quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Os Cristãos e a Primavera Árabe



Os últimos dias foram os mais violentos no Egito desde a queda da ditadura de Mubarak. Conflitos entre o Exército e manifestantes cristãos deixaram mais de duas dezenas de mortos e reforçaram os medos que a turbulência política no Oriente Médio degenere em violência religiosa. Uma lógica que também ajuda a explicar os impasses na Síria e por que os alauítas governam o país apesar de serem apenas 10% da população.

O mapa abaixo mostra o Oriente Médio de acordo com as diversas religiões que predominam na região.Além de retratar o cisma ente sunitas e xiitas no Islã, ele ilustra bem como o Levante é área mais diversa em termos de crenças, em particular as montanhas à beira do Mediterrâneo (que atualmente estão sobretudo no Líbano), que tradicionalmente foram o refúgio para pessoas que fugiam da perseguição religiosa em outros lugares.



A comunidade cristã no Egito é a maior do Oriente Médio e representa cerca de 10% da população do pais, em torno de 8 milhões de pessoas. A maioria é de denominação copta, uma das primeiras a surgirem nos primórdios do cristianismo – a tradição atribui a São Marcos Evangelista papel decisivo na formação do grupo. Os cristãos egípcios tiveram papel de destaque nos movimentos nacionalistas contra os britânicos, são maioria em várias províncias e muitos destacaram-se na política e na diplomacia. O ex-secretário-geral da ONU, Boutrus Boutrus Ghali, por exemplo, é copta.

Há também uma história de choques e desconfianças entre os cristãos egípcios, grupos fundamentalistas muçulmanos e mesmo o regime secular de Nasser, Sadat e Mubarak. Nas últimas décadas igrejas e instituições cristãs sofreram diversos ataques de radicais islâmicos e em geral os criminosos ficaram impunes. A manifestação que culminou no massacre de domingo era justamente um protesto contra o mais recente desses atentados.

A transição no Egito tem sido mais lenta do que se previa. A junta militar propôs um longo plano pelo qual haverá eleições para a câmara baixa do parlamento (novembro), para a câmara alta (março) e a elaboração de nova constituição ao longo de 2012. Só no fim do próximo ano aconteceriam eleições para a Presidência. A lei egípcia proíbe partidos com base em denominações religiosas, mas é claro que existe o medo que um islamismo político revitalizado se volte contra os cristãos, ou mesmo que outras facções os utilizem como bode espiatório para os problemas do país.

Algo semelhante acontece na Síria. Desde a década de 1960, a república é governada pela família Assad e um grupo de aliados da seita islâmica do alauítas. É uma minoria religiosa que se considera mais laica e moderna do que os sunitas, que formam dois terços da população do país. O regime é autoritário, mas não houve na Síria o tipo de conflito religioso e de perseguições que ocorreram no Líbano ou na Arábia Saudita.

Os cristãos sírios são 10% do país e em geral defensores ardorosos de Assad, a quem vêem como protetor diante do risco de uma ditadura fundamentalista sunita. O jornalista Gustavo Chacra, do Estado de S. Paulo, escreve de Damasco uma série de reportagens contanto essa história e mostrando os receios dos cristãos de que haja um tipo de complô entre Estados Unidos e França para depor Assad.

Esse quado é importante para entender a posição cautelosa do Brasil - e dos demais BRICS – com relação a sanções da ONU contra a Síria. Além disso, há uma insatisfação grande entre China e Rússia pelo modo como o mandato das Nações Unidas na Líbia foi extrapolado da proteção aos civis para uma intervenção estrangeira para depor Muhamar Kadafi.

2 comentários:

IgorTB disse...

Maurício, meu querido, vc sabe que eu não consigo me posicionar muito bem sobre essa posição brasileira na Síria? Eu entendo que o xadrez diplomático ali é muito mais complexo do que em outros cantos, que a estabilidade (se é que ela já existiu) regional seria seriamente abalada com uma intervenção nos moldes líbios. Contudo, e o imobilismo? E a repressão que mata cada dia mais pessoas? E a desproporção das forças? Fico confuso, metido em meus pensamentos...

Maurício Santoro disse...

Caro,

A situação na Síria é muito instável, porque além das disputas religiosas há um conflito entre classes sociais. A maior parte dos rebelados é da zona rural e as elites econômicas do país em Damasco e Aleppo estão muito desconfiadas do que se passa por lá. Um certo imobilismo às vezes é o melhor a se fazer, em especial quando não há interesses nacionais fundamentais na disputa.

abraços