sexta-feira, 22 de junho de 2012

Os Conflitos por Terra e o Impeachment de Lugo

Está em curso no Paraguai um golpe de Estado travestido de processo de impeachment. A oposição contra o presidente Fernando Lugo usa seu controle do Congresso para tentar apoderar-se do cargo e estar no poder para manejar as eleições de 2013. O pretexto utilizado são conflitos agrários nos quais o mandatário não teve responsabilidade direta. Falei ontem à Globo News a respeito do tema, este texto aprofunda minha entrevista.

O Paraguai ainda é um país de forte caráter rural, que na última década teve significativa expansão do agronegócio, sobretudo soja e algodão. Empresas brasileiras estão muito presentes nesse setor. O processo aprofundou a concentração de terras, que tem piorado desde as manipulações da longa ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989), que distribuiu propriedades para seus aliados. Muitos pequenos camponeses perderam seus sítios e fazendas e engrossaram as fileiras de um ativo movimento de sem-terras, uma das bases de apoio a Lugo.

O presidente tem falado em reforma agrária, mas não tem feito movimentos significativos para implementá-la, às voltas com um Congresso dominado pelos conservadores e com as pressões brasileiras para proteger os interesses do agronegócio. Na semana passada, houve um conflito entre polícia e sem-terras numa fazenda pertencente a um ex-senador do Partido Colorado - grupo que governou o país por 70 anos, até a vitória do atual mandatário. Morreram 18 pessoas, de ambos os lados, e caíram o Ministro do Interior e o chefe de polícia. É esse massacre de Curuguaty que a oposição cita como pretexto para o impeachment de Lugo.

O presidente foi eleito à frente de uma frágil e heterogênea coalizão de partidos e movimentos sociais. Seu principal aliado, o Partido Liberal, passou para a oposição, embora mantenha a vice-presidência. Se Lugo sofrer impeachment, a sigla se apossa da chefia do Estado. O presidente teve apenas um voto de apoio na Câmara dos Deputados e tudo indica que a situação no Senado será semelhante.

Lugo sofreu desgaste junto à sua base pelos escândalos sexuais de seu envolvimento amoroso com mulheres quando era padre e bispo. Enfrenta também um câncer, há dois anos. Ainda assim, os movimentos sociais paraguaios reagirarm prontamente à ameaça contra o presidente, já organizam protestos em frente ao Congresso e caravanas de camponeses rumam para a capital Assunção. É uma situação tensa que pode degenerar em conflito armado.

A Unasul enviou às pressas uma missão de alto-nível formada pelos ministros de Relações Exteriores do bloco, num esforço de mediar a crise. Em momento de impactos regionais da crise global e uma sucessão de conflitos na Argentina, Peru e Venezuela, ninguém precisa de mais instabilidade na América do Sul. A pressão internacional tem sido decisiva nas crises paraguaias e conseguiu impedir outra tentativa de golpe de Estado na década de 1990. É um bom sinal que as Forças Armadas estejam calmas e se atendo a seu papel constitucional.

7 comentários:

Anônimo disse...

Impressionante como as elites latino-americanas não admitem um governo popular democraticamente eleito. Sempre com a eterna subserviência a Washington.

Nunca achei o tal de Lugo um presidente dos sonhos, mas ele está lá pela via legal. Que saia de lá pelas urnas e não pelas balas, como o Tio Sam gosta de punir os que não se dobram às suas corporações.

Maurício Santoro disse...

Anônimo,

Desta vez os Estados Unidos não tiveram envolvimento no golpe e, ao menos até o momento, têm apoiado a posição da Unasul de rechaçar a quebra da democracia.

abraços

Marc Jaguar disse...

Caro Amigo e Mestre Mauricio

Discordo de que o que estah acontecendo no Paraguay seja um golpe de estado.
A constituicao daquele pais estah sendo obedecida quanto ao processo de julgamento politico (impeachment) e o proprio Fernando Lugo declarou isso.
Cada pais tem particularidades em seus textos constitucionais e que tratam de modo diferente as medidas de impedimento de seus governantes.
O congresso pataguaio, vale lembrar, tambem foi eleito por meio do voto popular.
No Brasil tivemos um presidente da republica que tambem foi julgado com base na nossa constituicao e perdeu seu mandato sem que houvesse acusacao de golpe.
A meu ver, do mesmo modo que houve um e orme equivoco ao se classificar de golpe o que houve em Honduras, estah se repetindo o que ocorre no Paraguay.

Abracos, Mauricio


Goncalez

Marc Jaguar disse...

Caro Amigo e Mestre Mauricio

Discordo de que o que estah acontecendo no Paraguay seja um golpe de estado.
A constituicao daquele pais estah sendo obedecida quanto ao processo de julgamento politico (impeachment) e o proprio Fernando Lugo declarou isso.
Cada pais tem particularidades em seus textos constitucionais e que tratam de modo diferente as medidas de impedimento de seus governantes.
O congresso pataguaio, vale lembrar, tambem foi eleito por meio do voto popular.
No Brasil tivemos um presidente da republica que tambem foi julgado com base na nossa constituicao e perdeu seu mandato sem que houvesse acusacao de golpe.
A meu ver, do mesmo modo que houve um e orme equivoco ao se classificar de golpe o que houve em Honduras, estah se repetindo o que ocorre no Paraguay.

Abracos, Mauricio


Goncalez

Diogo Terra disse...

Eis uma situação esquisita.

Claro que o impeachment tem jeito de tramoia política da oposição, mas chama a atenção não só o fato de Lugo ter aceito a decisão - mas também muitos de seus supostos aliados terem lhe puxado o tapete.

Segundo, a aproximação dos EUA com a Unasul ao não aprovar o impeachment. Não que os norte-americanos queiram sabotá-la, mas sempre imaginei que fossem contrários a uma entidade majoritariamente formada por populistas de esquerda.

Veremos o que acontece nos próximos meses - e não podemos descartar nada depois de ver Lula afagando Maluf em troca de migalhas de apoio...

Maurício Santoro disse...

Salve, Gonçalez.

O impeachment é um processo político, mas que respeita as características básicas de uma ação judicial, como o direito de defesa. Lugo teve apenas 2 horas para apresentar sua versão. Até os indicados ao paredão do Big Brother tem uma semana!

Se a oposição tivesse seguido as normas apropriadas e organizado um impeachment em, digamos, um mês, não teria havido rejeição internacional como ocorre agora. Mas eles temiam, acredito, que num intervalo de tempo mais longo o presidente pudesse mobilizar apoio popular em sua defesa.

Olá, Diogo.

Faltava apenas um ano para Lugo terminar o mandato, ele está doente, com câncer, e sem ânimo para travar uma batalha política pela presidência. Ou assim aparenta, ao menos.

Os Estados Unidos estão bastante prudentes, querem evitar o desgaste que tiveram em Honduras, e deixar a crise a cargo dos países da Unasul.

Abraços

Marc Jaguar disse...

Caro Mauricio

A forma sumaria com que se deu o processo, tambem ela, seguiu estritamente o rito constitucional paraguaio.
Gostemos ou nao, achemos estranho o fato ou nao, trata-se de respeitar a soberania daquele pais. O Brasil e nossa diplomacia, mais uma vez, estah indo alem de suas sandalias nessa questao.
As instituicoes continuam a funcionar normalmente no Paraguay. A Igreja catolica, o Poder Judiciario e as Forcas Armadas declararam que o processo foi legitimo. Nao ha carros blindados nem soldados nas ruas de nenhuma cidade do pais, fato que testifica o clima de tranquilidade em relacao ao povo paraguaio tambem respeitar a decisao do congresso (que eh, em suma, a expressao do proprio povo).
Fernando Lugo foi vitima da sua propria incompetencia e falta de habilidade politica em implementar seu plano de governo, por ter oferecido apoio informal aos grupos de bandoleiros disfarcados de sem-terra e outras acoes tipicas de varios outros governantes com vies populista-bolivariano.
O governo brasileiro deveria estar aliviado com o impeachment de Lugo, pois, quem sabe a partir de agora, nossos compatriotas "brasiguaios" venham a estar mais seguros contra a violencia dos sem-tera e do EPP.
Finalizando, se o Brasil nao aprova o regime constitucional paraguio, poderia mandar nossos iluminados congressistas para lah a fim de criarem "melhores leis" para o povo guarani.
Tenho certeza que muita gente por aqui nao iria reclamar...rs.

Abracao, Mauricio!

Goncalez