quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Homem no Escuro


Os Estados Unidos como uma casa em luto, e um país em guerra consigo mesmo, são as imagens mais fortes do recente romance de Paul Auster (foto), Man in the Dark, lançado há três meses. Eu havia me acostumado a pensar no escritor como um cronista de Nova York e me surpreendi com seu mergulho na análise psicológica e no comentário político. Agradeço ao André, que emprestou esta bela história como mais um de seus inumeráveis gestos de amizade e gentileza nesta minha mudança para Brasília.

O personagem-título do livro é um velho e bem-sucedido crítico literário, August, que passa uns tempos com sua filha, para se recuperar de um acidente. Ele enviuvou há pouco, ela é recem-divorciada. A outra moradora da casa é a neta de August, Katya, cujo namorado morreu na guerra do Iraque, em circunstâncias terríveis que só são esclarecidas ao fim do romance.

Nessa casa marcada pelo luto e pelo sentimento de perda, August passa uma noite insone, imaginando uma história na qual o conflito do Iraque nunca aconteceu, em seu lugar há uma nova guerra civil nos EUA, na qual estados secessionistas buscam se separar do governo federal após a eleição de George W. Bush, rejeitando não só a conturbada eleição de 2000 como as políticas do presidente.



Num dado momento, a neta se junta a August e eles começam a conversar. O avô lhe conta a história de seu próprio casamento, de suas idas e vindas com a esposa e as confidências fazem com que a jovem Katya finalmente desabafe sua dor e frustração com a morte do namorado, um ex-pupilo de August que sonhava com uma carreira como escritor, mas duvidava de seu talento literário. Seu fim trágico no Iraque é particularmente brutal, uma ilustração do que há de mais perverso no mundo pós-11 de setembro.

Man in the Dark é um livro triste, um olhar doído sobre as mazelas dos Estados Unidos atuais. Não há a ironia de outros trabalhos do autor, embora haja espaço para muita suavidade e ternura, nas lembranças de August sobre sua história de amor e uma carreira em torno de valores humanistas e da boemia intelectual de Nova York, que parecem pertencer a uma época distante, há muito morta.

Katya e o avô passam parte da noite insone conversando sobre cinema e discutindo detalhes de filmes clássicos como “A Grande Ilusão” e “Ladrões de Bicicleta”. A discussão mais tocante trata de “Era uma Vez em Tóquio”, de Yasujiro Ozu, em particular da famosa cena na qual uma moça pergunta para a viúva de seu irmão: “A vida é decepcionante, não é?”. Auster se concentra na resposta desiludida, “Sim, ela é”. Mas o escritor se esqueceu de que a jovem diz isso com um dos sorrisos mais encantadores já registrados pelo cinema. Infelizmente, em meio ao terrorismo e à crise econômica os Estados Unidos não estão muito para sutilezas sobre o lado agriodoce da vida. Como August, estão insones no escuro, à espera da luz que talvez venha com a manhã.

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