terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Vieira de Mello no Iraque


Quando eu crescer, quero ser Samantha Power.

A moça é uma das melhores jornalistas do planeta, leciona em Harvard, é assessora de Barack Obama e acaba de escrever mais um livro, “Chasing the Flame: Sérgio Vieira de Mello and the fight to save the world”, que será lançado em fevereiro.

A New Yorker traz uma prévia: seu artigo sobre a trágica experiência de Vieira de Mello como representante da ONU no Iraque, que culminou com seu assassinato em agosto de 2003.

O texto é jornalismo de primeira qualidade. Samantha Power situa o contexto político quase impossível no qual Vieira de Mello teve que operar. Logo após a invasão do Iraque, o Conselho de Segurança aprovou a resolução 1483, que legitimou a ocupação americana do país e deu vaga cobertura para ação da ONU. Kofi Annan acreditou que era melhor do que nada e que se tratava de oportunidade urgente para lidar com a crise de credibilidade da organização.

Vieira de Mello acabara de tomar posse como Alto Comissário de Direitos Humanos e era a escolha óbvia, talvez única, para a missão. Ele tinha vastíssima experiência em lidar com crises humanitárias, refugiados e reconstrução nacional, tendo trabalhado em tarefas assim por 30 anos, em países como Moçambique, Bangladesh, Camboja, Chipre, Sérvia, Timor Leste. E nutria ambições de suceder Annan como secretário-geral. Ainda assim, não quis aceitar: preferia ficar em Genebra com a nova namorada. Annan o convenceu a assumir o cargo por apenas quatro meses e ele acabou concordando a contragosto.

Sua tarefa no Iraque era ser “algodão entre cristais” entre as forças de ocupação e a população local, ajudando na mediação para a formação de um governo provisório e eventuais eleições. Nas palavras de Annan para Vieira de Mello: “Temos que servir como um ponte para a Coalizão [os EUA e seus aliados] mas também teremos que nos distanciar da Coalizão”.

O brasileiro era famoso por seu carisma e foi descrito por um de seus amigos como “um homem que não sabe como fazer inimigos”. Alguns de seus colegas da ONU eram mais críticos e achavam que seu desejo de sempre agradar o levava a compromissos difíceis, segundo Samantha Power havia quem nas Nações Unidas o visse como “acomodado e amoral”, e no mundo árabe vários acreditavam que ele estava sendo usado pelos americanos.

Seu estado de espírito, compreensivelmente, não era dos melhores no Iraque. Samantha o descreve tendo períodos de reclusão e de depressão, evitando contato até com os membros de sua equipe. Um de seus amigos árabes assustou-se ao vê-lo falar na TV, ele parecia um administrador do país (como o que fora em Timor). Ele recomendou que Vieira de Mello procurasse mais contatos com a sociedade iraquiana, com as pessoas comuns no café.

Os problemas de segurança e de falta de infra-estrutura enfrentados pela ONU no Iraque já eram conhecidos, mas Samantha Power dá o tipo de informação que só um bom repórter consegue apurar, listando os erros e a imprudência quase inacreditável. Falhas que também se estenderam ao próprio Exército americano, que não contava sequer com os equipamentos básicos para resgate de vítimas de bombas – o material pertencente aos iraquianos fora saqueado no caos que se seguiu à queda de Saddam Hussein.

Nenhum comentário: