quarta-feira, 29 de abril de 2009

Vida e Época de Raúl Prebisch



Meu amigo Rogério me emprestou o excelente “The Life and Times of Raúl Prebisch”, do pesquisador canadense Edgar Dosman. Há muito eu buscava uma biografia do economista argentino que comandou a CEPAL e a Unctad, e o livro de Dosman cobre muito bem a lacuna, contando as inovações intelectuais que Prebisch levou para o debate sobre comércio e desenvolvimento, e ajudando a explicar o isolamento do economista em seu próprio país. O maior problema do livro é grande quantidade de pequenos erros factuais, que embora não comprometam a obra pedem por revisão mais atenta.

Prebisch iniciou a carreira acadêmica ao fim da década de 1910, quando a Argentina vivia período de expansão econômica acelerada, impulsionada pelas exportações de carne e cereais para o império britânico. Como jovem estudante de economia, Presbisch já se destacava e começou a frequentar importantes círculos acadêmicos e políticos, como o dos irmãos Alejandro e Augusto Bunge, este último um dos líderes do Partido Socialista. Mas foi a oligarquia que deu ao rapaz seu primeiro emprego de destaque, preparando informes para a toda-poderosa Sociedade Rural Argentina.

A carreira do economista foi marcada por muitos revezes, em função de seu hábito de afirmar coisas que os patronos não queriam escutar, mas em meio aos problemas ele avançou rapidamente e ao longo da Grande Depressão da década de 1930 se consolidou como um tecnocrata que representava a Argentina nas fracassadas cúpulas internacionais que tentaram lidar com a crise - há paralelos perturbadores com as dificuldades atuais. Porém seu maior feito foi interno: a criação do Banco Central da Argentina, com excelente equipe técnica.



A instabilidade da época venceu os esforços de Prebisch. Sua ascensão se deu em meio à “decada infame”, marcada por golpes, ditaduras, ou regimes autoritários que se mantinham no poder por eleições fraudadas. Foi criticado por sua decisão em servir tais governos mas seu biógrafo não aprofunda a discussão, preferindo considerá-lo como um “técnico apolítico”, interessado apenas no bem da pátria. Como no mundo real as coisas não são tão fáceis, o meteórico crescimento do peronismo lançou Prebisch no ostracismo, como um odiado símbolo da velha guarda agrária.

A década de 1940 foi difícil para o economista, que recusou várias ofertas de emprego no exterior porque continuava a sonhar com a chance de retornar a uma posição de poder na Argentina. Mas em meio às expectativas frustradas, começou a viajar pela América Latina como consultor, o que resultou em projetos importantes, particularmente no México, que aos poucos lhe deram ampla visão da realidade regional.

Isso foi fundamental para que Prebisch se tornasse secretário-geral da Comissão Econômica da ONU para a América Latina e Caribe (CEPAL), onde aplicou sua experiência para formular uma doutrina sobre a necessidade de industrializar o continente, baseado na deterioração dos termos de troca do comércio exterior – a tendência dos produtos agrários em diminuir seu valor face aos manufaturados. Dosman narra bem como tais ideias, subversivas para a época, enfrentaram a oposição dos Estados Unidos e de intelectuais conservadores na região, mas acabaram por influenciar a agenda de governos desenvolvimentistas em diversos países e até gozar de breve prestígio na Casa Branca, com Kennedy e sua Aliança para o Progresso.



Os projetos da CEPAL esbarraram nos conflitos políticos, como a radicalização entre esquerda e direita, e acabaram relevados a segundo plano por ditaduras militares que viam com desconfiança alguns de seus pressupostos (como a integração latino-americana) e pela nova geração de acadêmicos, que formulava a teoria da dependência e considerava as doutrinas cepalinas muito tímidas, por demais temerosas de ofender os governos que as patrocinavam. Esse é um ponto que poderia ser mais explorado no livro, ao final Prebisch contratou vários dos dependencistas mais célebres, como Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto.

Apesar das frustrações na América Latina, Prebisch continou com prestígio internacional crescente e se tornou o secretário-geral da Conferência da ONU para Comércio e Desenvolvimento (Unctad), que nas décadas de 1960 e 1970 levou ao plano multilateral muitas das ideias que a CEPAL formulou para a América Latina. Eram os tempos áureos do terceiro-mundismo, do G-77 e dos debates sobre uma Nova Ordem Econômica Internacional.

Um empreendimento tão vasto dificilmente seria bem-sucedido e de fato o fim da vida de Presbich foi algo melancólico, pois se deu em 1986, em meio à crise da dívida na América Latina e ao colapso dos modelos desenvolvimentistas em boa parte dos países do sul global. Contudo, restou ao economista o consolo do retorno à Argentina, onde assessorou Alfonsín na dura tarefa de restaurar a democracia e a prosperidade àquela nação.

Prebisch, Guevara, Alfonsín... Abril está um mês argentino neste blog.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

A Exibição Naval da China


Há dez anos, o aniversário de 50 anos da Marinha da China comunista foi celebrado de maneira discreta, com a emissão de selos especiais. Na semana passada, os 60 anos da frota de guerra foram comemorados em grande estilo, com impressionante exibição naval no porto de Qingdao. Sinal dos tempos e do papel de liderança internacional que os chineses vêm assumindo.

A criação de uma Marinha com capacidade oceânica, de projeção de poder em outros continentes, é um dos elementos essenciais da afirmação de uma grande potência. Isso é válido não só para impérios marítimos tradicionais (Espanha, Holanda, Grã-Bretanha, Japão) mas igualmente para nações cujas tradições militares estão mais ligadas ao poder terrestre (Rússia, Alemanha, EUA e China).

A extraordinária expansão econômica chinesa depende da importação de recursos fundamentais – petróleo, matérias-primas, alimentos – do Oriente Médio, da África e da América Latina. Além disso, o país tem uma série de disputas envolvendo a exploração de recursos marítimos com as nações vizinhas, e o sempre presente problema de Taiwan, com a necessidade de controlar o estreito que separa a ilha da China continental.



O mapa acima, publicado em ótimo artigo da The Economist, ilustra as preocupações dos militares chineses. A linha vermelha é sua linha principal de defesa, junto à costa. A linha azul é para onde esperam desenvolver capacidade de atuação naval, com a atual expansão em curso na Marinha.

O aumento da capacidade naval da China tem sido financiado de forma inteligente, por meio de combinação entre a compra de antigos destróieres russos (como os que abrem o post) e construção de embarcações próprias, em particular submarinos nucleares, que abriram o desfile (foto abaixo). A exibição em Qingdao mostrou publicamente, pela primeira vez, alguns desses barcos, mas os modelos mais avançados ainda são segredo de Estado.



A China não possui porta-aviões, mas considera-se que em breve o país terá uma embarcação desse tipo. Sua construção é coerente com a estratégia chinesa, que tem dado grande atenção ao desenvolvimento da aviação de caça e de mísseis navais – alguns de seus armamentos nessa área são os mais sofisticados da Ásia.

Há muita discussão nos sites americanos e britânicos sobre os riscos que a expansão naval chinesa representa para a segurança regional asiática, mas me parece que boa parte do debate é simplesmente disputa por influência na área. Afinal, os chineses têm desenvolvido boa cooperação com as marinhas de países do continente, em particular com a russa e a paquistanesa, mas também com a indiana. E navios chineses também foram enviados à Somália, como parte da força internacional que combate a pirataria no Chifre da África.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

O Padre e as Moças



Na capela ficou a ausência do padre
e celebra a missa dentro do arcaz.
Longe o padre vai celebrando e cantando
todo amor é o amor e ninguém sabe
onde Deus acaba e recomeça.

Carlos Drummond de Andrade, "O Padre e a Moça"

A descoberta de que o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, tem uma vida sexual mais animada do que a de um personagem de Jorge Amado poderia ser apenas mais uma anedota sobre o furor dos latino-americanos, mas alguns elementos das estripulias amorosas de Lugo podem colocá-lo em problemas judiciais bastante sérios e, eventualmente, até lhe custar a presidência.

Lugo reconheceu recentemente a paternidade de um menino – após negá-la várias vezes – e surgiram outras duas mulheres alegando que ele é o pai de seus filhos. Uma das moças tinha 16 anos no momento do suposto relacionamento com o então bispo. Pela lei paraguaia, sexo com menores de 17 é estupro, mesmo que a relação tenha sido consentida. O presidente governa apoiado numa coligação de diversos partidos, com muitas disputas e contradições. Seu principal aliado, o Partido Liberal, já tem se mostrado arredio a acordos e o vice-presidente, que é membro dessa sigla, foi saudado num comício, há poucos dias, com gritos de “presidente!”.

Para além dos problemas jurídicos, a situação pode se tornar uma crise de confiança entre Lugo e seu eleitorado. O presidente fez campanha como um santo, não como um homem, propondo medidas muito austeras como a redução do próprio salário. É chocante para seus eleitores descobrirem que mesmo quando bispo ele tinha vários casos amorosos, em geral com moças décadas mais jovens do que ele, que dependiam de sua diocese para emprego ou assistência social. Bem, pelo menos não foram os coroinhas... Talvez haja também uma certa satisfação perversa em perceber que apesar da pretensão em ser mais honesto do que os outros, Lugo tem tantas fraquezas como qualquer pobre pecador de seu rebanho.

Em outros países, a moral sexual dos presidentes raramente rende mais do que algumas notas em colunas de fofocas – Bolívia e Venezuela, para citar dois exemplos contemporâneos. Mas o Paraguai ainda é uma nação de grande base agrária, muito conservadora em temas que dizem respeito à família e ao sexo. Me lembro da dificuldade que foi pesquisar no país sobre esses assuntos, em particular com os camponeses, a base de apoio de Lugo.

No mês que vem o presidente paraguaio terá uma dura rodada de negociações com o governo brasileiro sobre Itaipu, e naturalmente irá muito fragilizado para a disputa.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

O Racismo dos Outros



Certa vez trabalhei numa campanha contra o racismo cujo ponto de partida foi uma pesquisa de opinião pública na qual quase 90% dos entrevistados admitia a existência da prática no país, mas menos de 5% se consideravam racistas. A lembrança veio à tona diante do discurso do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, na conferência de revisão de Durban – que, de outro modo, talvez nem fosse destacada na imprensa.

Durban é o mais recente esforço da ONU em combater o racismo e demais formas de discriminação. Embora as Nações Unidas tenham se dedicado ao tema desde sua fundação e elaborado importantes tratados a respeito na década de 1960, o processo ainda é bastante frágil. A própria conferência de Durban terminou em fracasso com a retirada conjunta de Israel e dos EUA, em função das críticas dos países muçulmanos à situação na Palestina. Isso aconteceu em setembro de 2001, alguns dias antes dos atentados terroristas contra Nova York e Washington.

O mundo não ficou mais tolerante de lá para cá. As implicações raciais, religiosas e culturais da “guerra contra o terror” são bastante conhecidas, e a eclosão da crise econômica global provavelmente piorará o quadro, com imigrantes pobres (regulares ou não) tornando-se alvo de grupos xenófobos. Há muita gente assutada, com raiva, e à procura de um bode expiatório para seus demônios.

No Oriente Médio o racismo é uma moeda de grande legitimidade política, tanto para as relações internacionais quanto para a (quase sempre precária) estabilidade doméstica dos governos. A situação da Faixa de Gaza e da Cisjordânia é uma bomba relógio de ódio étnico e religoso insustentável até mesmo no médio prazo, mas as nações da região também caminham no fio da navalha de tensões semelhantes – sunitas, xiitas (Iraque, Líbano), curdos (Iraque, Turquia), cristãos, muçulmanos (Líbano) e as profundas divisões culturais e religiosas dentro de Israel, em particular a dificuldade de absorver cerca de um milhão de imigrantes da antiga União Soviética.

O Irã ocupa uma situação especial. É herdeiro de um grande império da Antiguidade, que passou por humilhações profundas no século XX, como ocupação estrangeira e uma dinastia cossaca que tentou modernizar o país à força, com a consequencia de deflagrar a Revolução Islâmica de 1979. Os aiatolás expulsaram boa parte da velha e próspera comunidade judaica, mas surpreendemente persiste boa parcela desse grupo no país.

O discurso de Ahmadinejad acusando Israel de explorar a memória do Holocausto para justificar uma política externa agressiva, é amplamente consensual no mundo muçulmano. Curioso apenas que ele tenha reconhecido a existência do genocídio, já que até há pouco o negava e um jornal de seu país chegou a organizar umbizarro concurso de charges ironizando o tema. Ao abordar o assunto com tanta fanfarra, o presidente iraniano está tentando lançar credenciais de liderança regional, com base na oposição a Israel.

A ambição é compreensível diante do colapso do principal rival do Irã, o Iraque, e do papel internacional crescente de Teerã como mediadora de conflitos, inclusive no Afeganistão. Mas sua base é frágil, pois tradicionalmente os países árabes tiveram no império persa seu grande inimigo. E a revolução xiita dos aiatolás é profundamente perturbadora tanto para as conservadoras monarquias do Golfo (Arábia Saudita, Iêmen, Emirados Árabes Unidos) quanto para os regimes autoritários mais seculares, como a Síria. O discurso de Ahmadinejad provocou a saída de delegados de diversos países ocidentais. Resta saber o que terão a oferecer às populações muçulmanas, na próxima crise, seja ela onde for.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Entre os Muros da Escola



Os franceses têm uma relação de amor e ódio com seu sistema de escolar, muito bem representada no excelente filme "Entre os Muros da Escola". Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, ele adapta o romance de François Bégaudeau. Na literatura e no cinema, ele leva para a ficção sua experiência como professor de francês numa escola do ensino básico na periferia de Paris. A sala de aula, repleta de adolescentes da África, do Oriente Médio ou da nova pobreza branca, é um poço de tensões que com frequencia afloram em indisciplina, conflitos e até violência entre docente e alunos.

A universalização da educação pública foi uma das grandes conquistas da III República francesa, e o professor primário se tornou um verdadeiro herói civilizador, melhorando as oportunidades de ascensão social da população e a consolidação dos direitos de cidadania. A escola era parte do que os franceses chamavam de o "elevador republicano".

No entanto, o sistema escolar francês é marcado por um enorme grau de formalismo e pela distância entre professores e alunos. Há um círculo de Grandes Escolas de elite, que remontam à época de Napoleão, mas muitos colégios e universidades mantém um currículo defasado, excessivamente apegado às tradições e com dificuldade de lidar com as transformações sociais recentes. Os críticos mais radicais dessa estrutura, como os sociólogos Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, falam na escola como um mecanismo que acaba por reproduzir e legitimar as desigualdades, porque o sistema é tão estratificado que os centros educacionais de elite sõ são acessíveis aos estudantes de famílias prósperas, mas agora sua posição de domínio social é vista como fruto do mérito, e não mais de privilégios de sangue e nascimento.



Bourdieu teria gostado do filme. A escola retratada na história atende a alunos pobres, a maioria filhos de imigrantes. As famílias em geral não conseguem acompanhar o desempenho dos estudantes - alguns dos pais sequer falam francês, e uma das mães é deportada de volta para a China, deixando em dúvida o futuro de seu brilhante, mas algo isolado, rebento. A sala de aula talvez seja a única possibilidade desses adolescentes conquistarem um lugar ao sol na sociedade francesa. Mas tudo neles - seus nomes, aparências, histórias de vida - aponta para o deslocamento e a dificuldade de se adaptar.

Os professores são bem formados, mas seus esforços esbarram nas barreiras culturais. O currículo valoriza a herança cultural francesa clássica, porém discutir as conjugações do subjuntivo parecem não fazer muito sentido para jovens cuja experiência cotidiana está mais marcada pelo hip-hop, pela discriminação e pela violência latente, que sempre ameaça explodir. A atenção dos professores está mais voltada para manter a disciplina e a autoridade do que para reconhecer o potencial e a criatividade dos estudantes.

Não há heróis ou vilões em "Entre os Muros da Escola", apenas pessoas dolorosamente normais e que me soam incrivelmente próximas. Pensei muito nas histórias que ouvi durante a pesquisa sobre juventude sul-americana, o novo e o velho mundo muito mais parecidos do que poderíamos pensar à primeira vista.

sábado, 18 de abril de 2009

A Cúpula das Américas


O país que será mais discutido na Cúpula das Américas, que acontece entre os dias 17 e 19 de abril, não fará parte dela. Cuba, ainda suspensa da participação no sistema interamericano, provavelmente será o principal tema de debate num encontro internacional em que se destaca a expectativa (moderada) de que Obama mostre mais sensibilidade e disposição para o diálogo do que seu predecessor. O aperto de mãos com Hugo Chávez é um símbolo importante.

O discurso de Obama propondo "um novo começo" nas relações entre Estados Unidos e Cuba é a mais promissora declaração na agenda entre os dois países em décadas, no entanto é difícil acreditar em algo mais concreto do que concessões humanitárias, como as iniciativas que facilitam remessas de imigrantes para Cuba e viagens à ilha. Suponho que o governo cubano possa respondê-las com a libertação de alguns presos políticos. Mas é improvável, muito improvável, que se avance no sentido de superação do bloqueio econômico a Cuba.

Contudo, tenho minhas dúvidas com relação à viabilidade dos Estados Unidos manterem Cuba suspensa do sistema americano. Washington nunca esteve tão isolada nessa posição política. A vitória de partidos de esquerda na maior parte do continente deu a Havana uma série de aliados por toda a região, e cerca de 40% de seu comércio exterior se dá com outras nações latino-americanos, recorde absoluto em sua história. Mesmo políticos conservadores - como o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe - insistem pelo retorno de Cuba, e o mesmo solicita a Organização dos Estados Americanos, cuja aquiescência automática às demandas dos EUA ficou no passado.

O descompasso entre os Estados Unidos e a América Latina não é novo. Desde a Segunda Guerra Mundial Washington prioriza em suas relações hemisféricas a agenda de segurança internacional, enquanto as capitais ao sul do Rio Grande preferem discutir desenvolvimento econômico. A distância ficou ainda maior no pós-11 de setembro e não parece que vá mudar. Apesar da crise global, a agenda regional de Obama tem dado destaque à "guerra contra as drogas", que tem tido resultados trágicos na América Andina e no México. Não obstante o fracasso das iniciativas de militarização do problema, os EUA propõem sua expansão para a América Central, onde quadrilhas de traficantes mexicanos têm buscado refúgio.

O México seria o principal beneficiado de uma reforma nas leis de imigração nos Estados Unidos, bem como de um pacote econômico que o auxiliasse nessa situação de emergência. Nada disso será resolvido nos breves dias da Cúpula, mas quem sabe os EUA possam dar indicações positivas nesse sentido.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Afeganistão: procurando a saída


Um dos principais objetivos do tour diplomático de Obama, há alguns dias, foi angariar apoio dos aliados dos EUA na OTAN para aumentar as tropas no Afeganistão e não digo ganhar a guerra, que já se arrasta há quase sete anos, mas simplesmente chegar a uma paz aceitável com os Talibãs. Nada indica que mesmo essa meta limitada será alcançada e o cenário está começando a aparentar uma retirada iminente.

Os britânicos, não exatamente amadores em guerras coloniais, invadiram o Afeganistão três vezes e nunca conseguiram subjugar o país. Melhor fez o mais famoso veterano daqueles conflitos, o doutor Watson, que se mudou para Baker Street e de vez em quando sacava seu velho revólver de serviço para ajudar Sherlock Holmes. Cem anos depois, a catástrofe soviética no Afeganistão é bem conhecida e dispensa comentários.

A invasão do país em 2001 pela OTAN, repete muitos dos padrões anteriores. Os aliados ocuparam as principais cidades, com o centro da sua estrutura em Cabul. Conseguiram construir uma coalizão de apoio relativamente ampla e encontraram um líder razoavelmente capaz. Mas essas bases promissoras não foram suficientes para prender os líderes dos Talibãs e da Al-Qaeda, que desapareceram nas regiões montanhesas do país ou na terra de ninguém controlada pelas tribos pashtun entre o Afeganistão e o Paquistão. A pouca disposição em investir em infraestrutura e desenvolvimento significou pouco mais que esforços cosméticos para reformar escolas e postos de saúde.



O governo americano resolveu aplicar no Afeganistão uma estratégia semelhante à do “surto”, que havia sido bem-sucedida no Iraque. Basicamente, trata-se de aumento de tropas conjugado com trabalho político mais eficiente junto à população, como a formação e treinamento de milícias de segurança locais. Seu principal arquiteto foi o general David Petraeus, talvez o mais brilhante oficial da ativa no Exército americano, e atual comandante regional para a Ásia Central. O problema é sua atuação na guerra iraquiana foi facilitada pelo chamado despertar sunita, a revolta desse grupo contra a presença da Al-Qaeda no país. Nada disso existe no Afeganistão.

Além disso, no Iraque os EUA conduziam as operações com uma coalizão largamente simbólica, mas no Afeganistão há problemas efetivos em negociar com a aliança ocidental, a OTAN, cujos membros têm mostrado antipatia crescente pela permanência na guerra, que se tornou impopular entre o eleitorado. Também há o cenário regional na Ásia Central, com a desintegração do Paquistão (que na prática está cedendo controle do território para os Talibãs) e a influência cada vez do maior do Irã, que já começa a ser cortejado até pela diplomacia americana como possível mediador do conflito.

Com o Iraque e o Afeganistão destruídos, o Paquistão em profunda crise política e Israel cada vez mais dividido em suas contradições internas, o Irã nuclearizado pode muito bem emergir como o grande vencedor geopolítico no Oriente Médio da política externa americana do pós-11 de setembro.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

O Che de Soderbergh


Como diz meu amigo Douglas, cada um tem seu Personal Che. O do cineasta americano Steven Soderbergh é curiosamente conservador e parece ter permanecido como nos pôsteres da década de 1960. A primeira parte de seu épico sobre o revolucionário argentino é baseada nos diários do próprio Guevara sobre o período da guerrilha em Sierra Maestra, e intercala cenas da epopéia da Revolução Cubana com um discurso de Che na Assembléia Geral da ONU, em 1964. Cinquenta anos após o triunfo dos barbudos, já é hora de um olhar menos reverente sobre o mito.

Benicio del Toro interpreta Guevara com paixão que assemelha a uma possessão religiosa, e merece plenamente o prêmio de melhor ator que conquistou em Cannes. Rodrigo Santoro (não, não, nenhum parentesco com este blogueiro!) está bem como Raúl Castro, um papel pequeno mas importante para o enredo. Já Deminán Bichir, que vive Fidel, se parece tanto com Vittorio Gassman que a qualquer momento eu esperava que soasse a marcha do Incrível Exército de Brancaleone.

A alusão à ótima comédia de Mario Monicelli não é à toa. A guerrilha em Sierra Maestra pode ser narrada de várias formas, e quem leu o excelente diário de Raúl Castro sobre o conflito sabe o quanto de bom humor brancaleônico havia nos jovens combatentes, mesmo diante das situações mais difíceis como morte e fome. Nada assusta muito quando temos 20 anos, não é mesmo? Os cineastas italianos são mestres em aplicar a ironia para uma visão mais terna e humana dos conflitos políticos, e Ettore Scola deu uma boa ajuda a Walther Salles JR. como consultor do roteiro de "Diários de Motocicleta", talvez o filme mais doce e poético já feito sobre a formação de um líder revolucionário.

Contudo, a opção de Soderbergh excluiu inteiramente o humor. Seu Che parece um homem de aço forjado nos cânones do realismo socialista. Em todos os momentos do filme ele é determinado, honesto, incorruptível, duro, fazendo o que tem que ser feito - seja atender camponeses doentes e miseráveis, executar desertores, tratar prisoneiros com humanidade ou combater. Há uma cena que poderia estar na série Rambo, na qual ele toma uma bazuca de um guerrilheiro que não consegue operá-la direito, a coloca nos próprios ombros, e explode um posto do Exército cubano. Tudo muito macho man.



Guevara deixou a primeira esposa no México, antes de partir para a guerrilha, e teve uma vida amorosa bastante ativa na Sierra. Esse aspecto não é retratado no filme, embora o enredo mostre como ele conheceu Aleida, que se tornaria sua segunda mulher, e como ela se tornou sua assistente durante a Revolução.

O aspecto político do filme é bastante bem trabalhado, com mais precisão do que em qualquer outra obra de ficção que eu conheça. Vemos Fidel articulando a luta armada com os movimentos de oposição ao ditador Fulgêncio Batista, numa difícil articulação que mistura operações guerrilheiras, greves gerais, trabalho clandestino e negociações delicadas. Nestes tempos em que o Exército dos EUA debate exaustivamente táticas de contrainsurgência, talvez "Che" possa ser exibido como aula cinematográfica sobre ataques guerrilheiros. Nesse sentido, é bom ver a representação de importantes momentos da história latino-americana, como a batalha de Santa Clara, célebre pelo ataque dos guerrilheiros ao trem blindado de Batista. Ainda que eu ache que tudo tenha ficado um tanto confuso em cena.

Na realidade, esta é apenas a primeira parte de um filme que ficou longo demais para ser lançado de uma só vez, portanto é interessante esperar e ver como Soderbergh irá tratar de Guevara após a conquista de Havana e suas tentativas (Brancaleônicas? Quixotescas?) de levar a revolução ao Congo e à Bolívia. De qualquer modo, terei o filme em mente amanhã, quando darei uma aula sobre Cuba no pós-Guerra Fria, no MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

O Resto é Barulho



Platão escreveu em “A República” que quando as formas musicais mudam, também se transformam as leis básicas do Estado. O século XX foi o mais brutal da história, e sua arte está intimamente ligada a essas convulsões. Alex Ross, da New Yorker, nos conta de modo extraordinário a trajetória da música clássica no período em seu “The Rest is Noise – listening to the twentieth century”. Ele analisa as carreiras de gênios como Strauss, Stravinsky, Debussy, Schoenberg, Britten, Shostakovich e examina a cena artística em tempos tumultados como a Alemanha de Hitler, a URSS de Stalin e os EUA de Franklin Roosevelt. A época atual seria para Ross caracterizada por múltiplos fluxos e fronteiras fluidas entre tradições culturais elitistas e populares, um momento em que os compositores perderam o caráter central que tiveram nos séculos XVIII e XIX, mas suas criações alcançam milhões de pessoas, muito mais do que no passado.

Ross começa seu livro contando o auge da escola germano-vienense, com artistas renovando os cânones tradicionais e causando escândalo com óperas que tratavam de temas avançados, como a sexualidade de Salome, de Strauss, ou o pacificismo de Wozzeck, de Berg. Política e estilo davam as mãos: após a derrota da França para o Império Alemão, em 1871, os compositores franceses se insurgiram contra a tradição estilística do inimigo, e Debussy, Satie e companhia buscaram novas formas musicais que desafiassem Wagner e seus discípulos.

Os traumas da I Guerra Mundial levaram à espetacular renovação da década de 1920, com influências da cultura popular – jazz, folclore – dialogando com as vanguardas artísticas europeias. Houve até a tentativa de se criar uma espécie de “Liga das Nações” na música que fracassou como sua homóloga política. As inovações tecnológicas, como o rádio e os discos, também revolucionaram a difusão e produção das obras musicais. O engajamento político igualmente impactou na arte do período, em particular em Berlim, onde a efervescência cultural da República de Weimar brilhou nas óperas de Kurt Weill e Bertold Brecht (a foto que abre o post é de uma montagem de sua "Ópera dos Três Vinténs"), e em experimentos formais como a atonalidade e a dodecafonia.



Os anos do totalitarismo foram sombrios para a música, tanto na Alemanha quanto na URSS. Ross traz elementos fascinantes para o debate sobre o nazismo e a arte. Hitler parece por vezes uma paródia macabra de uma ópera de Wagner, mas ironicamente alguns de seus gestos como orador parecem ter sido copiados de um maestro judeu – Mahler! Aliás, as preferências musicais do ditador por vezes conflitavam com seus preconceitos raciais e ele tinha pouca paciência para artistas alinhados ideologicamente com si mesmo, mas de quem não gostava, como o maestro Herbert von Karajan.

Já Stalin não aparentava preocupações estéticas profundas e seu jogo de gato e rato com os compositores soviéticos era motivado pelas disputas políticas da hora. Shostakovich, em particular, sofreu com os altos e baixos, sendo perseguido por suas posições de vanguarda e premiado pelo regime quando promovia música patriótica, como a sinfonia em homenagem à resitência de Leningrado ao cerco nazista – obra que, na realidade, esconde críticas ao terror stalinista.

A obra-prima literária que acompanha os tempos sombrios é, sem dúvida, “Doutor Fausto”, de Thomas Mann, parábola a respeito da Alemanha nazista que conta a saga de um compositor genial que vende (ou acha que vende) a alma ao diabo, e termina compondo uma obra que é a antítese da Nona Sinfonia de Beethoven, como rejeição consciente da herança humanista da música ocidental. Mann era amigo de muitos músicos e conhecia profundamente o tema. Seu livro tem semelhanças perturbadoras com a biografia de diversos artistas, e é citado repetidamente por Ross.

Os compositores também se envolveram na Guerra Fria, na medida em que EUA e URSS se esforçavam para promover arte erudita e mostrar sua superioridade cultural diante do inimigo. Mas os grandes temas musicais do período são outros, como o reflexo poético da experiência dramática do Holocausto e da Segunda Guerra Mundial, como expressa em obras-primas tais como a Sinfonia Jeremias de Leonard Bernstein ou o Réquiem de Guerra de Benjamin Britten. À medida que a paz e a prosperidade se consolidam no Ocidente, a música embarca em vanguardas cada vez mais arrojadas, como os movimentos serialista e minimalista, e o mundo erudito dialoga de maneiras imprevistas com gêneros populares, como o jazz, o bebop e o rock, influenciando composições dos Beatles, de Bob Dylan e dos Grateful Dead.

Se você, como eu, é um ignorante da música clássica do século XX e conhece os artistas da época quando muito pelo nome, Alex Ross nos deu um presente. O site do livro disponibiliza trechos de várias das músicas comentadas na obra. O resto é barulho. Ou talvez silêncio, como dira o príncipe Hamlet.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Admirável Mundo Novo


“Esse é o cara – o político mais popular do planeta!”
Barack Obama, sobre Lula

“Obama é o primeiro presidente americano com cara de gente.”
Lula, retribuindo a gentileza


A cúpula do G-20 terminou melhor do que o esperado e foi saudada pelos mercados financeiros com alta nas bolsas de valores do mundo todo. Embora tenha sido considerada uma boa estreia diplomática para Obama, os resultados acordados refletem a vitória da agenda da União Européia: regulação mais intensa para setores-chave (paraísos fiscais, fundos hedge, agências de classificação de risco) e rejeição de pacotes de ajuda que signfiquem grandes déficits públicos. Pesou a posição firme da Alemanha, sempre receosa de qualquer risco de inflação, devido a seu passado trágico nesse aspecto.

O FMI, como instituição, também saiu fortalecido, com a injeção de recursos. Os países emergentes foram valorizados, mas seus ganhos foram mais simbólicos – presença de destaque na cúpula – do que práticos em relação a aumentar o poder de decisão nas organizações econômicas internacionais.

Vamos à blogosfera brasileira. Na Prática a Teoria é Outra se pergunta onde estava a esquerda alter-mundialista e que tipo de críticas e sugestões poderiam ter feito ao G-20. Um testemunho em primeira mão vem do Rafael Galvão, um dos melhores blogueiros brasileiros, que estava justamente em Londres durante a cúpula.



Nos sites estrangeiros, há boas análises sobre as promessas e impasses do encontro feitos pelo economista de Harvard Dani Rodrik e por um dos dirigentes da Oxfam, importante ONG britânica. Eles destacam dúvidas com relação à capacidade do G-20 combater o protecionismo comercial e reclamam da ausência da África do grande tabuleiro mundial.

Outro questionamento relevante feito pelo Na Prática é em que medida as brincadeiras de Obama com Lula não poderiam representar apenas uma tentativa de cooptação ao Brasil. A pergunta é boa. É fácil o deslumbramento diante da pompa e circunstância de uma cúpula como a do G-20, em especial quando fazemos o contraste entre a situação atual e as circunstâncias dramáticas do país em anos recentes – simbolizadas pela possibilidade de que o Brasil faça empréstimos ao FMI, enquanto o México implora por um bilionário pacote de ajuda.

A crise está acelerando, mais do que provocando, uma série de transformações na economia global e uma delas é a consolidação de posições de influência para os grandes países emergentes. Está claro que o Brasil não tem o mesmo fôlego da China e da Índia, mas também tem cartas relevantes a colocar na mesa. Para que a oportunidade se transforme em ganhos concretos, o país precisa definir com clareza o que espera do G-20 e como essas mudanças podem auxiliar em seus objetivos de desenvolvimento.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Alfonsín para Brasileiros


O Patricio me pediu comentários sobre a morte do ex-presidente argentino Raúl Alfonsín, que faleceu de câncer há cerca de uma semana. O próprio Patricio já postou um belo texto sobre o político que liderou a transição de seu país para a democracia, após uma ditadura selvagem e uma guerra estúpida. Portanto, meu post é mais no sentido de discutir o que Alfonsín representou para as relações entre Argentina e Brasil.

Nossas respectivas ditaduras militares nas décadas de 1960 e 1970 foram um dos pontos mais baixos da história diplomática de ambos os países. O período foi marcado pela disputa em torno do potencial elétrico dos rios do Cone Sul e por uma corrida armamentista no campo nuclear. A redemocratização da região significou também o esforços dos presidentes Alfonsín e José Sarney de jogar no lixo o entulho autoritário e lançar uma série de acordos de cooperação – mais de 20, no total – que têm sua expressão máxima no Programa de Integração e Cooperação Econômica.

Minha querida co-orientadora de doutorado, Mônica Hirst, certa vez descreveu tais tratados como “o último suspiro do nacional-desenvolvimentismo”, na medida em que tentaram encontrar pela via do diálogo bilateral uma saída para a profunda crise em que ambos os países se encontravam em meados da década de 1980. A ideia era empreender planejamento conjunto para superar os gargalos do crescimento em setores estratégicos, como bens de capital. Também houve acordos importantes na área nuclear, estabelecendo um sistema de verificações mútuas provavelmente sem paralelo no mundo.



A estratégia foi complementada por pacotes econômicos heterodoxos, mas tanto o Plano Austral quanto o Cruzado fracassaram, com resultados trágicos em termos de inflação acelerada e caos político.

Contudo, enquanto no Brasil os militares permaneceram nos quartéis, na Argentina eles foram às ruas, numa série de rebeliões dos chamados “carapintadas”, que se opuseram aos julgamentos pelos crimes cometidos durante a ditadura. Alfonsin se viu numa situação dificílima, diante da recusa das Forças Armadas em reprimir o movimento rebelde, e da estupidez da extrema-esquerda, que atacou bases do Exército e exacerbou o conflito político. A escolha do presidente foi polêmica mesmo na época: as leis da Obediência Devida e do Ponto Final, que quase paralisaram os processos judiciais. Foi preciso outro cataclisma – a crise de 1998-2002 e a ascensão dos Kirchner – para que fossem retomados.

O sucessor de Alfonsín, Carlos Menem, indultou os militares que haviam sido condenados e remodelou as relações com o Brasil nos moldes do chamado “regionalismo aberto”, abandonando os projetos desenvolvimentistas por uma agenda basicamente centrada na liberalização do comércio. A discrepância entre os recursos industriais em cada país só poderia signficar que isso resultaria numa série de disputas envolvendo subsídios, cotas, barreiras de importações e outros problemas que persistem até hoje. Se visão política e os ideais de Alfonsín houvessem prevalecido, acredito que teríamos um formato mais efetivo de integração sul-americana.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Argentina: Eleições contra o Relógio


Segue abaixo um pequeno artigo que escrevi para o Ibase, sobre a política de nosso vizinho platino:

A decisão do governo argentino em antecipar as eleições legislativas de outubro para junho é uma corrida contra o relógio. Com dificuldades econômicas e políticas crescentes, a presidente Cristina Fernández de Kirchner tenta uma vitória expressiva que lhe assegure maioria parlamentar, em particular na crucial província de Buenos Aires e na capital federal. A população irá escolher metade da Câmada dos Deputados e 1/3 do Senado.

Cristina Kirchner foi eleita presidente com excelente votação, vencendo no primeiro turno com 46% dos votos. Contudo, seu governo tem sido marcado por conflitos políticos. Disputas com o agronegócio, em função da proposta de aumento dos impostos sobre o setor, paralisaram o país no início de 2008 e resultaram em bloqueios de estradas, protestos contra a presidente e falta de alimentos essenciais, como carne e leite. A popularidade da presidente despencou para 20% e atualmente está ao redor dos 30% - um dos piores índices da América do Sul, onde mandatários como Lula no Brasil e Álvaro Uribe na Colômbia ultrapassaram os 80% de aprovação.

A crise com o agronegócio fragilizou a base de apoio do governo no Congresso. Parlamentares de províncias onde a agricultura tem peso econômico romperam com a presidente e votaram contra sua proposta tributária para o setor. O voto decisivo foi dado pelo próprio vice-presidente, Julio Cobos, que desde então tem uma relação difícil com a chefe de Estado.

Além das disputas com o agronegócio, Cristina Kirchner enfrenta problemas de confiança, devido às denúncias de corrupção contra altos dirigentes do governo e de seu partido, e pelas acusações de manipulação dos índices oficiais de inflação – estimativas independentes apontam que ele seria pelo menos o dobro do valor apontado oficialmente. Tais dificuldades não só afetaram sua popularidade, comoe também prejudicaram a imagem internacional da Argentina, com desvalorização dos títulos públicos do país nos mercados financeiros.

Os Impactos da Crise Econômica

Os efeitos da crise econômica internacional agravaram a situação do governo argentino. Cerca de 2/3 das exportações do país são concentradas em produtos primários agrícolas, minerais e combustíveis, cujos preços caíram bastante em função das turbulências globais. As autoridades reagiram adotando uma série de medidas protecionistas, para tentar equilibrar a balança comercial. Mas essas decisões têm causado longas discussões com o principal parceiro comercial da Argentina, o Brasil, que foi atingido em setores importantes, como o têxtil. O aumento das barreiras não tem resultado em recuperação da indústria argentina, mas no crescimento de importações das nações asiáticas, sobretudo China e Índia, que têm explorado com habilidade as oportunidades trazidas pelas disputas.

A crise também traz preocupações fiscais para o governo argentino. Os gastos do Estado foram muito ampliados como parte da estratégia de recuperação após o abismo de 1998-2002. Foram criados programas sociais como o Chefes e Chefas de Família (semelhante ao Bolsa Família brasileiro) e lançados incentivos oficiais às indústrias. A malfadada tentativa de aumentar os impostos sobre o agronegócio visava a remediar o déficit fiscal. Com o fracasso da iniciativa, o governo se vê em situação difícil, ainda mais porque os mercados financeiros consideram o país com desconfiança, devido à história recente de instabilidade e não-pagamento da dívida externa, e dificilmente concederão novos empréstimos.

Contudo, Cristina Kirchner tem a vantagem de enfrentar uma oposição dividida em coligações frágeis, que reunem de peronistas dissidentes a adversários de direita (o partido Pro, do prefeito de Buenos Aires, Maurício Macri), centro (a União Cívica Radical, dos ex-presidentes Raúl Alfonsín e Fernando de la Rúa) e esquerda (Coalizão Cívica, da deputada Elisa Carrió, a segunda colocada na última disputa presidencial) do atual governo. A presidente joga suas cartas mais importantes na capital e na província de Buenos Aires – nesta última, seu marido, o ex-presidente Néstor Kirchner, deverá liderar a lista partidária. A região é tradicionalmente um bastião do peronismo, pela presença de bairros de trabalhadores e forte atividade sindical.

Ao antecipar as eleições em quatro meses, o governo aposta em sua melhor capacidade de organização, sobretudo para retomar a influência sobre peronistas dissidentes. Essa característica pode se mostrar decisiva, em cenário onde os partidos de oposição são em sua maioria bastante recentes e ainda não consolidaram o apoio de setores expressivos da população.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Perspectivas para o G-20


As economias que totalizam 85% do PIB do planeta se reunem nesta semana em Londres em meio a notícias ruins (como a provável falência da GM) e expectativas conflitantes. O New York Times disponibilizou um serviço pelo qual os leitores digitam uma palavra para exprimir seu sentimento com relação à crise atual. Termos como “otimista”, “ansioso”, “preocupado”, “esperançoso”, “furioso” e “deprimido” estavam entre os mais populares.

Em meio ao turbilhão dos últimos meses, é possível arriscar palpites para as decisões do encontro. Acredito que haverá um fortalecimento do FMI, com ampliação dos recursos disponíveis para a instituição, na medida em que o socorro a alguns países, como os do Leste da Europa, se torna mais necessário. Algo semelhante ocorreu em escala menor no Banco Interamericano de Desenvolvimento. Naturalmente, haverá declarações contrárias ao protecionismo e quem sabe até alguma medida concreta para tentar evitá-lo. A situação é séria, há estimativas que apontam para queda de 10% no comércio internacional em 2009, o tipo de padrão observado na Depressão da década de 1930.

Contudo, há muitos assuntos controversos de difícil resolução pelo G-20. Um deles é a abrangência das novas medidas de regulação do sistema financeiro internacional. Embora haja certo consenso sobre a necessidade de monitorar mais de perto instrumentos como os fundos hedge e mesmo os paraísos fiscais, estão na mesa propostas mais profundas, como a francesa, de criar uma agência reguladora global para lidar com o tema.

Outro ponto de discórdia é que formato de pacote econômico é o mais apropriado para sair da crise. Os EUA defendem o aumento dos gastos governamentais, para desgosto de países como a Alemanha. E a União Européia tem se mostrado hesitante em planos que signifiquem dispêndios significativos para auxiliar seus membros do Leste.

A China tem adotado um discurso internacional duro, basicamente acusando os países ocidentais pela crise. Internamente, os chineses adotaram um pacote de US$500 bilhões de estímulo ao consumo, mas têm sofrido impactos sociais negativos, como o aumento do desemprego. O crescimento do PIB deve cair para um dígito, algo preocupante para um regime cuja legitimidade depende muito das taxas aceleradas de aumento da economia.

E o Brasil? Nosso governo adotou um contingenciamento duro, de mais de R$30 bilhões no orçamento, mas ao mesmo tempo procurou preservar os programas sociais que tem sido o centro da estratégia de desenvolvimento do governo Lula – crescimento via expansão do mercado doméstico, sobretudo das camadas mais pobres. O recente pacote de casas populares, aliado aos incentivos fiscais para a indústria da construção civil são passos nesse sentido. É uma combinação interessante e vale observar que posições o país irá defender no G-20, bem como que papel poderá desempenhar nos acertos regionais na América do Sul.