sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Bailarina



Maritza Garrido era uma promissora bailarina e professor de dança no Peru, até ser presa em 1992, numa operação policial espetacular que capturou, em sua casa num bairro de classe média de Lima, o líder do Sendero Luminoso, Abimael Guzmán. O “presidente Gonzalo”, ou a “quarta espada do comunismo”, como ele se autodenominava, já havia sido objeto da excelente biografia escrita por Santiago Roncagliolo. Mas Maritza continuava pouco conhecida, até que esta semana o jornalista inglês Nicholas Shakespeare publicou um ótimo perfil sobre ela.

Shakespeare escreveu dois romances sobre o Sendero, sendo que o mais famoso deles, The Dancer Upstairs, foi adaptado para o cinema, no filme “Guerrilha sem Face”, dirigido por John Malkovich. A trama é uma ficcionalização da ascensão e queda do Sendero, no qual a personagem Yolanda, inspirada em Maritza, tem papel decisivo. Mas Shakespeare não a conhecia pessoalmente até agora, ao visitá-la na cadeia onde ela cumpre pena de 25 anos por ter abrigado Guzmán em sua casa.

Yolanda é uma mulher misteriosa e o espectador nunca sabe por que ela aderiu ao Sendero. A conversa de seis horas de Shakespeare com Maritza ajuda um pouco a compreender seu percurso. Jovem de família privilegiada, muito religiosa, que pensava em ser missionária. O Sendero apareceu como uma promessa de idealismo e de mudança radical da sociedade, mesmo que às custas de um banho de sangue que matou 70 mil pessoas em 12 anos de confronto.

O grupo não foi totalmente desmantelado com a prisão de Guzmán e remanecentes atuam na Amazônia peruana, há pouco foi descoberto que tinham planos de assassinar o ministro da Defesa para marcar o aniversário de 30 anos do Sendero. É certo que o idealismo pode com frequência ser a recusa em aceitar a realidade imperfeita em que vivemos e levar a surtos de violência, mas ainda assim é difícil ligar os pontos que transformaram Maritza numa seguidora fanática de Guzmán, em vez de uma simpatizante de salão, que executasse pequenas tarefas.

Entender essa trajetória é um desafio para todos que se interessam pelo Peru, pois só desse modo será possível compreender como o movimento político mais sanguinário da América do Sul foi fundado e comandado por pacatos professores de província .

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