sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Egito: a praça, os quartéis, as mesquitas



Os protestos contra a junta militar que governa o Egito desde a queda da ditadura em fevereiro foram motivados pelas medidas autoritárias tomadas pelas Forças Armadas, como a prisão de cerca de 12 mil ativistas, tortura de vários deles, e o constantemente adiamento de eleições – as presidenciais podem ocorrer só em 2013. As manifestações desta semana resultaram em mais de mil feridos e 30 mortos, com um inédito pedido de desculpas da junta à população. Ministros civis do governo renunciaram e o secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa (ex-chanceler de Mubarak) foi convidado para o posto de premiê. Este round foi vencido pelos movimentos pró-democracia, mas o desfecho segue incerto.

A Tunísia já realizou suas eleições legislativas e o novo parlamento, comandado por um partido islâmico moderado, elaborará a constituição democrática. A situação do Egito é mais complexa, porque as Forças Armadas que governam o país desde 1952 são maiores, mais poderosas e construíram um império econômico do qual não querem abrir mão. A força partidária mais relevante, a coligação comandada pela Irmandade Muçulmana, ocasionalmente protesta contra os militares, mas compartilha com eles o adversário comum: os novos movimentos sociais como o 6 de abril, nos quais os jovens têm papel de destaque.

As eleições parlamentares do Egito estão marcadas para começar no dia 28, e foram confirmadas apesar de rumores e solicitações para que fossem adiadas por uma ou duas semanas, em função dos problemas logísticos – o próprio ministro do Interior afirma que não pode garantir a segurança pública durante as votações. A nova lei eleitoral da junta é considerada consensualmente ruim e confusa, divide os distritos do país entre proporcionais com lista fechada (dois terços) e um modelo misto no qual podem concorrer candidatos independentes. As indefinições dificultam aos mais de 40 partidos elaborar estratégias coerentes para disputar votos e prejudicam em especial as novas siglas e movimentos, ainda em processo de consolidação. Favorecem, claro, o grupo mais antigo e bem-organizado: a Irmandade Muçulmana, fundada em 1928 e com ampla rede de mobilização e serviços sociais.

Ninguém duvida que a coligação islâmica seja a vitoriosa nas eleições, a discussão é quantos votos terá – especula-se que entre 40%-60% do total. O parlamento terá a tarefa crucial de elaborar a nova constituição democrática, mas a junta militar pressiona para que vários temas fiquem como “supra-constitucionais”, isto é, fora da alçada de deliberação democrática. A mais controversa é a proposta de que o orçamento de Defesa seja secreto.



A mobilização social no Egito tem sido impressionante e reuniu uma grande frente formada tanto por ativistas de classe média como por movimentos populares, como os sindicatos – cuja longa luta contra Mubarak foi importantíssima para a queda da ditadura. Isso criou contrapesos contra as medidas da junta militar, embora não tenha conseguido evitar a repressão política. Não ajuda que o comandante do grupo, marechal Hussein Tantawi (ironizado na foto que abre o post), tenha sido por 20 anos o ministro da Defesa do antigo regime.

Nenhuma transição democrática é fácil, e a do Egito certamente será mais difícil do que a da Tunísia. Em nome da estabilidade política, terão que ser feitos acordos com os militares, provavelmente com a garantia de que continuarão a desfrutar de parcela considerável do seu atual poderio econômico. E as Forças Armadas continuarão a representar para o Ocidente as fiadoras do processo de mudança, a garantia de última instância de que os fundamentalistas não tomarão o poder, de modo semelhante ao papel que desempenharam na Turquia e na Argélia.

2 comentários:

Marc Jaguar disse...

Caro Amigo e Mestre Mauricio

Bela analise da conjuntura egipcia.
Parabens!
Me permita caminhar um pouco por um vies mais cetico, pois creio que existem varios dados nessa equacao que podem ter como resultado uma nao caminhada em direcao ao fortalecimento do poder democratico no Egito.
Nao estou afirmando que isso ira acontecer, mas percebo que, sob determinados aspectos, a instabilidade na questao politico-social no Egito estah cada vez mais tendendo ao desequilibrio do que a um caminho de solucao democratica.
Tenho cah para comigo serias restricoes quanto aos verdaeiros objetivos da Irmanadade Muculmana. Um de seus principais porta-vozes concedeu uma entrevista alguns meses atras onde deixou no ar muito mais sinais de alerta do que de tranquilidade em relacao aos objetivos desse grupo. Vou tentar encontrar o link para essa entrevista e post aqui mais tarde.
A meu ver, uma das grandes questoes qserem respondidas mais prontamente seria a seguinte: o Egito estah caminhando para se tornar um Estado mais ou menos laico em face dos eventos atuais?
Historicamente, as Forcas Armadas, e em particular o Exercito, sempre foram os reais garantidores do laicismo dentro do Estado.
E eh claro que, pelo que temos observado nos paises onde a visao religiosa tem ocupado mais espaco dentro do espctro politico, a democracia, por sua vez, tem perdido o seu.
Acredito ser muito importante acompanhar com cuidado os desdobramentos dessa nova crise egipcia.

Forte abraco, Mauricio!

Goncalez

Maurício Santoro disse...

Salve, meu caro.

Espero que você esteja bem instalado nos EUA!

Os militares garantem o caráter laico do Estado na Turquia, mas não no Egito, no qual a sharia é uma das bases da legislação. Havia uma relação muito próxima entre o governo e os clérigos, em particular os da universidade Al-Azhar, uma espécie de Harvard da teologia sunita.

Até este momento o que Irmandade tem proposto é, em linhas gerais, a continuação desse modelo. Que é semelhante ao que existia na Tunísia, na Líbia e no Iraque pós-Saddam Hussein. Embora o Egito seja mais conservador do ponto de vista religioso do que esses países.

Mas enfim, muita coisa pode dar errada na transição.


abraços