segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Império



O império britânico começou pilhando o ouro e a prata dos espanhóis, desenvolveu-se copiando as instituições financeiras dos holandeses e consolidou seu poder derrotando militarmente franceses e indianos. No percurso, governou 25% da Terra e lançou as bases para a globalização econômica contemporânea. Estas são as teses do historiador Niall Ferguson, em seu livro “Império – como os britânicos fizeram o mundo moderno”. Adaptado de uma série de TV apresentada por ele, cada capítulo é como um episódio, abordando mercadorias, migrações populacionais, idéias e guerra (clique aqui para baixar o primeiro capítulo).

A Inglaterra era a prima pobre no início da colonização européia das Américas e até o século XVII seus domínios não se estendiam muito além de algumas plantações de tabaco e cana de açúcar no Caribe e no atual sul dos Estados Unidos e de um punhado de vilas fundados por dissidentes religiosos que fugiam de guerras e perseguições na Europa. Aos poucos os lucros obtidos pelos produtos americanos impulsionaram um amplo movimento colonizador – a maior migração de pessoas da história, diz Ferguson.



No século XVIII, a Inglaterra já consolidara sua hegemonia sob as Ilhas Britânicas – Escócia, País de Gales, Irlanda - e desenvolveu um engenhoso sistema de financiamento para suas guerras e empreendimentos coloniais, baseado na venda de títulos da dívida pública. Uma bem organizada máquina militar, amparada na maior e mais eficaz marinha do mundo, permitiu aos britânicos derrotaram os franceses na Guerra dos Sete Anos, um conflito que se estendeu pelas Américas, Europa e Ásia, e culminou na supremacia britânica nas disputas imperiais globais.

O Império perdeu os Estados Unidos em 1783, mas conquistou algo mais importante – a Índia. Ferguson traça excelente síntese das diversas etapas da colonização, desde o início com a “parceria público privada” representada pela Companhia das Índias Orientais, passando pelas guerras contra os soberanos mogóis indianos até o sangrento conflito de 1857 – a “Primeira Guerra de Independência”, como dizem os nacionalistas na Índia, ou o Grande Motim, como preferem os britânicos.



A maior novidade do livro, para mim, foi a análise dos “domínios brancos” do Canadá e da Austrália. Conheço pouco da história de ambos. Aprendi com Ferguson que os dois foram beneficiados por importantes reformas no século XIX, que lhes concederam ampla autonomia doméstica. Basicamente, uma reação da elite imperial britânica aos erros cometidos com os inquietos e rebeldes colonos nos Estados Unidos.

Ferguson não aborda a África em muitos detalhes, a não ser para tratar do trauma da guerra dos bôeres na África do Sul – um longo conflito de guerrilhas no qual o Império quase foi derrotado, e que levou a terríveis violações de direitos humanos, como a construção de campos de concentração para os descendentes de holandeses em guerra contra os britânicos. Em suma, o Vietnã do Reino Unido.

Ferguson não nega as atrocidades cometidas pelo Império, mas coloca-se explicitamente contra aqueles que o consideravam imoral e injusto, atribuindo à colonização britânica muitas virtudes, em especial quando em contraste contra outros impérios, como o francês e o russo. É um hobby tradicional dos acadêmicos oriundos de grandes potências (Ferguson é escocês) mas me sinto mais à vontade na tradição autonomista dos países em desenvolvimento, em busca de seus próprios caminhos.

4 comentários:

ph disse...

Olá,

Fiz o comentário que segue sobre a sua resenha em um buzz, e achei por bem copiá-la aqui.

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O livro é ótimo, é uma leitura muito bem recomendada. Ferguson analisa em profundidade diversas passagens do império, mas não chega a ser uma obra de referência para todo o período. Sobre o esforço de guerra contra Napoleão, por exemplo, há muito pouco (acho que nada). Mas é uma ótima leitura.

Discordo do resenhista quando ele diz que atribuir à colonização britânica muitas vantagens "é um hobby tradicional dos acadêmicos oriundos de grandes potências". Quais acadêmicos? Algum deles chegou ao mainstream? Em meu pequeno conhecimento da área, desconheço. Ao contrário, Ferguson é tido como uma "rebelado" dentro da literatura contemporânea em história, em grande parte por essa sua teoria, não de considerar o império uma benção desmedida, mas afirmar que ele trouxe vantagens em alguns aspectos. Ele é bem contido ao fazer essas afirmações.

Além disso, o teste empírico da atribuição de virtudes não tem rejeitado tal hipótese. Embora ainda controversos, os trabalhos de Acemoglu, Johnson e Robinson têm corroborado essa teoria.

Por isso, mais uma razão para ler o livro: é uma visão bem diferente, bem escrita e nuançada, e por que não, iconoclasta, do que foi o império britânico.

Maurício Santoro disse...

Oi, ph.

Elogiar os impérios criados por seus próprios países, em contraste com aqueles desenvolvidos por outras potências, é uma longa tradição acadêmica. Você a encontra em inúmeros trabalhos britânicos e franceses.

Para mim isso é uma manifestação de nacionalismo e ador patriótico, e não uma postura analítica objetiva.

Essa tradição só foi quebrada recentemente, sobretudo pelos autores marxistas e socialistas, e Ferguson é explícito em sua rejeição a eles. Mas não há um diálogo com autores indianos ou africos, por exemplo, que tem feito leituras muito boas sobre a experiência do império e da colonização.

Ferguson lecionou em Harvard, Oxford e Stanford - difícil pensar em instituições acadêmicas mais mainstream do que essas...

Abraços

Célio disse...

Acho o Ferguson um cara tendencioso e que puxa um pouco de brasa pro lado dele

Unknown disse...

Obrigado pela oportunidade e compartilhamento parcial da obra. Vou comprar o livro.
" Ao contrário, Ferguson é tido como uma "rebelado" dentro da literatura contemporânea em história, em grande parte por essa sua teoria, não de considerar o império uma benção desmedida, mas afirmar que ele trouxe vantagens em alguns aspectos. Ele é bem contido ao fazer essas afirmações".
Gostei especialmente do comentário do PH.