segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

A Vida dos Outros



Grande cinema na praça: "A Vida dos Outros", produção alemã que venceu o Oscar de filme estrangeiro em 2006, mas só agora chegou ao circuito brasileiro. É um drama sobre um oficial da Stasi, a polícia política de Alemanha Oriental, que recebe a missão de investigar um casal de artistas. Ele acaba se fascinando pelos dois, mudando sua forma de pensar e alterando seus relatórios para tentar protegê-los.

Tudo no filme é primoroso - roteiro, atuações, direção, ambientação política. A trama se passa em meados da década de 1980. O regime socialista da Alemanha Oriental já está desmoronando e até os membros da Stasi fazem piadas sobre a decrepitude do sistema. Contudo, ainda estamos longe da abertura na URSS e o medo e a apatia são disseminados entre a população.

Wiesler, o oficial da Stasi, é um burocrata exemplar, embora não seja fanático. Tem uma vida tediosa e solitária e acredita em regras e no cumprimento da lei. Mas também sabe que o Partido Comunista se corrompeu e virou abrigo de carreiristas como seu chefe, o tenente-coronel Grubitz, um cínico que faz tudo para subir na carreira. Quando o filme começa, Grubitz aceita uma "sugestão" do ministro da cultura para vigiar o dramaturgo Georg, conhecido por sua lealdade ao regime. Mas o ministro mantém um caso com a atriz Christa-Maria, namorada do escritor, e quer tirar o rival do caminho.



Georg é um artista que caminha no fio da navalha, devido a sua amizade com dissidentes políticos. Ele ainda crê na Alemanha Oriental, mas se sente cada vez mas tolhido pelas listas negras e censuras, que acabam afetando seu trabalho - sua nova peça, por exemplo, é prejudicada por um diretor medíocre, ao passo que o artista talentoso que ele gostaria de ter no comando do espetáculo está proscrito pelo governo. Christa-Maria também vive num perigoso limitar: talentosa, mas insegura, e consciente do risco que desavenças com as autoridades trariam para sua carreira.

A maior parte do filme se passa em 1984, mas há um pequeno - e excelente epílogo - ambientado após a queda do muro de Berlim, na qual os personagens refletem sobre o confuso episódio que viveram e procuram lidar com as memórias daquele tempo. Me lembrou muito uma extraordinária peça alemã que vi em Buenos Aires, "Democracia", de Michael Frayn, que seguia uma estrutura semelhante.

Detalhes do filme: ele foi o primeiro escrito e dirigido por Florian von Donnersmarck. Na realidade, foi seu trabalho de formatura na Escola de Cinema! Entre outras grandes sacadas de seu filme - ir ao cinema, como espionar, é dar uma olhadinha na vida dos outros. E, às vezes, sair profundamente modificado pela experiência.

2 comentários:

Marcus Pessoa disse...

Amei esse filme.

É uma história que faz a gente ter fé na humanidade.

Maurício Santoro disse...

Exato, Marcus. Todo o filme é um comentário à discussão entre o ministro e o dramaturgo, após a estréia de sua peça: "Você diz nos palcos que as pessoas mudam, mas isso nunca acontece." Às vezes acontece, sim, e é sempre inesquecível.

Abraços