sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Bolívia: de volta às negociações


Em 70 anos a Bolívia nacionalizou os hidrocarbonetos três vezes. Em geral as decisões eram revertidas poucos anos depois, devido à falta de investimentos e de técnicos especializados. Parecia que a situação de Evo Morales caminhava no mesmo sentido, por seus problemas no abastecimento de óleo diesel (após a estatal YPFB ter comprado as duas refinarias da Petrobras no país) e pela escassez de recursos finaceiros. Mas eis que o Brasil se vê novamente à beira de uma crise de abastecimento de energia. Hora de voltar a negociar.

O Sergio Leo conta a história em sua coluna do Valor desta segunda, reproduzida em seu site. E analisa: "Em La Paz, observadores internacionais apontam o forte impacto que teria o anúncio de um acordo entre o governo Morales e a estatal brasileira para aumento de investimentos no país: todas as outras companhias petroleiras suspenderam decisões, para assistir ao que acontecerá com a brasileira, que deverá estabelecer uma espécie de marco para proteção aos investimentos no setor."

Na terça-feira, a Petrobras precisou abastecer emergencialmente termelétricas e diminuiu em 17% o fornecimento de gás para o Rio de Janeiro e São Paulo, prejudicando indústrias (algumas) e postos de gasolina (muitos).

O que acontece? A economia cresce às taxas mais altas desde os anos 1970 e o sistema de abastecimento energético não consegue dar conta do recado. O ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras, Ildo Sauer, pediu demissão em setembro e escreveu: "Limpamos e reestruturamos totalmente as verdadeiras cavalariças em que tinha se convertido o plano emergencial de geração termoelétrica a gás natural elaborado pelo governo FHC no desespero vão de tentar evitar o apagão de energia elétrica”.

Pelo visto, as cavalriças continuam sujas. E o Brasil depende das importações do gás natural da Bolívia e todo o processo está conturbado desde a nacionalização de 2005, quando o governo Evo Morales assumiu controle acionário (50% +1) das operações bolivianas da Petrobras, e aumentou os impostos de 50% para 80%. A empresa interrompeu os investimentos no país e o quê está em discussão agora é a retomada do fluxo, em trocas de garantias de Morales.

A distribuição dos recursos energéticos na América Latina estimula a integração regional do setor: as maiores reservas estão na Venezuela e Bolívia, países com pouca demanda interna. Podemos ter um ciclo virtuoso no continente, com os dois países fornecendo a energia necessária para Argentina, Brasil e Chile. A questão é superar desavenças políticas (como os atritos chavistas e a disputa pelo mar entre chilenos e bolivianos) e acordar o preço justo a ser pago pela exploração dessas riquezas.

Não será um processo fácil nem barato. Com o barril de petróleo acima de US$95, qualquer fonte de energia alternativa, como o gás natural, será muito valorizada. E hoje em dia, ao contrário do que ocorria no passado, tais acordos econômicos precisam ser negociados não apenas entre elites, mas levando em conta a força de movimentos populares. As novas regras do jogo estão dadas de forma cristalina na foto do post: pichação que vi em Buenos Aires, em plena Avenida de Maio.

A integração européia começou pelo carvão e pelo aço, dois recursos naturais que foram disputados em inúmeras guerras. Nenhum governo latino-americano abrirá mão do controle sobre os hidrocarbonetos, mas uma organização internacional que gerencie os conflitos - eventualmente no âmbito de um processo já existente, como a Unasul - pode ser um belo primeiro passo.

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