quarta-feira, 20 de abril de 2011

A Campanha Permanente



Nosso país
sempre teve interferência
nas grandes conferências
da paz universal
É o gigante
Da América Latina
Uruguai e Paraguai
Bolívia, Chile e Argentina

“Conferência de São Francisco”, samba enredo da Prazer da Serrinha, carnaval carioca de 1946

Campanha Permanente: o Brasil e a reforma do Conselho de Segurança da ONU”, do diplomata João Augusto Costa Vargas, organiza e sistematiza em livro os argumentos do Itamaraty em defesa do papel de maior destaque que o governo brasileiro almeja ter na instituição. Como o tema ganhou enorme projeção na política externa, é uma leitura importante para entender decisões recentes da chancelaria.

O pleito brasileiro precede a criação da ONU. Na antiga Liga das Nações (1919-1945), o Brasil sonhava com um lugar no conselho permanente, que refletia as ambições multilaterais crescentes do país após a participação na Segunda Conferência da Haia e nas negociações do Tratado de Versalhes. Era um desejo fora de sintonia com o poder nacional à época, e as constantes rebeliões militares da década de 1920 tornaram o governo do presidente Arthur Bernades ávido por sucessos externos. Ao ver barrada sua pretensão na Liga, o Brasil retirou-se da instituição.

A participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, a aliança com os Estados Unidos, e a crise da Argentina naquele período fizeram o governo brasileiro acreditar que teriam vaga permanente no Conselho de Segurança quando a ONU foi criada. Isso não ocorreu, entre outras razões porque Stálin acreditava que o Brasil sempre votaria com os EUA.

Nas primeiras duas décadas das Nações Unidas o governo brasileiro foi bastante ativo no Conselho. Mas entre 1968-1988 o Brasil optou por ficar de fora da instituição, desgostoso com sua paralisia diante das principais crises da Guerra Fria e temendo o desgaste que poderia vir por ter que tomar posições em temas polêmicos, como os que envolviam o império português na África. O jogo mudou no pós-Guerra Fria, quando o Conselho de Segurança assumiu papel mais ativo em missões de paz (mais numerosas e de maior escopo) e em novos temas como combate ao terrorismo, enfrentamento da AIDS, adpatação às mudanças climáticas e até como lidar com problemas sociais de mulheres e de crianças.



Vargas argumenta que a principal motivação do Brasil na “campanha permanente” é obter influência mais profunda sobre o gerenciamento da nova ordem internacional, e que a busca de prestígio é uma razão secundária. Ele classifica os pontos mais importantes do discurso brasileiro em quatro itens: 1) reformar o Conselho é vital para legitimá-lo diante da comunidade internacional, tornando-o representativo das novas potências emergentes; 2) Para o público doméstico brasileiro, a estratégia é convencer a opinião pública de que estar no Conselho favorece os interesses nacionais, por meio da definição da agenda de segurança global 3)o Brasil precisa integrar a instituição por conta de suas credenciais de poder, de confiabilidade e tradição diplomática de resolução pacífica de conflitos; 4) o Brasil no Conselho fortaleceria a América Latina na ONU.

O Conselho tem cinco membros permanentes, com direito a veto: EUA, Reino Unido, França, China e Rússia. Em 1965, o número de integrantes não-permanentes, que exercem mandatos de dois anos, foi ampliado de seis para dez, por pressão do bloco afro-asiático, que crescia em meio à descolonização. Em 1971 Taiwan foi substituída pelo governo comunista como legítimo representante da China. Em 1991, a Rússia herdou o posto que pertenceu à extinta URSS. Essas foram as reformas que ocorreram no Conselho desde sua criação em 1945.

Nos últimos 20 anos houve uma série de iniciativas para mudar a instituição (proposta Razali, Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudanças, G-4, Consenso de Ezulwini). O Brasil alinhou-se com Alemanha, Índia e Japão no G-4, defendendo em 2005 a criação de dez novas vagas, sendo quatro em caráter permanente, sem direito a veto nos primeiros 15 anos – depois haveria uma conferência para discutir o assunto. Os principais obstáculos à reforma estão nas rivalidades regionais (por exemplo, a recusa da China em admitir Japão e Índia), mas também há desentendimentos entre os emergentes - a África quer a ampliação com direito a veto para os novos membros.

Eventual mudança no Conselho irá demorar a ocorrer e os debates sobre a política externa brasileira para a ONU ainda são muito frágeis. Além de discutir as chances do Brasil, é preciso examinar as propostas e interesses do país no órgão, e a visão de como a atuação no Conselho de Segurança se relaciona com os esforços brasileiros em outras instâncias das Nações Unidas, como a Assembléia Geral, os Conselhos de Direitos Humanos (Genebra) e Econômico e Social (Nova York) e programas e agências como a FAO, cuja diretoria-geral é disputada por um candidato nacional. O livro de Vargas é ótimo início para a conversa.

3 comentários:

Wellington Amarante disse...

Olá, Maurício!

Estudos como esse, são exemplos de quão complexo é o debate sobre política externa. A todo momento nos deparamos com análises apressadas e sem profundidade, muitas vezes utilizadas para denegrir a imagem do presidente de plantão.

O livro parece ser um claro exemplo daquilo que chamamos de tradições da diplomacia brasileira.

Já encomendei o meu.

Abraços.

Maurício Santoro disse...

Salve, Wellington.

O livro deveria ser leitura obrigatória para comentaristas sobre política externa brasileira, ele analisa várias informações fundamentais para se entender a posição do Brasil.

abraços

Mário Machado disse...

O que ninguém nunca quer "contar" ao grande público é o preço da ativismo político. Ninguém fala ao povo brasileiro o custo em sangue e tesouro de uma vaga como essa.