sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A Batalha do Egito



Nada é mais poderoso do que uma idéia cujo tempo chegou.
Abraham Lincoln

Hoje é sexta-feira, dia sagrado no islã. A rebelião no Egito prossegue com duas notícias contraditórias e explosivas: a entrada da Irmandade Muçulmana nos protestos e a chegada ao Cairo do homem que é o principal adversário político do presidente Hosni Mubarak: o diplomata Mohamed El-Baradei, que chefiou a Agência Internacional de Energia Atômica e recebeu o Nobel da Paz por seu trabalho na instituição. Simultaneamente, a onda de manifestações alcançou o Iêmen, onde a população pede ao presidente que siga o exemplo do ditador deposto da Tunísia, e fuja para a Arábia Saudita.

O Egito é a peça-chave na engrenagem das revoltas, ocupando um espaço semelhante ao da Alemanha em 1989. Além de ser o país mais populoso e de maior economia entre as nações afetadas pelos protestos, é um ator importante nos processos de guerra e paz no Oriente Médio e foi o centro tanto do pan-arabismo quanto do fundamentalismo islâmico. Agora, uma vez mais, os acontecimentos do Cairo ditam o ritmo para o resto do mundo árabe.

A Irmandade Muçulmana foi fundada na década de 1920 e ao longo do século XX foi uma força minoritária diante do nacionalismo secular que predominou no Egito sob o governo de Nasser, nos anos 50 e 60. Mas ela ganhou influência devido ao fracasso dos projetos de desenvolvimento econômico e das derrotas militares para Israel. A Irmandade realizou diversos atos terroristas, desde os tempos da monarquia e passou a maior parte de sua existência como uma organização clandestina. Atualmente, é proibida no país, mas exerce seu poder por meio de instituições de fachada. Sua decisão de entrar nos protestos é explosiva, e pode alterar o rumo das manifestações.

Já El-Baradei é uma alternativa de peso para os Estados Unidos, caso a situação de Mubarak chegue a um nível de tal fragilidade que ele não consiga mais se manter no poder. O reformismo moderado defendido por El-Baradei responde aos anseios americanos de um Egito estável que apóie Israel e seja uma barreira ao fundamentalismo islâmico. A questão é saber se o político conseguirá dialogar com os jovens e dinâmicos ativistas que têm sido o motor dos protestos egípcios.

Eles têm se mostrado extraordinariamente criativos e corajosos, sobretudo no uso das novas tecnologias de comunicação. Em resumo: usam o Facebook para marcar a data dos protestos, o Twitter para discutir logística e maneiras de atuação, e o You Tube para divulgar imagens dos enfrentamentos com a polícia. Impressionante por qualquer padrão de análise.

Seu exemplo contagiou até o mais pobre dos países árabes, o Iêmen, onde aliás o Egito de Nasser interveio de modo desastrado numa longa guerra civil. Os manifestantes reagem a uma decisão do parlamento que permitiria a reeleição sem limites do presidente Ali Abdullah Saleh e criticam em especial o péssimo estado da economia local.

18 comentários:

Ricardo Dunshee de Abranches disse...

Mestre Mauricio,

Sua comparação na Globonews entre o momento atual do mundo árabe e a queda do Muro de Berlin não poderia ter sido mais apropriada.

Apesar de não ter um regime comunista a liderar o bloco como na antiga Cortina de Ferro, todos querem mesmo é uma perspectiva de vida melhor com mais liberdade, longe do jugo corrupto do aparelho opressor dos governos ditatoriais.

O problema entretanto, como você bem colocou, é que esses movimentos espontâneos acabem virando massa de manobra para fundamentalistas radicais.

No caso do Egito, a esperança é que Elbaradei por sua projeção internacional, faça a diferença e se torne um interlocutor confiável para construir as bases de uma sólida democracia na região.

Forte abraço,

Ricardo Dunshee

Maurício Santoro disse...

Salve, meu caro.

Pois é, a Leila levantou a ótima comparação com o que houve no Irã após a queda do Xá, como o exemplo do que pode ocorrer se as coisas derem errados e tivermos Teerã 1979 em vez de Berlim 1989...

Estou muito espantado com a força e a abrangência dos protestos, bastante curioso para ver o que acontecerá com países como o Líbano.

São tempos interessantes, meu caro!

Abraços

Thiago Quintella de Mattos disse...

Comentários do Ricardo, complementos do Maurício. Acabaram-se minhas opiniões aqui hehe. Enalteceria justamente a feliz associação com 1989. As lições da História hão de rumar as consequências deste momento nos países árabes para uma via mais democrática, sem haver a reação a um extremo opositor.
Maurício, esta sua sequência de análises está sensacional!

André disse...

Vendo os protestos se espalhando por todo o Egito na Al Jazeera.
É difícil descrever. Cenas dramáticas. Os manifestantes parecem estar ganhando em Alexandria e em Suez, muitos protestos em tudo quanto é cidade do país. Policiais abandonando o regime e se juntando aos protestos em Alexandria, soldados abraçando o povo no Cairo. Tudo está acontecendo muito rápido.

Estou confiante, que seja revolução no Egito!

Maurício Santoro disse...

Salve, Thiago, salve, André.

Estou muito impressionado com a velocidade dos acontecimentos, parece mesmo 1989, com aquela sensação de que é impossível controlar o fluxo dos protestos. Acompanhemos os próximos dias, que prometem ser emocionantes!

abraços

Anônimo disse...

salve, santoro,

que tempos interessantes, hein? parafraseando o velho pasquim, enquanto o mundo gira a lusitana roda.
pois sim, a "al jazeera" e a "press tv - http://www.presstv.ir/", estatal iraniana, pasme o professor, continuam dando um show de cobertura.
arrisco a dizer que até o serviço internacional da bbc "gagueja" no acompanhamento dos acontecimentos. que coisa!

abçs

carlos anselmo-fort-ce

Glaucia Mara disse...

A decisao da ditadura egipicia de bloquear internet, é um verdadeiro tiro no pé.
Esses velhos caqueticos ainda nao entenderam que essa nova forma de poder, que emana naturalmente do povo, é um caminho sem volta. A velocidade em que tudo isso esta acontecendo nos está deixando a todos desconcertados, e prefiro acreditar que será como aquela noite magica, em que caiu o muro de Berlim.
Mas o caminho da democracia será longo, e cheio de pedras pelo caminho. Muito sangue ainda será derramado, mas os egipcios, que tremenda bravura estao dando os primeiros passos.

Glaucia Mara disse...

PS. Esqueci comentar, curioso ver tua cara na TV depois de tantos anos seguindo esse blog. Espero que se repita muitas vezes.

Mário Machado disse...

Que seja 1989 na Alemanha e não um 1979 no Irã.

marcelo l. disse...

Bom, a revolução de 1989 no leste europeu também não foram só as petálas da rosa, teve seus espinhos.

Cada país se ocorrer a queda dos ditadores deverá ter uma dinâmica política interna e a agenda externa com pontos de concordância e discordância com essa figura quase mitológica chamada Ocidente.

Se a democracia turca tem conflitos em termos de política externa, advinha governos que serão mais pressionados pela população a agir com parlamentos instáveis e grupos de oposição procurando ocupar espaço.

Mas, minhas apostas seria a mesma que do Patricio, uma saída chinesa depois em uma analise heterodoxa como a Bolivia com suas contradições e agendas externas e interna nem sempre ao nosso gosto.

marcelo l. disse...

Tem uma variante sobre o que vai ocorrer em termos de regimes se houver a queda, é como o "Ocidente" vai agir antes disso ocorrer, por que não sei se saiu na imprensa ocidental, mas no cairo tem-se a informação que o representante de Mubarak (Mohammed Hussein Tantawi) está nos EUA tentando liberar equipamentos anti-motins, a resposta dos EUA é desconhecida.

E Israel pode ocupar Rafah, se o regime de Mubarak cair.

São dois fatos que azedam qualquer começo de relação entre novo regime e o Ocidente...

PS: Tirei de sites egipcios as notícias.

marcelo l. disse...

Prezado Mauricio,

As notícias no Cairo parecem voar...se o abaixo for verdade o Faraó caiu...

Trad Arábe.

Adeus, adeus Mubarak? RT @ ansanjose: acabei de ouvir a partir de uma fonte confiável diplomática no Egito. Presidente Hosni Mubarak, deixou o país e sua família para a Arábia Saudita 2 minutos atrás...

___

Antes já tinha informação que o Aeroporto King Khalid está com segurança reforçada.

Maurício Santoro disse...

Caros,

Tudo está a mil no Egito, acabo de ver os noticiários da noite e tudo aponta para a perda de controle de Mubarak: bloqueio da Internet e celulares, toque de recolher (derespeitado pela população), prisão de El-Baradei, sede do partido do presidente em chamas, chancelaria ocupada pelos manifestantes...

União Européia e EUA pedem a Mubarak para realizar reformas e não usar a violência, mas o discurso dele foi muito duro, negou a legitimidade dos protestos.

A ver os desdobramentos!

abraços

Luciano disse...

Caro Maurício, escrevi texto sobre o mesmo assunto, e lancei uma aposta para o Jornal Nacional de 29 de janeiro - sábado: http://asarvoressaofaceisdeachar.blogspot.com/2011/01/obama-da-as-cartas-pig-obedece-e-nos.html

Mário Machado disse...

Dr,

Cada vez mais você emergirá como o gênio dessa crise. Por que até a velocidade dos acontecimentos parecem com os de 1989.

Eu vi nessa tarde (até escrevi sobre isso, que propaganda sem vergonha!!) um grupo de populares passar por um tanque sem a mínima reação dos soldados, numa cena idêntica a cena final do "V de vingança". E cada vez mais parece que o regime cairá, mas começo a achar que veremos um golpe militar.

Abs,

marcelo l. disse...

Prezado,

Não consigo ver depois do discurso falido de ontem, ver o Mubarak esteja pensando em largar o poder, se tiver apoio das forças armadas vai controlar as coisas com repressão bem forte.

Anônimo disse...

oi, santoro,

as ditaduras recorrem aos mesmos expedientes, parece uma mantra desses regimes autoritários e opressores do povo.

aqui no brasil, um ditador passou o governo pro seu chefe dos seviços de segurança, lembra?
lá no egito, o presidente, agorinha nomeou seu vice, cargo nunca preenchido, que, coincidentemente, é o tal chefe da segurança. imediatamente o caquético abdhula da arábia saudita emprestou apoio "material" ao governo egípcio.

por último, a tv aljazeera continua dando um banho de reportagem no olho do furação da terra dos faraós.

abçs

carlos anselmo-fort-ce

Maurício Santoro disse...

Salve, Luciano.

Vou dar uma olhada no seu post e depois comento!

Mário, meu caro.

Ainda é cedo para comemorar, muita coisa pode dar errada, mas estou escrevendo sobre a relação dos manifestantes com os soldados. Parece mesmo cena de filme, é emocionante acompanhar tudo tão rápido!

Salve, Carlos.

Pois é, o Suleiman é o Figueiredo do Mubarak, mas o contexto político é diferente, é como se o Geisel quisesse nomear o filho como sucessor, em vez de escolher outro general. Estou publicando um novo post, sobre isso.