quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Condoleezza Rice... e depois


Interessante artigo da escritora Candace Allen no Guardian discute o impacto de Condoleezza Rice, a secretária de Estado americana, para a comunidade negra dos Estados Unidos. Rice é a segunda pessoa negra a ocupar o cargo – a primeira foi seu antecessor, o general Colin Powell. Ambas as trajetórias mostram que muita coisa mudou para melhor no que diz respeito às relações raciais americanas.

O Exército dos EUA só aboliu a segregação racial em 1948, dez anos antes de Powell juntar-se à instituição. Ainda assim, a maioria das bases militares americanas fica no sul e a região permaneceu com suas leis racistas até 1964. As memórias de Powell tem relatos tocantes da “vida dupla” que ele levava: um oficial admirado pelos superiores e pelos subordinados dentro do quartel, mas um cidadão de segunda classe fora dos muros, não podendo sequer usar o banheiro do posto de gasolina ou pedir o hamburguer na lanchonete. Imagino que não deva ter sido fácil para ele enfrentar as tensões raciais nos dois períodos em que serviu no Vietnã, embora não comente o assunto no livro – fala apenas dos problemas organizacionais e de liderança política do Exército.

A carreira de Rice também impressiona. Ela ascendeu na elite americana através do meio universitário, tornando-se respeitada cientista política especializada na União Soviética. Li alguns de seus ensaios – discute o pensamento militar de Lênin e Trótski, citando os jornais bolcheviques da era revolucionária no original em russo. Conquistou a admiração de dois poderosos mentores que abriram seu caminho a Washington - Josef Korbel (ex-diplomata tcheco, pai da secretária de Estado de Clinton, Madeleine Albright) e do general Brent Scowcroft, Conselheiro de Segurança Nacional de Bush pai.

Rice veio de uma família de classe média, mais próspera do que os imigrantes jamaicanos que eram os pais de Powell. Mas enquanto o futuro general cresceu no ambiente relativamente seguro de Nova York, Rice vivia na conturbada cidade de Birmingham, no Alabama. Uma de suas colegas de escola primária foi morta no célebre atentado da Ku Klux Klan contra uma igreja da comunidade negra.

Historicamente, o Partido Democrata dos EUA se saiu melhor com minorias (negros, judeus, católicos) e pode causar estranhamento que os dois negros de maior destaque na política americana sejam republicanos. Acredito que isso mostra que a questão racial nos EUA extrapolou as linhas partidárias – muitos negros de classe média passaram a votar nos republicanos porque se tornaram mais conservadores em temas familiares e religiosos. E tem a ver, claro, com a capacidade da atual elite americana em recrutar indivíduos talentosos de diversas origens étnicas. O caso dos hispano-americanos é semelhante.

Candace Allen também é negra, mas afirma que Condoleezza Rice lhe provoca repulsa, por conta da política externa que implementa. Talvez. Mas Rice e Powell eram vozes de moderação em meio a figuras como Rumsfeld, Cheney e sei lá qual outro psicopata no gabinete Bush. Desconfio que o julgamento da história será mais ameno para ambos, e que continuarão a ser visto como “role models”, como exemplos de sucesso e oportunidades, para os jovens negros nos EUA e fora do país.

Claro que Barack Obama também representa a mesma mensagem. O Center for Global Develpoment faz uma análise entusiasmada de suas idéias sobre cooperação internacional, algumas das quais são bem interessantes. Em tom mais sóbrio, a Economist desta semana comenta as propostas de política externa dos pré-candidatos à presidência dos EUA. A maioria das iniciativas oscila entre o lugar comum e a insanidade. A revista destaca a parca experiência que os pretendentes à Casa Branca têm dos assuntos internacionais. Deveras preocupante. Contudo, a Economist também publica boa pesquisa de opinião pública sobre a agenda diplomática entre os eleitores americanos, divididos por partido.



Os dados mostram a polarização crescente entre democratas/republicanos em torno à guerra do Iraque – não era assim há quatro anos – um apoio relativamente elevado aos aspectos mais duros do combate ao terrorismo, incluindo uso da tortura. As dificuldades econômicas se manifestam na rejeição aos acordos de livre comércio, embora eu ache que o Nafta está levando a culpa por problemas que nada tem a ver com ele, como as turbulências no mercado imobiliário.

Por fim, um link delicioso: Roger Cohen escreve no International Herald Tribune sobre o que os EUA podem aprender com a democracia na Venezuela. Pequeno trecho: “As credenciais democráticas da Venezuela são robustas para a América Latina – a democracia prevaleceu desde 1958 – mas tímidas para os padrões americanos. Ainda assim, houve sinceridade, sentido e responsabilidade cívica nos procedimentos [do referendo] que fazem a disputa inicial da eleição [presidencial] americana parecer lamentável.”

2 comentários:

Geraldo Zahran disse...

Mauricio,

Sobre a falta de experiencia internacional dos pre-candidatos, nao ha muita novidade ai. Dos ultimos presidentes dos EUA apenas o primeiro Bush tinha bagagem internacional, os demais eram todos marinheiros de primeira viagem. Contraponto engracado, no periodo pos-independencia a grande maioria dos presidentes tinha experiencia internacional, muitos deles ex-secretarios de estado.

Outra ironia historica e essa reaproximacao do partido republicano com minorias, como o caso da populacao negra que voce descreve. Basta lembrar que o partido republicano foi criado em grande parte em torno da questao da escravidao. Durante decadas a 'anomalia' era explicar porque os democratas tinham apoio da populacao negra em questoes domesticas.

Grande abraco,

Maurício Santoro disse...

Grande Geraldo,

Muito oportuna sua lembrança. Acho que isso se explica pela importância fundamental das RIs para o nascimento e consolidação dos EUA, pelas guerras, alianças e negociações que envolveram Inglaterra, França e Espanha. Aliás, como você avalia o quadro entre os líderes britânicos de hoje?

Sobre as minorias, pois é, o GOP é o partido do Linconl, e os democratas se calaram durante muitos anos sobre a questão racial, para manter o apoio dos brancos pobres do sul. Isso só começou a mudar nos anos 40, pela pressão dos grupos liberais dos norte, o movimento dos direitos civis, os freedom riders etc.

Abraços