domingo, 29 de junho de 2008

Jefazo



Uma das boas coisas de Buenos Aires é a grande oferta de livros sobre a América Latina, a preços muito em conta para o sofrido bibliófilo brasileiro. Uma das aquisições que fiz em minha visita recente à cidade foi “Jefazo - retrato intimo de Evo Morales”, do jornalista argentino Martin Sivak. Trata-se de recém-publicado perfil dos primeiros dois anos de governo do presidente da Bolívia.

Muitos argentinos moraram e trabalharam na Bolívia e a qualidade da análise sobre o país andino é bem maior por lá do que no Brasil. Isso salta aos olhos tanto na produção jornalística quanto na academia, no cinema e na literatura. Sivak é um exemplo desse tipo de interlocução, pois foi correspondente de jornais argentinos em La Paz e ecreveu outros dois livros sobre a Bolívia, incluindo uma biografia do ex-ditador Hugo Banzer. Sivak conhece Evo desde meados da década de 1990.

Jefazo é, obviamente, uma descrição simpática da presidência de Evo, mas está longe de ser um panfleto de propaganda. Sivak narra as hesitações e erros do presidente boliviano e aponta as deficiências de sua equipe.

O presidente boliviano é retratado por Sivak como um homem carismático que é, sobretudo, um extraordinário dirigente sindical. Está muito mais à vontade como um líder de assembléias relativamente pequenas, nas quais possa estar em contato pessoal com os participantes, e adora viajar para pequenos povoados e ouvir diretamente as queixas e sugestões das pessoas. Esse estilo de liderança é incomum na Bolívia, e ajuda a explicar a alta popularidade de Evo entre os mais pobres. Seus discursos privilegiam a narrativa de sua própria vida – as dificuldades pelas quais passou fazem Lula parecer um próspero pequeno-burguês – e as analogias entre sua trajetória e a do país.



Evo e a maior parte de seu gabinete têm pouca instrução formal e deficiências sérias em áreas fundamentais como economia. Evo tende a não valorizar livros e conhecimentos acadêmicos, mas escolheu como vice um professor universitário, Alvaro García Lineira, famoso por sua biblioteca de 15 mil volumes. A opção por ele também se deu para dividir o movimento indígena mais extremista, pois García Lineira fora o braço-direito de Felipe Quispe, que lançou uma guerrilha de inspiração étnica nos anos 90. Para setores dos movimentos indígenas bolivianos, Evo é um “blancóide” que sequer fala fluentemente aymara e quéchua, e cujas origens políticas são muito mais as de líder de sindicato.

Sivak acompanhou Evo numa série de viagens internacionais e esse aspecto está muito bem coberto no livro. Assim, vemos a aliança que Bolívia, Cuba e Venezuela formaram, com direito a observações interessantes sobre Fidel Castro – suas análises se mostram mais argutas e precisas do que as de qualquer outro político retratado no livro. Para os leitores brasileiros, pode surpreender o quanto é ruim é difícil o diálogo entre Evo e Lula, motivado, evidentemente, pelo conflito em torno da Petrobras. Contudo, a pior relação é mesmo aquela entre Bolívia e Estados Unidos, por conta da tensão do cultivo da coca e da proximidade com Hugo Chávez. Evo não tem importância suficiente para ser recebido pelo primeiro escalão do governo americano, e o comportamento dos embaixadores em La Paz seria inadmissível em qualquer país um pouco mais desenvolvido.

Para alguém acostumado ao estilo conciliatório da política brasileira, chama a atenção o quanto a boliviana é polarizadora e conflituosa. Às vezes, é questão das disputas, como quando Evo e o presidente Carlos Mesa bateram de frente, porque este tentava se estabelecer como uma alternativa de centro aos movimentos sociais, que negava aos indígenas o direito à se auto-representarem. Outras, parece pura provocação e insegurança, quando Evo recita o credo terceiro-mundista e faz piadas sobre o neoliberalismo para possíveis investidores em Nova York.

Infelizmente, o livro não aborda em profundidade o conflito regional que é o mais sério da Bolívia neste momento. Não há, por exemplo, entrevistas com os líderes dos “comitês cívicos”, como o de Santa Cruz de la Sierra. Sivak se concentra mais nos esforços de Evo em construir pontes com os prefeitos, passando por cima dos governos regionais. Como essa estratégia tem fracassado, não é exatamente a que quero conhecer...

5 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Caro amigo:
Näo conhecia muitos dos datos que você diu sob o "Jefazo". É realmente uma pena (e um peligro)que o governo boliviano tenha täo poucas pessoas qualificadas.
Saludos desde a Argentina

Patricio Iglesias

Maurício Santoro disse...

Meu caro, nem todos os países têm os 100 anos de escola pública de qualidade da Argentina... Isso faz uma falta terrível!

Abraços

Patricio Iglesias disse...

"100 anos de escola pública de qualidade da Argentina"
Sim, 100 anos... desde a segunda mitade do século XIX até a segunda do século XX... o prestígio da educaçäo argentina, com o Ongania, o Proceso e o Menem foi história (somos pesimistas, Näo é?)
Saludos

Anônimo disse...

Olá,

Estou entrando em contato novamente para tratar da Parceria Comercial mencionada via e-mail em 24/06/08.
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Maurício Santoro disse...

É, meu caro, depois da Noche de los Bastones Largos, do Onganía, é difícil ser otimista...

Ainda assim, a comparação com o Brasil resulta muito favorável para vocês, assim como no Chile e no Uruguai.

Abrazos