segunda-feira, 23 de novembro de 2009

São José dos Campos: desenvolvimento à brasileira



Na semana passada estive em São José dos Campos, para dar aulas em um Seminário de Altos Estudos promovido no Parque Tecnológico local. Foi uma experiência enriquecedora: lecionar relações internacionais para um público não-acadêmico e, simultaneamente, conhecer de perto a fantástica experiência do pólo aeronáutico da cidade.

A coordenação do Seminário me havia pedido um programa que abordasse as transformações contemporâneas na política internacional, com ênfase na América Latina. Estruturei as aulas a partir de reflexões sobre o que aconteceu após a queda do Muro de Berlim e expus aos alunos um pouco dos debates sobre a nova ordem internacional: os avanços e impasses da União Européia, a ascensão dos BRICs etc. Um dos temas que mais mobilizou a turma foi em que medida a globalalização econômica cria oportunidades para países em desenvolvimento e usei a fórmula do professor de Harvard Dani Rodrik - “uma economia, muitas receitas”. Dito de outro, modo, os mercados estão cada vez mais interdependentes, mas cada país tem que procurar a melhor maneira de se integrar a esses fluxos internacionais. Tais escolhas são fruto de muitos conflitos sociais e visões de mundo de suas elites e populações, mas também se explicam em função da história local e de decisões tomadas às vezes em décadas anteriores.

Ilustrei o ponto com o próprio exemplo de São José dos Campos. A cidade foi modificada para sempre com a decisão da Aeronáutica, nos anos 1940, em instalar ali um Centro Tecnológico e um estupendo instituto de engenharia, de padrão internacional. A concentração de mão-de-obra qualificada acabou propiciando o que hoje se conhece como um “cluster de desenvolvimento”, a concentração de empresas de tecnologia avançada, centros de pesquisa e universidades num mesmo espaço geográfico, com significativos ganhos em inovação e economias de escala – Paul Krugman recebeu um Nobel por estudar tais fenômenos. O Vale do Silício, na Califórnia, é um exemplo de cluster na área de informática.

A Embraer é a filha mais famosa de São José dos Campos e pedi aos alunos que imaginassem o presidente de um país pobre que quisesse replicar o modelo para competir no mercado global de aviões. Precisaria de anos, embora pudesse economizar erros aprendendo com a experiência alheia e recorrendo à universidades estrangeiras para formar profissionais. Em seu período inicial, o próprio Instituto Tecnológico de Aeronáutica do Brasil se valeu bastante de docentes oriundos dos Estados Unidos, ainda no contexo de cooperação intensa entre os dois países, no início da Guerra Fria. Hoje, ironias da História, um belo avião Super Tucano fabricado pela Embraer está em frente à sede do complexo da Força Áerea na cidade – o mesmo modelo de avião que o Brasil tentou vender à Venezuela de Chávez, numa operação vetada pelo governo americano. A proibição foi possível pela presença de componentes dos EUA na aeronave.

Naturalmente, um dos temas nas conversas sobre América Latina foi o redespertar do interesse por Defesa nos países da região e expus brevemente o cenário para os principais países. A presença de tantos profissionais da indústria aeronáutica enriqueceu muito os debates e aprendi bastante sobre as diversas possibilidades e limitações da transferência de tecnologia nos três concorrentes do pacote de caças que a Força Áerea Brasileira quer adquirir. Enquanto o automóvel da organização me conduzia a 120 Km/h na moderna rodovia rumo ao aeroporto de São Paulo, tentei arrumar a cabeça para entender este admirável Brasil novo e seu imenso potencial. Receio que vou precisar de muitos anos para isso.

4 comentários:

Denny Thame disse...

muito legal!

Maurício Santoro disse...

A vida acadêmica nos traz muitas alegrias, não é?

A quantas andas em SP?

beijos

athalyba disse...

Gde Mauricio !!!

Vou fazer um comentário, mas relacionado a dois posts.

Primeiro, sobre ese aqui mesmo:
- Obrigado por partilhar a experiência, realmente a gente percebe que, além da ótima estruturação da sua palestra, vc gostou da experiência e isso é algo sempre muito legal de se ler. O que eu pederia, mui encarecidamente, que vc partilhasse tb as diferenças de transferência de tecnologia entre as propostas para o F-X2, já que estas embutem um forte componente geopolitico.

Sobre o post da visita do Ahmadinejad:
- A inserção no jogo global de potências (e candidatas a) deve ser mesmo na base da adesão ??? O fato da diplomacia brasileira estar forçando os limites do jogo não está jogando a favor dessa visão, uma vez que estamos em período de fortes abalos nos modelos de ação ???

abcs

Maurício Santoro disse...

Salve, Athalyba.

Estou mesmo devendo um post com os desdobramentos do FX2. Talvez quando a compra for confirmada, o que deve ser agora em dezembro.

Quanto ao Irã e o Conselho de Segurança, trata-se uma questão simples: O Brasil precisa do apoio dos cinco membros permanentes, e se indispor com todos eles por causa de uma nação bastante secundária para a agenda de política externa não me parece a melhor estratégia.

Abraços