sexta-feira, 15 de abril de 2011

Políticas do Véu: Ataturk, Khomeini, Sarkozy



O corpo das mulheres com frequência é campo de batalha para disputas religiosas. No dia 11 a Assembléia Nacional da França aprovou lei banindo dos espaços públicos (inclusive ruas, praças e parques) véus que cobrem o rosto, como o niqab e a burca. A decisão se soma à legislação mais antiga, como a medida de 2004 que proíbe nas escolas os véus menores, que ocultam os cabelos. O presidente francês Nicholas Sarkozy se junta a Kemal Ataturk, fundador da República da Turquia, e ao aiatolá Khomeini, líder da Revolução Islâmica do Irã, como parte do rol de governantes que trataram a moda feminina como questão de Estado.

Ataturk expulsou os exércitos estrangeiros que haviam ocupado a Turquia nos anos caóticos do fim da Primeira Guerra Mundial. Depôs o sultão, aboliu o califado, mudou o alfabeto, mandou os homens trocarem o fez tradicional pelos chapéus ocidentais e proibiu as mulheres de usarem o véu em prédios governamentais. Mas desde 2002 o país é governado por um partido islâmico, e a esposa do primeiro-ministro ostente orgulhosa o véu que simboliza seu compromisso com a religião.

Khomeini viveu sob os regimes modernizantes xá no Irã, do partido Baath no Iraque por um certo tempo, na própria França. A Revolução de 1979 foi uma coalizão entre ativistas islâmicos, militantes da esquerda e liberais, mas logo ficou claro para onde pendia o pêndulo do poder. A imposição à força do véu foi um trauma para toda uma geração de mulheres que se julgava livre e até hoje seu uso é obrigatório, embora com menos exigências do que no período revolucionário mais violento.

A França tem cerca de 5 milhões de habitantes muçulmanos e o governo estima que entre 400 e 2 mil mulheres usem niqabs e burcas no país. O número não encheria nem um modesto estádio de futebol, mas nova lei se explica no contexto de um conflito cultural e político mais amplo. O partido de Sarkozy, a conservadora UMP, perde terreno para a Frente Nacional, de extrema-direita, que encontrou uma líder dinâmica em Marine Le Pen (filha de Jean-Marie, que foi o segundo colocado nas eleições presidenciais de 2002). As pesquisas lhe dão vitória sobre Sarkozy no primeiro turno das próximas disputas.

Como em toda a Europa, a conjugação de medos da crise econômica e do extremismo religioso é um chamariz para políticos que exploram a xenofobia. A Suíça, por exemplo, proibiu recentemente a construção de minaretes – as torres das quais se faz o chamado para orações nas mesquitas. Sarkozy expulsou os ciganos da França em 2010 e pouco depois seu partido realizou uma controversa conferência sobre “o papel do Islã na sociedade”. O presidente criticou o multiculturalismo como fracasso, afirmando que imigrantes devem se integrar à sociedade francesa. Ele próprio é filho de pai húngaro e casado com uma italiana.

Há duas objeções básicas à lei do véu. A primeira é aquela que, fundada nos princípios liberais, nega ao Estado o direito de intervir em decisões da vida íntima das pessoas, como a escolha da roupa. O que vestimos é uma forma de nos expressarmos, uma afirmação da identidade, tanto como aquilo que escrevemos ou que falamos. A segunda questiona se é possível implementá-la. Os sindicatos dos policiais dizem que não. Seus representantes afirmam que prender muitas mulheres em bairros muçulmanos provocaria enorme perturbação da ordem pública, e há problemas práticos de identificação – a legislação não autoriza a polícia a tirar os véus das mulheres, apenas a conduzi-las até uma delegacia e multá-las em 150 euros.

A opinião pública francesa aprova a nova lei por maioria esmagadora, entre 70% e 80% segundo as pesquisas. O governo a justifica com base no caráter laico da República. Esta, em suas muitas encarnações, foi marcada por conflitos com muçulmanos e budistas nas colônias afro-asiáticas, perseguições antissemitas e fortes movimentos políticos católicos, de direita e de esquerda. É um bocado de religião para um discurso de laicidade.

2 comentários:

Mário Machado disse...

Dr,

Escrevi ontem sobre o mesmo tema a convergência ataca novamente.

É muito estranha essa vontade de legislar sobre o comportamento e vestimenta nas ruas. Ainda entendo leis que visam decoro em prédios públicos (tipo não ir de bermuda ao tribunal).

E o pobre art 18 da Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU vai sendo maltratado.

Se tiver a curiosidade de ler o que escrevi a visita será bem-vinda..

Abs,

Maurício Santoro disse...

Salve, Mário.

Com prazer, acabo de chegar em casa depois de uma maratona de aulas de teoria política, vou checar a correspondência e visitar seu blog.

abraços