiano. A expressão "Mercosul" está por todas as partes. É difícil imaginar a sobrevivência desse pequeno país sem a inserção num processo regional que possa mediar os aspectos mais duros de suas relações econômicas internacionais - por exemplo, as negociações de acordos na OMC.

O que os uruguaios criticam, e com muita razão, são vários dos problemas do bloco, em particular o tratamento ruim dispensado a suas queixas comerciais diante do Brasil e da Argentina. Fiquei muito bem impressionado com as sugestões e propostas que ouvi das lideranças sociais urguaias, acho que podem render uma bela agenda de debates e de reflexão.

Consegui algum tempo para passeios, e o que mais gostei foi a Ciudad Vieja em Montevidéu, o bairro do centro histórico - abaixo, a Praça da Matriz, na qual está a catedral e o cabildo.



A área havia caído em degradação e pobreza, mas começou uma virada há cerca de 15 anos, quando a Frente Ampla assumiu a prefeitura. Hoje é um setor muito simpático, com ótimos restaurantes, galerias de arte, museus e teatros. Decididamente, preciso voltar a Montevidéu.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Que Venha o México!


A visita do presidente Lula e do chanceler Celso Amorim ao México ilustram a intensa aproximação que ocorre entre esse país e o Brasil. Em 2006 o Brasil exportou cerca de US$4,5 bilhões para lá – quatro vezes mais do que no início da década. Já é o quinto maior mercado brasileiro e o governo quer dobrar as vendas até 2010.

Além disso, as empresas mexicanas se tornaram as maiores investidoras latino-americanas no mercado brasileiro, capitaneadas pelas decisões de Carlos Slim, o homem mais rico do mundo e magnata das telecomunicações no continente. Se você é assinante da NET ou usuário da Claro e da Embratel, usa serviços de seu império.

O comércio exterior brasileiro dobrou nesta primeira década do século XXI, impulsionado pela demanda extraordinária da China e da Índia. Mas o México, tradicionalmente, foi um competidor brasileiro, que disputava mercado nos mesmos produtos. Quando o Nafta entrou em vigor, em 1994, o Itamaraty julgou o país “perdido” para os interesses brasileiros A percepção era de que México, Caribe e América Central entravam em definitivo na órbita dos EUA.

Só que o mundo tomou outro rumo. A aposta mexicana era de que o Nafta tornaria o país uma plataforma de exportações para os EUA e Canadá, baseada no baixo custo da mão-de-obra. Faltou combinar com os chineses, que viraram a mesa do jogo e se estabeleceram como alternativa ainda mais em conta. O Nafta provocou um surto de indústrias no norte do México, o problema é que essas fábricas em geral apenas montam componentes externos. Geram empregos, mas agregam pouco valor às cadeias produtivas locais, preferindo usar fornecedores de outras partes.

Os governos mexicanos descobriam que precisavam diversificar seu comércio exterior. Assinaram mais de 30 acordos de livre comércio e voltaram a olhar para a América Latina, com tratados firmados com Venezuela, Colômbia e passando ao status de “membro observador” no Mercosul, que agora o chanceler Amorim que tornar essa participação mais profunda. Ruptura com relação ao tempo em que os diplomatas brasileiros se referiam à nação azteca como “Cavalo de Tróia dos EUA”, muito influenciados por más experiências do tempo da crise da dívida externa, em que os países latino-americanos tentaram sem sucesso formar uma frente comum de negociação.

Agora, nos revela Sergio Leo, “O México quer se aproximar dos países da América Latina, e começou a consultar os maiores da região sobre a possibilidade de uma negociação regional, uma espécie de Área de Livre Comércio das Américas (Alca) sem Estados Unidos ou Canadá. “ O artigo completo está aqui, só para assinantes do Valor. Enquanto não se iniciam as negociações, o que vem pela frente é o aprofundamento do acordo de preferências comerciais que já existe.

Há áreas complicadas, como têxteis e eletrônicos, e campos onde a cooperação flui melhor, como energia (petróleo e biocombustíveis) e a indústria automobilística. O Brasil também terá que aumentar as importações do México e os investimentos no país, porque a balança comercial é muito desfavorável ao parceiro – situação que aliás se repete com freqüência na América Latina.

domingo, 5 de agosto de 2007

Leituras Chinesas




O surgimento de uma grande potência, nos diz Martin Wight, repete os ritos de passagens de muitos povos antigos e se dá através do sangue, na vitória em uma guerra. De preferência contra outra grande potência. Isso pode ter sido verdade para a Prússia, os EUA ou o Japão, mas a consolidação da China como um ator de peso global se deu de modo bem mais banal: pelo roubo em escala mundial de tampas de bueiro. Isso porque a demanda chinesa por sucata fez que o valor desse material disparasse e como a ocasião faz o ladrão, aí estamos com uma epidemia planetária. Essa e outras análises estão no livro "A China Sacode o Mundo", do jornalista James Kynge, que por muitos anos dirigiu o escritório chinês do Financial Times.



Kynge é um repórter de primeira categoria e um mestre em tirar conclusões políticas e econômicas a partir da análise de gestos do cotidiano: o que as pessoas compram, quais seus sonhos, como o ritmo do mercado afeta sua vida etc. Seu livro é um apanhado de histórias da China nos últimos anos e sua maior contribuição ao debate sobre o país é mostrar o quanto muito do desenvolvimento se deve não a decisões da cúpula governamental, mas às escolhas de empresários, pequenos comerciantes, funcionários locais ou simplesmente às oportunidades criadas pelo ambiente caótico de uma nação em gigantesco processo de transição.

Os capítulos estão organizados a partir de histórias que não diferem muito de boas reportagens. Por exemplo, a abertura é a narrativa de uma siderúrgica alemã que está sendo desmontada para ser reconstruída na China e os impactos que a mudança provoca nos dois países. Outra foca a comunidade de imigrantes chineses nos centros da indústria têxtil na Itália e como essas pessoas estão montando seus próprios negócios na China, com euros duramente economizados, e mudando a face desse mercado. Uma terceira abordagem fascinante é sobre a cidade de Chongqing, a Chicago chinesa, que está em vias de se transformar na maior cidade do planeta.

Kynge afirma que a novidade recente é que as enormes mudanças na China não dizem mais respeito só a esse país, mas agora afetam o mundo inteiro, pelo impacto nos processos produtivos globais e pela demanda elevadíssima de diversas matérias-primas e combustíveis. O motor do crescimento chinês é uma massa de mão-de-obra barata, migrantes que escapam de uma situação de miséria rural e estão dispostos a trabalhar por salários muito baixos, mas que ainda assim são capazes de alta produtividade e mesmo de poupança considerável.

Ele comenta de passagem os problemas sociais mais graves, como a situação das mulheres, mas dá destaques para a questão da pirataria e da propriedade intelectual. Não se trata apenas de uma questão das empresas, mas de um risco de saúde pública grave. A crise desta semana com os brinquedos que a Mattel teve que tirar de circulação, por conterem níveis tóxicos de chumbo, é apenas mais uma numa longa lista de atos irresponsáveis que já mataram muita gente.

Para quem está em busca de uma narrativa mais convencional sobre a China, centrada nas decisões da cúpula política, recomendo "A China de Deng Xiaoping", do historiador americano Michael Martí.



Ele analisa a luta do líder chinês para implementar as reformas econômicas que impulsionaram o crescimento do país e como precisou construir uma coalizão de apoio que incluiu as Forças Armadas e as províncias do próspero sul para contrabalancear os setores conservadores do Partido Comunista, que morriam de medo que a China repetisse a história de fragmentação e caos da União Soviética sob Gorbachev.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

O Desafio do Brasil no Haiti


Soube com tristeza da morte do soldado brasileiro no Haiti, em um acidente envolvendo fios de alta tensão. É a segunda baixa do país na missão de paz (Minustah) - o general que a comandava se matou em 2005. Curiosamente, nenhum brasileiro morreu em combate - fato notável, porque as tropas brasileiras foram submetidas a intensos ataques, em particular durante o longo combate pela ocupação de Cité Soleil, a maior favela haitiana.

O Brasil participa de diversas missões de paz desde a década de 1950, mas até o Haiti os maiores contingentes haviam ido para os países africanos de lingua portuguesa. Na Minustah, são mais de mil soldados, e as tropas brasileiras assumiram o comando de uma ambiciosa operação multinacional. Que razões levaram o Brasil a tal responsabilidade?

1- O desejo de assumir um lugar permanente do Conselho de Segurança da ONU.

2- A vontade de fortalecer o sistema das Nações Unidas num momento (2004) em que ele estava bastante enfraquecido por conta da guerra no Iraque e dos ataques contra o QG da ONU em Bagdá.

Os diplomatas e militares brasileiros também gostam de afirmar que a participação do Brasil nesse tipo de operação tem características peculiares, como colocar em destaque temas ligados ao desenvolvimento e às preocupações sociais, além de relações mais próximas com a população. De fato, o Exército tem feito um trabalho muito interessante com o futebol nas favelas haitianas, utilizando o jogo para criar laços de confiança entre as tropas e os moradores.

Contudo, a Minustah nunca foi isenta de controvérsias. Muitos críticos apontaram que ela, no fundo, dava respaldo a um golpe que derrubara o presidente Jean-Bertrand Aristide. A conduta das tropas da ONU também foi muito criticada e surgiram várias denúncias sobre violações de direitos humanos e abuso sexual - acusações que infelizmente se repetem de maneira constante nas outras operações desse tipo.

Além disso, houve interferência muito forte nas eleições haitianas, com os países mais importantes envolvidos na missão - inclusive o Brasil - intervindo para eleger René Preval presidente do Haiti.

Com essas resalvas, a Minustah tem conseguido bom desempenho no que toca à reconstrução da segurança do país - e as Forças Armadas brasileiras aplicaram algumas dessas lições em operações militares no Rio de Janeiro, como ocupações de favelas. Não é algo que me agrade. A situção brasileira é muito complexa e não é, ou não deveria, ser tratada como um caso de guerra.

O ponto que mais me interessa foi analisado com brilhantismo pela minha querida orientadora na Argentina. Mestra Monica examina a Minustah como um laboratório para a cooperação política e militar entre os países da América do Sul, que compõem a maioria das tropas no Haiti. Ela ressalta sobretudo a integração Argentina-Brasil-Chile, um velho sonho do Barão do Rio Branco, que tem avançado de maneira bastante significativa naquela ilha caribenha.

E que ninguém pense que o Brasil irá parar no Haiti. Afinal, há aquela outra ilha caribenha que eventualmente pode precisar de uma missão de paz, para o caso de uma transição política conturbada...

Para o bem e para o mal, o Brasil entrou numa nova fase de responsabilidades e ambições na política internacional. Oxalá nosso governo e sociedade tenham a maturidade necessária para as novas tarefas.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Migrantes Internacionais


Um dos impactos mais fortes das viagens à Bolívia e ao Paraguai foi o convívio com muitos jovens que haviam migrado, ou que pensavam em fazê-lo. É uma coisa ler um estudo acadêmico sobre o tema, outra é conhecer pessoas que viveram essa experiência e compartilhar com elas um pouco de suas esperanças e sofrimentos.

Há poucas semanas, fui convidado por meus colegas do Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa a assumir a coordenação do Grupo de Trabalho do Mercosul. Aceitei com muito gosto, na expectativa de contribuir com o que aprendi durante minha estada na Argentina (onde os temas diplomáticos-sociais estão bem à frente da experiência brasileira) e com o que tenho visto nas viagens pela América do Sul. Um pouco para minha surpresa, meu relatório sobre Bolívia e Paraguai despertou muito interesse nos amigos pela situação dos migrantes. Passei então a recolher dados que pudessem contextualizar melhor as observações e impressões do meu trabalho de campo.

Nunca houve tantos migrantes internacionais como hoje em dia, seja em números absolutos, seja em proporção à população mundial. A ONU calcula que sejam quase 200 milhões, concentrados nos EUA, nos territórios que formavam a antiga União Soviética (sobretudo Rússia e Ucrânia) e na Índia. Naturalmente, existe também muita migração interna, em particular na China, mas essa é outra categoria.

A migração dentro da América Latina cresceu bastante. Bolivianos, peruanos e paraguaios deixam seus países pelo Brasil e pela Argentina. Trabalhadores rurais brasileiros acompanham a expansão da fronteira agrícola e passam ao Paraguai e à Bolívia. Característica peculiar desse movimento populacional: maior presença de mulheres do que a média mundial.

A maior parte dos estudos ressalta o caráter econômico da migração: as pessoas mudam de países porque querem salários melhores. Contudo, minha experiência de campo me chamou a atenção para outros fatores, que em geral são subestimados: o desejo de horizontes culturais mais amplos (incluindo a possibilidade de estudar) e a vontade de escapar de um ambiente familiar difícil. Fiquei impressionado em como esses dois motivos eram citados pelos jovens com que conversei, com freqüência misturados à questão do emprego.

Desde os anos 80 o Brasil é considerado pela ONU como um país de emigração, por conta dos 4 milhões de brasileiros que vivem no exterior. O ponto curioso é que o país também recebe muitos migrantes e nem sempre consegue lidar bem com os dois lados da moeda dos fluxos populacionais. Triste ler os depoimentos dos imigrantes e ver o quanto o racismo e a xenofobia estão presentes no Brasil, em especial contra os africanos e os latino-americanos de origem indígena.

Felizmente, o tema está em evidência no Congresso e há bons debates em curso, como a possibilidade de renovar o Estatuto dos Estrangeiros, que ainda é do tempo da ditadura militar e sofre da carga de preconceitos e desconfianças que o regime autoritário dispensava ao mundo – um jurista o chamou de “regimento interno da Bastilha”.