quarta-feira, 11 de agosto de 2010

América Latina e Presos Políticos em Cuba



Reproduzo abaixo meu artigo publicado ontem no jornal "Folha de S. Paulo", que desenvolve pontos que abordei anteriormente aqui no blog.

A mediação diplomática da Espanha e do Vaticano resultou na libertação de 52 presos políticos em Cuba. O governo Raúl Castro, pressionado após a morte do dissidente Orlando Zapata, em decorrência de greve de fome, percebeu a necessidade de direitos humanos.

A conjuntura cria oportunidade excepcional para os países da América Latina, em sua maioria aliados do regime cubano: um esforço conjunto para convencer Havana a libertar os cerca de cem presos de consciência que continuam detidos nos cárceres da ilha.

O Brasil pode e deve assumir a liderança deste processo. Em 2009, a Revolução Cubana completou 50 anos, e seu estágio atual se parece muito mais com o nacionalismo de suas origens do que com os dogmas marxistas-leninistas adotados durante a vigência da aliança entre Cuba e União Soviética. O fim da Guerra Fria levou o regime cubano a um severo ajuste estrutural econômico, abrindo-se ao capital estrangeiro.
Investimentos espanhóis no turismo, canadenses na mineração e chineses na infraestrutura resultaram em crescimento, apesar da deterioração da qualidade de vida, em particular das habitações.

A guinada econômica foi acompanhada por mudanças na política externa. O apoio a grupos rebeldes e insurreições armadas foi substituído por diplomacia defensiva que visa a preservação do regime cubano. Cuba conseguiu interlocutores na União Europeia, Canadá e Vaticano, mas ao custo de concessões significativas.

A aproximação com a Igreja Católica, que culminou na visita do papa João Paulo 2º à ilha, em 1998, se fez ao preço do retorno das liberdades religiosas ao país, mesmo com a apreensão de Havana quanto aos movimentos sociais cristãos pró-democracia, dos quais o mais expressivo é o Projeto Varela.

A ascensão de governos de esquerda na América Latina, a partir de 1999, deu a Cuba o cenário regional mais favorável desde a Revolução. Embora os partidos progressistas do continente tenham diversas tendências ideológicas, todos consideram Havana símbolo do nacionalismo, da busca por autonomia e por reformas sociais. Muitos tiveram no regime cubano um aliado durante o enfrentamento às ditaduras militares das décadas anteriores.

Por sua tradição de resolução pacífica de conflitos, peso econômico e diplomático, o Brasil é o candidato natural à liderança do processo. Ótima oportunidade para o governo brasileiro abandonar a constrangedora prática recente de proteger ditadores e retomar a diretriz constitucional de que a política externa deve ser regida pela prevalência dos direitos humanos.

Os principais candidatos à Presidência da República -todos veteranos da luta contra a ditadura militar- podem ser agentes importantes dessa mudança.
Uma anistia ampla, geral e irrestrita aos presos políticos cubanos é excelente avanço rumo à vigência plena dos direitos humanos na ilha e à consolidação da democracia na América Latina.

8 comentários:

Alexandre disse...

Gostei da análise. Mas acho que você deveria ter mencionado também a Colombia e principalmente Honduras.

Alexandre disse...

“the February 2010 suicide of Orlando Zapata Tamayo, a prisoner convicted of common crimes in Cuba, was pounced upon by the media much more than the discovery in January 2010 of a mass grave containing 2,000 bodies of trade unionists and human rights activists killed by the Colombian army. Likewise, the protests by Cuban opponents appear regularly in the Western press which, at the same time, censors the atrocities – more than 500 cases of killings and disappearances! – committed by the Honduran military junta, first under Roberto Micheletti and later under Porfirio Lobo, which currently rules that country following the June 2009 coup d’etat against its democratically elected president, Jose Manuel Zelaya”
artigo completo em
http://www.zcommunications.org/cuba-and-the-rhetoric-of-human-rights-by-salim-lamrani

Maurício Santoro disse...

Salve, Alexandre.

No que tenho escrito/falado sobre a Colômbia, procuro destacar a necessidade de uma ação conjunta latino-americana para a mediação da crise no país, com a ressalva de que essa posição passa pela crítica clara aos grupos armados ilegais - guerrilhas e paramilitares.

A tolerância que muitos países da região têm diante da guerrilha têm eliminado sua possibilidade de atuar de modo decisivo como mediadores na Colômbia.

Com relação a Honduras, escrevi bastante aqui no blog a respeito, é só conferir o marcador. Meu argumento é que a rejeição ao golpe foi corretíssima, mas que o Brasil não deveria ter abrigado Zelaya em sua embaixada em Tegucigalpa.

abraços

Anônimo disse...

Mauricio, acho meio patético você imaginar que sob um governo petista haveria alguma chance do Brasil mover uma palha sequer por direitos humanos em Cuba.

Desde que o PT existe, o PT e' a favor do pelotão de fuzilamento, do gulag e das masmorras e tortura cubanas. E' mais fácil o PT ganhar a Presidência para nomear Edison Lobão para comandar as Minas e Energia do que Lula controlar seu desejo de fazer pirraça sobre o cadáver de um militante pro-democracia em Cuba.

E' um bocado de ingenuidade a tua posição. Qual a próxima, pedir para o movimento neo-nazi construir uma sinagoga?

Abs.

Nercio Barbosa

Maurício Santoro disse...

Discordo, Nercio. O PT tem várias correntes internas insatisfeitas com a maneira com a política externa e elas podem muito bem promover mudanças nesse sentido.

Sua comparação do PT com um movimento extremista é típica do clima de campanha, mas acho que até os fanáticos contra o partido admitem que há uma diferença qualitativa entre, digamos, um dos discursos infames do Mercadante com um neonazi que queime uma sinagoga.

[]s

Anônimo disse...

Discordo, Maurício. Existem apenas duas correntes no PT: aqueles que pensam ou fingem pensar que Lula e' uma divindade e aqueles que vão logo ser expulsos ou sair do partido.

Lula, todos sabemos, e' sinceramente pro-tortura em Cuba. Qualquer petista que discorde dele ou vai ter que relevar sua opinião ou não tem futuro no partido.

Anônimo disse...

Mauricio,
Voce poderia citar o nome de um politico petista que tenha defendido direitos humanos em Cuba publicamente depois que Lula decidiu fazer piada dos torturados recentemente? Se você puder citar o nome de um, eu nunca mais digo que o PT e' um partido monoliticamente pro-tortura.

Maurício Santoro disse...

Naercio,

o debate interno no PT é mais diversificado do que isso, há muita gente no partido descontente com o personalismo dos últimos anos e com a ascensão de Dilma, que cresceu exatamente após a crise do partido após o mensalão.

Isso inclui, claro, debates sobre a política externa. O manifesto abaixo, que trata da questão palestina, é representativo dessas discussões:

http://vidasmarranas.blogspot.com/2009/01/sobre-nota-oficial-do-pt-x-outra-nota.html

O texto abaixo fala sobre Cuba. Cito trecho: "Nós inclusive não aceitamos que alguém seja preso apenas porque é oposição ao governo, sem ter cometido um crime”, rebate o deputado Maurício Rands (PT-PE) também da Comissão de Relações Exteriores."

http://bulevoador.haaan.com/2010/03/11/as-leis-de-cuba/

Abraços