segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Questões Para a Comissão da Verdade



Na sexta-feira a presidente Dilma Rousseff sancionou duas leis importantes relacionadas à transparência e à memória histórica: a Criação da Comissão da Verdade (para investigar violações de direitos humanos no período 1946-1988) e a Lei de Acesso à Informação, que acaba com o sigilo eterno de documentos oficiais e estabelece normas mais abertas para sua classificação e consulta. Falei sobre o significado da nova legislação à revista britânica Economist e à rádio CBN.

Boa parte da cobertura de imprensa se concentra nas razões pelas quais o Brasil é um retardatário internacional nas duas iniciativas, que já foram implementadas em dezenas de países. Contudo, há questões em aberto para a Comissão que devem ser discutidas nos próximos meses - a previsão é que ela comece a funcionar daqui a um semestre. Destaco quatro pontos:

1) Composição. Seus sete integrantes serão escolhidos pela presidente Dilma, provavelmente de modo a refletir a amplitude das forças que defendem os direitos humanos no Brasil, com representantes de igrejas, partidos, meio acadêmico. A negociação da Comissão no Congresso foi um modelo de entendimento suprapartidário e é de esperar que os trabalhos da instituição continuem assim. Seria importante ter participantes das Forças Armadas, talvez um oficial-general da reserva. Afinal, uma das consequências menos discutidas da ditadura foi como o regime autoritário destruiu uma importante tradição da esquerda militar, vinculada aos movimentos sociais desde o início da República.

2) Modo como irá operar, sobretudo se suas audiências serão públicas (como na África do Sul) ou a porta fechadas (Argentina). O melhor modelo para o Brasil contemporâneo é de reuniões abertas. Poderíamos ter, por exemplo, programas de TV ou rádio que acompanhassem os trabalhos da Comissão. A Internet oferece novas e extraordinárias possibilidades de participação que podem ser aproveitadas.

3) Como realizará o trabalho de investigação e apuração de fatos. A maior parte de suas homólogas nos diversos países incluiu viagens a zonas remotas do interior e locais nos quais ocorreram graves violações de direitos humanos. No Peru, foram realizadas muitas entrevistas com camponeses e indígenas das regiões montanhosas mais atingidas pela violência, reunindo um acervo valioso de história oral de segmentos da população marginalizados. No Brasil, o mesmo pode ser feito em zonas como o Araguaia, ou com os posseiros atingidos pela expansão da fronteira agrícola no Centro-Oeste e Amazônia, ou ainda nas lideranças dos movimentos das favelas das grandes cidades, vítimas quase sempre esquecidas da ditadura militar.

4) O papel das empresas privadas no financiamento à repressão política ainda é assunto tabu no Brasil, pouco discutido inclusive na reflexão acadêmica. A Argentina fornece exemplos importantes, tanto no envolvimento de multinacionais estrangeiras quanto das firmas locais com o aparato de prisões ilegais e torturas.

A Comissão brasileira será menor e terá menos funções do que aquelas criadas em outros países e por isso continua a despertar críticas da Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos. Ainda assim, sua implementação é um passo importante e ela é uma iniciativa de política externa, tanto quanto de política doméstica. No mundo da Primavera Árabe e das transformações de direitos humanos na América Latina, uma nação que aspira à liderança internacional precisa afirmar compromisso com a democracia (a não ser, claro, que seja uma potência econômica como a China, ou que clame uma bandeira de legitimidade religiosa como Irã).

Um comentário:

Marc Jaguar disse...

Prezado Amigo e Mestre, Mauricio

O terreno historico e etico sobre o qual a Comissao da Verdade irah caminhar eh imensamente fragil e irregular.
Eu, de minha parte, mesmo sendo militar de carreira, acredito que o resgate historico eh algo importante para servir de ensinamento do periodo vivido no Brasil no periodo, sobretudo dos governos militares (desculpe-me, mas a referencia o periodo preh 64 na esfera temporal da dita Comissao eh mera figura de retorica).
Espero que essa dita comissao nao venha a perpetrar injusticas ou revisionismos baseados em visoes ideologicas, pois isso nao serah bom para o pais.
Quanto a Alta Comisaria da ONU para os Direitos Humanos, a sul africana Navi Pillay defender que, na pratica o Brasil revogue a Lei da Anistia, isso me parece uma piada de mau gosto.
Primeiro porque sobre tal questao jah existe uma resolucao do STF, o que representa um ponto final sob o ponto de vista juridico. Segundo porque o que ela exige que seja feito no Brasil nao foi feito no pais do qual ela eh originaria, o que eu tambem acho que foi o certo, pois acredito que a solucao sul-africana para resgatar o periodo do apartheid foi a medida certa para colocar a Africa do Sul no caminho para sua paz social e sua democracia. Lembrando que o lider do processo foi Nelson Mandela, que passou a maior parte de sua vida em uma prisao do regime.
Essa senhora deveria ter aprendido com a historia de seu proprio pais ao inves de ficar tentando ensinar aos outros povos como devem escrever as suas.

Forte abraco, Mauricio!

Goncalez