quarta-feira, 30 de julho de 2008

O Não Chinês e o Fracasso de Doha



O mundo está em crise – recessão nos EUA, disparada do petróleo e do preço dos alimentos – e nessa conjuntura de medos e reações protecionistas seria difícil esperar um bom resultado na Rodada Doha da OMC. Ainda assim, eu acreditava que os principais negociadores do comércio internacional chegariam pelo menos a um acordo para salvar as aparências e manter a confiança no multilateralismo. A principal lição do fiasco: a China se estabeleceu como o fiel da balança, e resolveu jogar duro.

A geografia econômica mundial tem dado guinadas rápidas e surpreendentes nesta década. Até 2003, as principais decisões na OMC eram tomadas pelo Quad (EUA, União Européia, Canadá e Japão). A partir da conferência de Cancún, Índia e Brasil se estabeleceram como atores globais nas negociações de comércio. Nesta última sessão em Genebra, o núcleo duro foi formado pela soma desses países, mais China e Austrália.


Muitos temas dividiram os principais negociadores
: subsídios agrícolas, tarifas para produtos industriais, propriedade intelectual, segurança alimentar. Ao fim de longo e tenso processo de buscar consensos, a postura rígida da China impediu que se fechasse um acordo. O pomo da discórdia foi a insistência chinesa em proibir importações de alimentos, para garantir preços razoáveis – e estabilidade política, claro – a sua massa de agricultores pobres.

A China entrou para a OMC somente em dezembro de 2001. O perfil de seu ministro do Comércio, Chen Deming, ilustra a extraordinária trajetória do país: filho de intelectuais, ele foi perseguido durante a Revolução Cultural e enviado para o campo. Tornou-se líder de um grupo de camponeses por sua habilidade em dirigir tratores e organizar reuniões. Com as reformas de Deng Xiaoping, entrou na vida universitária, cursou pós-graduação em Harvard, e fez carreira no governo. Um sujeito que passou por tudo isso não faz concessões a troco de nada. Basta vê-lo na foto acima, com a cara de quem diz “Na-na-ni-na-não”.

Doha foi muito mais do que uma queda de braço entre Norte e Sul. Os países em desenvolvimento negociaram divididos. O Brasil teve postura moderada e se esforçou para fechar acordos, mas Índia e China mostraram-se bem mais relutantes em abrir mão de medidas protecionistas. Compreensível, por diversas razões: sua estratégia de abertura é muito mais lenta e restrita; e precisam lidar com massas camponesas muito pobres. Mesmo dentro do Mercosul, a Argentina recusou diversas propostas brasileiras, para irritação e preocupação de vários dos meus amigos diplomatas.

O Brasil foi bem em Genebra. Muita polêmica inútil foi gasta na imprensa daqui sobre a declaração do chanceler Celso Amorim, que acusou os países ricos de usarem táticas de propaganda de Goebbels. Sergio Leo matou a questão: “Acho que Amorim convocou os nazistas ao se ver acuado e ameaçado na posição de negociador representante dos países em desenvolvimento. Tentou se credenciar como intérprete dos radicais, chamou de volta a atenção para si (estava perdendo público e o apoio das bases), e continua reinando no palco de Doha. “ Mais constrangedor, a meu ver, foi o bate boca envolvendo os ministros das Relações Exteriores e da Agricultura.

Agora, que diabos, todo o mundo (literalmente) terá que buscar alternativas à OMC. Acordos bilaterais e regionais, por exemplo.

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