quarta-feira, 8 de julho de 2009

A Democracia Equilibrista



No fim de semana eu conversava com um amigo sobre como o golpe em Honduras e os conflitos envolvendo Chávez trazem de volta cenas do radicalismo ideológico da Guerra Fria. Enquanto caminhávamos, fomos abordados por um rapaz que tentou nos vender o que alardeou como “um jornal comunista”. Caímos na risada diante do inesperado “como queríamos demonstrar”. Anedotas à parte, vivemos outra época, uma que abre possibilidades mais interessantes. A crise hondurenha ilustra os avanços e limitações deste novo cenário.

Começando pelos pontos positivos:

- Rejeição internacional unânime ao golpe, com atuação rápida da Organização dos Estados Americanos e cooperação das organizações financeiras internacionais (Banco Mundial e BID), que suspenderam os créditos ao país.

- Mudança de atitude do governo dos Estados Unidos, que condenou os golpistas - ao contrário do que fizera, por exemplo, na Venezuela em 2002 - e empreendeu esforços para negociar uma solução. Ainda assim, Washington não foi tão longe quanto latino-americanos e alguns europeus, que retiraram embaixadores e preconizaram sanções.



Aspectos negativos:

- O isolamento internacional dos golpistas não interrompeu a violência. Ao toque de recolher se seguiram outras medidas repressivas, como prisões ilegais, censura e mortes em manifestações de rua.

- Presença de consideráveis bolsões autoritários na opinião pública da região, com jornais de prestígio nos EUA e na América Latina defendendo o golpe como alternativa ao chavismo. O argumento mostra como a lógica da Guerra Fria continua forte. Como é difícil a consolidação de valores democráticos!

- Contradições entre as posições dos membros da OEA: em defesa da democracia em Honduras, com a suspensão do governo golpista, mas ao mesmo tempo votando pelo retorno de Cuba à organização, cometendo práticas autoritárias em seus próprios países, ou relevando-as em nações fortes. O problema afeta a vários atores envolvidos na crise – o que vale para Tegucigalpa não se aplica a Havana, Teerã ou Xinjiang.



Os golpistas hondurenhos apostam no prolongamento das negociações com a comunidade internacional, visando a evitar sanções econômicas (o país depende das remessas de emigrantes e da exportação de banana, café e têxteis) e se manter no poder pelo tempo necessário para organizar novas eleições e impedir o retorno de Zelaya.

No início da crise, analistas apontaram que os acontecimentos seriam uma vitória de Chávez e da ALBA. Essa posição foi defendida por inimigos do chavismo, que a usavam para criticar as ações do governo Obama, que julgaram negligente e fraco. A meu ver, o resultado foi outro e o golpe hondurenho tem mostrado os limites do projeto da ALBA: até os partidários de Zelaya temem a associação com Chávez e a polarização que seu nome desperta. As bravatas sobre intervenção militar em Honduras se esvaziaram depois da exibição aérea no aeroporto da capital. Para desatar o nó do conflito, a intermediação dos Estados Unidos se mostra decisiva, o que indica o acerto da moderação adotada por Obama.

5 comentários:

Ricardo Cabral disse...

Dá uma canseira ter que ler em alguns representantes da mídia tradicional e tb blogosfera afora essa série de manifestações bem Guerra Fria que você comentou, Maurício. Nessas horas o que me ocorre é que os maniqueístas tb são sexuados, se reproduzem e alimentam sua prole com a mesma forma esquemática de ver as coisas. É mais confortável viver num mundo de certezas e cores primárias, sem enxergar em si próprio nenhum tipo de contradição, não é?

Grande texto. Simples, claro e nem um pouco maniqueísta. Quem lê até acha que é fácil escrever assim...

Maurício Santoro disse...

Salve, Ricardo.

Infelizmente os maniqueístas são sexuados e bem chegados a uma saliência, visto que se reproduzem a grande velocidade...

O mais triste para mim é conversar com amigos jornalistas, inclusive de jornais onde fui repórter, e ouvir deles o desabafo de que os editores apoiam o golpe e organizam a cobertura dessa perspectiva.

É o tipo de coisa que a gente espera ouvir em 1964, não em 2009.

Abraços

Patricio Iglesias disse...

Caro amigo:
Esperemos que näo caiga "A Democracia Equilibrista" da corda. Um tropezäo pode ser a morte ou, ao menos, uma ferida grave...
Saludos!

Patricio Iglesias

JBrito disse...

Santoro, uma informaçao que gostaria de ver melhor destrinchada é a justificativa para o golpe em Honduras, que seria evitar um 2º mandato para Zelaya. Analisando as datas de quando o referendo convocaria a constituinte(segundo uma fonte que li, a votação seria 28 de novembro) e de quando Zelaya sai do poder (final de janeiro de 2010 - Wikipedia) me parece que uma extensão do mandato dele seria impraticável.

Maurício Santoro disse...

Caro Patricio,

O título do texto é uma referência a uma famosa canção brasileira da época da redemocratização, "O Bêbado e o Equilibrista", que nos diz que "a esperança equilibrista / sabe que o show de todo artista / tem que continuar".

Assim espero!

Caro JBrito,

Sei apenas que o mandato dele termina em 2010, mas desconheço o mês. Contudo, todas as análises destacaram que o principal motivo para o golpe foi o medo de seus adversários que ele aprovasse uma emenda de reeleição.

abraços