sexta-feira, 30 de março de 2012

Democracias na Berlinda

Ontem entreguei na Editora da Fundação Getúlio Vargas as provas revisadas de meu livro "Ditaduras Contemporâneas". Infelizmente, a Primavera Árabe não tornou o tema ultrapassado. O levantamento anual da Freedom House aponta que 55% dos países são governados por regimes autoritários ou com sérias restrições às liberdades civis e políticas de suas populações. Essa situação tem declinado de maneira constante ao longo dos últimos seis anos.

Na conjuntura atual, a Freedom House afirma que as reações das ditaduras às rebeliões democráticas no Oriente Médio e no Norte da África são a principal causa da piora, mas também há várias causas relacionadas ao agravamento da crise na Europa, em particular em nações como a Hungria, cujo regime dificilmente pode ser considerado democrático. E temos também a recente onda de golpes na África, que mencionei na semana anterior.

Contudo, a nova faceta do autoritarismo incorpora alguns elementos significativos da democracia - a Freedom House identifica que 60% dos países realizam eleições razoavelmente competitivas, ainda que marcadas por fraudes e violações de liberdades de expressão e de associação. Isso é mais do que meramente um gesto de fachada. Em muitas ditaduras eleições de nível local são travadas como disputas políticas reais, e governos autoritários perdem o controle de municípios ou províncias.

O caso é mais complexo quando se trata de eleições nacionais, mas mesmo nelas temos visto ocasionais desempenhos expressivos da oposição, que depois se tornam instrumento de barganhas para acordos de governos de coalizão, no qual líderes democráticos ganham ministérios ou empresas estatais. Claro que isso acaba sendo um poderoso instrumento de cooptação - o Zimbábue é um exemplo forte. Talvez algo desse tipo possa ocorrer na Síria, com a parcela da oposição disposta a negociar com Assad.

Não acredito na possibilidade - nem mesmo remota - da queda do regime democrático no Brasil, mas é importante observar que nas pesquisas de opinião internacionais, como o Latinobarômetro, o apoio dos brasileiros à democracia é bastante baixo, oscila entre 45% e pouco mais da metade da população. É menos do que se poderia esperar dado o bom desempenho da economia, a ascensão de uma nova classe média e até a queda constante das desigualdades, que embora altas, estão no menor nível desde 1960. Entendo que as razões para a falta de entusiasmo com o sistema venham do desencanto com a persistência da corrupção e pelo medo diante da violência e do crime.

São fatores importantes a se levar em conta. Pesquisas recentes apontam que metade dos países que tentaram se democratizar fracassaram, não tanto pelo desempenho econômico, mas por problemas como desigualdades, abusos do Poder Executivo, eclosão de conflitos étnicos etc.

Que pensemos um pouco sobre isso, neste dia em que nós, brasileiros, relembramos nosso mais recente - oxalá último - golpe de Estado.

6 comentários:

marcos disse...

Por causa do B maiúsculo eu li "Belindia", nem fez diferença ;)

Diogo disse...

O caso da Hungria choca por ser um Estado culturalmente rico. Mas o Jobbik troca figurinhas com muita gente na Europa. Fica o alerta num momento em que os banqueiros europeus fazem o que podem para reeditar 1929.

Maurício Santoro disse...

A boa e velha Belíndia... Dá uma boa conversa, agora que a Índia está em ascensão. A ver.

Pois é, temos governos com precária legitimidade interna na Itália e na Grécia, basicamente impostos de fora, pela UE. É uma situação ruim para a democracia.

abs

Marc Jaguar disse...

Prezado Mestre e Amigo Mauricio

Em algum dos meus comentarios em textos que fazem referencia a Primavera Arabe, eu afirmo que esses acontecimentos estavam mais com jeito de "Outono Arabe", infelizmente, diga-se de passagem.
Agora mesmo, posso dizer que estou boquiaberto com a falta de acao da ONU no caso do massacre dos civis sirios que vem sendo perpetrado pelo governo de Bashr Al Assad.
Somando-se a essa situacao, a desastrada atitude da OTAN, que na pratica acabou se aliando aos rebeldes libios e lhes proporcionou a vinganca com a qual tanto sonhavam contra o ditador Kadahfi, acho que os organismos internacionais soh tem trabalhado no sentido de deporem contra a propria credibilidade...
Vamos mesmo de mal a pior desse jeito...

Forte abraco!

Goncalez

Rô Andrade disse...

Maurício,
Ao ler sobre o seu livro, me chamou a atenção o fato dos brasileiros não acreditarem muito na democracia. Acho que se o voto não fosse obrigatório, grande parte da população não votaria, certamente por não acreditarem nos políticos.
Bom, lembrei-me de dois filmes que me chamaram a atenção para dois problemas: Sou escrava, de Gabriel Range, que trata da escravidão de meninas africanas em Londres, em pleno século XXI. Outro: A Flor do deserto, de Sherry Hormann, discute a mutilação genital na Somália.
Obrigada pela atenção e lhe desejo muito sucesso com seu novo livro.
Rô Andrade, de Belo Horizonte.

Nixon disse...

Maurício,

Tenho a impressão que o povo não está muito interessado em formas de exercício do poder, mas em melhor qualidade de vida.

Parece-me que aquele governo ou Estado que atender às suas necessidades básicas, a exemplo de alimentação, habitação, trabalho, educação e laser, e outras necessidades de consumo, terá um melhor apoio popular.

Questões como a corrupção, impunidade e centralização política parecem não serem suficientes para sensibilizar o povo ao ponto de incentivar uma manifestação de peso.