segunda-feira, 30 de março de 2009

O Planejamento Depois do Caos



“Mas meu filho, desde quando você entende de finanças públicas?”
Minha mãe

Como sabem os leitores deste blog, passei a última quinzena em estágio no Ministério do Planejamento, encarregado de preparar uma análise sobre as relações entre orçamento e planificação econômica no Brasil. Em que pese a surpresa da senhora minha progenitora, foi uma experiência muito boa, de mergulhar de cabeça numa área nova para mim, tendo por guia uma extraordinária equipe técnica, incrivelmente receptiva e prestativa. Também li muito – relatórios do Banco Mundial e do BID, e artigos de consultores acadêmicos, brasileiros e estrangeiros.

A tradição brasileira com planejamento remonta à década de 1940 e tem marcos importantes como a cooperação internacional com as missões dos Estados Unidos e da Cepal, o Plano de Metas de JK e o II PND, do governo Geisel. É uma história bem-sucedida, inseparável da própria industrialização do país. Contudo, a década de turbulência inflacionária que se seguiu à crise da dívida em 1982 praticamente inviabilizou os esforços de planificação, devido à grande instabilidade dos preços e das finanças públicas.

A Constituição de 1988 criou o Plano Plurianual (PPA), com quatro anos de vigência, que deveria orientar as ações governamentais de cada mandato presidencial. Mas ele durante sua primeira década ele foi apenas uma formalidade burocrática, sem maior relevância política. Após o Plano Real, a ideia de planejamento passou novamente a ser levada a sério, com o progressivo fortalecimento do PPA e o lançamento de iniciativas como a do Brasil em Ação na presidência de FHC, um conjunto de metas e projetos prioritários para o governo. Houve algo semelhante no início do governo Lula, com o Projeto Piloto de Investimentos, cujas ações gozavam de vantagens como a não-submissão aos cálculos de superávit primário.

O PPA também buscou se firmar como uma ferramenta para a melhoria da gestão pública, introduzindo mecanismos de administração por resultados, reorganizando o orçamento por programas e tentando dar poder aos gerentes que tocariam a iniciativa. Minha avaliação é que esses objetivos eram demasiado ambiciosos e que deveriam ter ficado sob responsabilidade de outros processos, voltados especificamente para reformas administrativas.

Uma das dificuldades de lidar com planejamento no Brasil atual é que o Estado é bastante fragmentado, com grande número de ministérios, muitas ações executadas em parcerias com estados e municípios e o modelo político do presidencialismo de coalizão, no qual o governo é compartilhado por diversos partidos, cada um com seus próprios objetivos, e uma base parlamentar um tanto inconstante e sempre necessitada de atenção.

Não é fácil considerar todos esses fatores na elaboração de um plano. O número de atores envolvidos é bem maior do que na época da ditadura, ou mesmo do que na democracia de 1946-1964, e a discricionariedade do Executivo é menor. O Congresso tem bem mais força e a maior parte das receitas orçamentárias – em torno de 85% - é de caráter obrigatório ou vinculado a uma área específica (saúde, educação) de modo que os presidentes têm menos espaço para distribuir recursos como quiserem.

O governo Lula tem enfrentado o problema centralizando o núcleo duro do planejamento na Casa Civil da Presidência, no Programa de Aceleração do Crescimento. O trabalho do PAC apresenta muitas inovações interessantes, em particular nos mecanismos de monitoramento e avaliação das ações, mas também no modo como os ministérios interagem com as autoridades da Casa Civil, Planejamento e Fazendo nas chamadas salas de situação. No que toca aos objetivos de longo prazo, houve a criação da Secretaria de Assuntos Estratégicos, que tem lançado temas interessantes para discussão com a sociedade.

Um dos desafios do meu estágio foi justamente pensar com o Ministério do Planejamento se situa neste contexto de mudanças. Ainda estamos escrevendo o relatório, mas me parece que nesta conjuntura o PPA se tornou um instrumento abrangente demais, e que seria mais interessante reformulá-lo para se concentrar em outras áreas prioritárias, não abarcadas pelo PAC. Toda a questão de avaliação de políticas públicas também tem ganho um enorme destaque nos últimos anos, uma novidade na tradição brasileira, mas que já ocorre nos Estados Unidos desde a década de 1960.

2 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:
Tenho a impressäo de que sua mäe näo liu seus artigos sob a crise. Antes quase näo falava sob economia, mas desde o ano passado você se revelou como um economista! Até chegou a atuário, nos comentários assessorava sob inversöes! Ha, ha, ha!
Saludos

Maurício Santoro disse...

Meu caro, minha mãe é leitora do blog, mas pelo visto ela ainda não se convenceu dos meus conhecimentos na área. Embora eu tenha a impressão de que a opinião do Ministério do Planejamento é mais favorável ao meu respeito!

Abraços