terça-feira, 14 de outubro de 2008

O Nobel de Paul Krugman



Não é comum que a concessão dos Nobel seja comemorada como os resultados de uma partida de futebol, mas foi assim que muitos pensadores do desenvolvimento se sentiram com a decisão da academia sueca em conceder o prêmio de economia a Paul Krugman. O grande público o conhece por suas ferozes críticas a Bush, a partir de sua coluna no New York Times.

Sem dúvida o Nobel teve um certo ar de tapa na cara do presidente americano – como já havia ocorrido com a concessão do prêmio da paz a seu rival derrotado (fraudado?) Al Gore. Mas as idéias de Krugman têm importância bem maior do que a atual conjuntura política. Suas teorias ajudam a explicar os padrões de comércio internacional e a informar os governos que querem atuar para melhorar a posição de seus países na economia global.

O tema é complexo, mas tentarei resumi-lo. Os modelos clássicos do comércio internacional, como os de David Ricardo no século XIX, ou o Heckscher-Ohlin na década de 1930, basicamente prevêem que a maior parte do intercâmbio de mercadorias acontecerá entre países muito diferentes, cujas vantagens comparativas se concentram em fatores distintos, como terra, mão-de-obra ou capital. No exemplo mais comum de todos, usado pelo próprio Ricardo: Portugal exporta vinhos e importa manufaturados da Inglaterra. O problema é que o fluxo de comércio atual simplesmente não segue esse padrão. A maior parte dele acontece entre nações industrializadas, como Estados Unidos e os países da Europa Ocidental, e boa parcela ocorre entre matriz e filiais da mesma empresa ou entre companhias do mesmo setor, como o automobilístico.

Krugman ajudou a explicar por que o comércio real é tão diferente dos modelos clássicos, e o fez ressaltando os impactos da localização geográfica, da competição imperfeita (oligopólios) e das economias de escala. Suas percepções são úteis para entender o surgimento e desenvolvimento de regiões especializadas num determinado tipo de produto – os chamados clusters de desenvolvimento. Pensem, por exemplo, no que o Vale do Silício (EUA) e Bangalore (Índia) significam para a informática. Ou São José dos Campos, para a aviação brasileira. A proximidade espacial dessas empresas e em geral de centros de pesquisa/ensino associados a ela, gera diversas vantagens que ajudam a destacá-las com relação a outras firmas que, tomadas individualmente, podem ser muito parecidas.

São idéias que contradizem o cânone liberal clássico e Krugman tem sido utilizado com proveito por técnicos governamentais que planejam políticas de incentivo a indústria e ao comércio exterior, justamente por mostrar onde o mero funcionamento dos mercados não consegue explicar o desenvolvimento econômico. Contudo, é apressado usá-lo para justificar ações protecionistas. O próprio Krugman tem se manifestado com reservas e defendido medidas pontuais e cautelosas, em pequena escala.

8 comentários:

Ramon Blanco disse...

Grande Professor!
Realmente o Nobel de uns tempos para cá tem é distribuido tapas e também premiando (e assim legitimando) questões importantes.
No caso do Nobel da Paz é um exemplo claro com o microcrédito, mudanças climáticas e agora a mediação. Mais do que as pessoas, é realmente importante prestar a atenção nos assuntos premiados. Além de concordar com a visão de Krugman, como seu leitor gostei dele ter ganho.

Só adicionaria um ponto ao seu comentário com relação ao David Ricardo, aqui vê-se mais do que claramente a tão famosa frase de Cox "Theory is always for someone and for some purpose". Claro que as vantagens comparativas de Ricardo soam muito melhor do que "eu Inglaterra desenvolvo minha industria, faço a Rev. Industrial e domino o mundo e você Portugal fica agrário". Ta...ta... exagerei, ne?! hehehe...

Outro ponto, será que com essa entrada massiva dos EUA no sistema bancário o neo-liberalismo foi de vez por todas?!

Um abraço,
Ramon

Maurício Santoro disse...

Salve, Ramon.

Sim, o caráter político do Nobel tem andado bem acentuado. Neste ano mesmo, o prêmio da Paz foi para o diplomata finlandês que arquitetou a independência do Kosovo, que continua a causar protestos e tensões nos Bálcãs.

Quanto ao Ricardo, há um dito americano famoso: "Where you stand depends on where you sit." Ele era um financista inglês, teorizando sobre por que seu país era tão bem-sucedido.

É interessante contrastá-lo com autores como o americano Alexander Hamilton ou o alemão Friedrich List, que buscavam caminhos pelos quais industrializar seus países de origem.

Sobre sua pergunta, a última edição da Economist tem um editorial falando que é hora de deixar ideologias de lado e ser pragmáticos, mesmo que isso desagrade aos "free trade newspapers"... Vou lembrar disso na próxima crise latino-americana.

Abraços

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Muito instructiva. Em verdade näo savia sob os modelos do comércio internacional.
Näo sei se o Ricardo foi malintencionado; mais bem, penso que ele näo podia imaginar outro modelo... näo existia o comércio entre paises industriáis porque por issos anos industrial existia só umo! HAHAHA Nem falar dos centros especializados no desenvolvimento tecnológico...
Saludos!

Patricio Iglesias

Anônimo disse...

Mauricio,

Só um adendo, posso estar errado mas o prêmio nobel de economia não é reconhecido pela família ou a fundação nobel, quem é o patrono é o Banco Central.

Mas, o prêmio Paul Krugman foi merecido ainda mais agora

P.R. disse...

um dos poucos economistas que eu entendi. lembro até do seu triangulozinho. rs!

Maurício Santoro disse...

Patricio,

Bom ponto!

Marcelo,

O prêmio de Economia não foi criado pelo Alfred Nobel, ele surgiu só em 1969. O próprio Nobel havia selecionado várias instituições para conceder o prêmio (a academia sueca, um comitê do parlamento norueguês).

O de economia, de fato, foi criado pelo BC sueco, mas o banco delegou a tarefa de escolher os laureados à academia sueca, que já concedia vários dos outros prêmios.

Abraços

Anônimo disse...

Mauricio,

Obrigado pela resposta.

Sendo abusado, alguma notícia da economia chilena tão decantada e tão depende da exportação de cobre?

A minha pergunta é por que apesar da integração regional do Brasil e dos novos mercados a imprensa brasileira para variar ignora solenemente nossos vizinhos, preferiram até falar da Islândia...
E o mais estranho é que o Chile era visto como exemplo do que se devia fazer e agora nada.

Maurício Santoro disse...

Oi, Marcelo.

Nenhum abuso, pelo contrário. As exportações chilenas estão muito concentradas em poucas mercadorias: cobre, salmão, celulose, frutas, vinhos etc.

No entanto, o Chile tem alguns bons instrumentos para lidar com a crise. A saber:

1) Seu comércio exterior é bem balanceado, dividido em proporções mais ou menos semelhantes entre Américas, Europa e Ásia.

2) O país tem um fundo de estabilização onde são depositados parte dos recursos da exportação do cobre. Esse dinheiro fica armazenado e só é utilizado em situações de crise, como esta, para reaquecer a economia.

Dê uma olhada no marcador "Chile", na barra direita do blog. Escrevi há pouco tempo um post sobre os modelos de desenvolvimento do país que trata de alguns dos pontos que você levantou.

Escrevi um artigo sobre as conseqüências da crise para a América Latina. Deve ser publicado na sexta, e o reproduzirei no blog.

Abraços