quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A Ponte



Estou preparando um curso sobre o surgimento, evolução e dilemas da democracia nos Estados Unidos, e por conta disso tenho lido bastante sobre política americana. Terminei nesta semana o excelente "The Bridge - the life and rise of Barack Obama", do jornalista David Remnick, editor da New Yorker. Exemplo de biografia que equilibra o fascínio com o protagonista com o senso crítico.

Obama já escreveu, ele mesmo, dois livros autobiográficos. "A Origem dos Meus Sonhos" é uma narrativa excepcional sobre a história de seu pai, um queniano que emigrou para os EUA e se pós-graduou em Harvard, e de sua mãe, uma menina branca do Kansas que teve um filho com o brilhante e instável rapaz africano e depois se tornou uma antropóloga especializada na Indonésia. "A Audácia da Esperança" é uma obra bem menos interessante, basicamente um livro em que Obama se lança candidato à presidência e tenta estabelecer uma agenda de mudança moderada.

Os pais de Obama se separaram quando ele era muito pequeno, o rapaz foi criado praticamente pelos avós, no Havaí, onde as relações raciais não são tão tensas quanto no resto dos EUA. Boa parte da adolescência e juventude de Obama foi uma busca pela identidade, a tentativa de descobrir, ou inventar, quem ele era de fato. A história é admiravelmente narrada em "A Origem...", mas Remnick faz um ótimo apanhado, principalmente no sentido de situar Obama como uma ponte entre vários mundos: negros e brancos, classe média, pobres e elite, e como um membro da "geração de Josué", nascida após a vitória do movimento dos direitos civis.

A biografia começa a esquentar quando Obama, recém-formado em Ciência Política em Columbia, se muda para Chicago para trabalhar como um ativista comunitário. Remnick traça um panorama magistral da política na cidade, uma metrópole negra assolada por racismo, corrupção e pobreza. Ele narra a queda da máquina da família Daley, que por décadas governou Chicago, e a ascensão do prefeito negro Harold Washington, um modelo para o jovem Obama.

Outra parte magistral da biografia são os anos de Obama em Harvard, onde se formou em Direito. Ele foi um aluno brilhante e hábil também na política estudantil, conseguindo construir pontes e diálogos com liberais, radicais e conservadores - processo que culminou na sua eleição a presidente da Harvard Law Review, a prestigiada revista dos estudantes, o que lhe deu pela primeira vez visibilidade e fama nacional.

Os anos seguintes foram os da meteórica ascensão de Obama na política do Partido Democrata, passando em poucos anos de deputado estadual em Illinois a Senador, e por fim o azarão na disputa presidencial de 2008. Remnick faz a crônica dessas vitórias mostrando como Obama lidou com questões explosivas como raça, guerra no Iraque e polarização política. O argumento é que ele triunfou por sua moderação, mas fica também um certo sentimento de vazio e de desapontamento com uma agenda mais concreta de transformações sociais, para além do apelo à mudança.

Impressiona também a desorientação ideológica dos Democratas, diante da radicalização da base dos Republicanos, que não por acaso tem colocado o presidente Obama constantemente na defensiva. Mas enfim, já tenho livros sobre o movimento do chá na lista de encomendas. Em breve no blog.

3 comentários:

Marcus Pessoa disse...

O Tea Party muito me interessa. Aguardo ansiosamente os próximos posts.

Mário Machado disse...

Apesar de todas as nossas concordâncias creio que no tea party não iremos, mas isso é que faz a vida ser interessante.

Muitos acusam Obama de ser apaixonado por si mesmo (duas auto-biografias na idade dele), mas sendo realista que político não é apaixonado por si mesmo.

Afinal crer que vc pode fazer melhor que todos os outros é mentalidade necessária para se candidatar.

Abs,

PS: Não falo nada sobre sua biblioteca para derrubar os livros da prateleira..ahuaha

Maurício Santoro disse...

Salve, Marcus.

Pelo ritmo da cabeceira, devo chegar ao Tea Party em novembro.

Caro Mário,

Sem dúvida o Obama é possuidor de uma enorme dose de autoestima, para colocar a questão de modo educado.

É uma característica essencial para explicar o lançamento de uma carreira política, mas também dificulta as negociações e o dia a dia do poder.

abraços