sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Brasil, Cuba e a Longa Marcha dos Direitos Humanos na América Latina

Brasil e Cuba tem comércio bilateral significativo e diversos projetos de cooperação em áreas como saúde pública e energia. A presidente Dilma estará na ilha na próxima semana e a visita será dominadas pelos debates sobre direitos humanos. É inescapável, pelo enorme simbolismo da Revolução Cubana para a política na América Latina como uma referência em autonomia diante dos Estados Unidos e em reforma social. Mas a região é muito diferente hoje e o imaginário ocupado por Cuba é por vezes bastante incômodo. O país nunca será avaliado pelos mesmos critérios pelos quais se julgam ditaduras na China, Rússia ou Irã, e sim pelo descompasso com os padrões de seus vizinhos latino-americanos.

No auge da Guerra Fria, em meados da década de 1970, havia apenas duas democracias plenas na América Latina: Venezuela e Costa Rica - o México do PRI como um caso híbrido e ambíguo. A maioria dos habitantes da região eram pobres. Naquele contexto, Cuba não se destacava pelo autoritarismo – era a regra, à direita e à esquerda – e seus indicadores sociais eram muito expressivos.

Na América Latina de hoje, o único país no qual os governantes não são eleitos pelo voto é Cuba. É certo que as democracias da região continuam frágeis e repletas de práticas autoritárias: fraudes em larga escala no México, censuras e perseguições à imprensa na Venezuela, Argentina e Equador, grandes pedaços de território controlados pelo crime organizado na América Central, Colômbia, Brasil e México. Mas os avanços são notáveis e destacam-se na comparação com os outros continentes formados por nações em desenvolvimento, Ásia e África. Prisoneiros políticos praticamente desapareceram da América Latina, a não ser em Cuba e ocasionalmente na Venezuela – além, claro daqueles que os Estados Unidos encarceraram na base naval de Guantanamo. A pobreza caiu para um terço da população e houve ampla melhora dos padrões de vida e do consumo.

A Revolução Cubana perdeu seu apelo prático para a política da região. No Peru, México e Venezuela, os candidatos fazem campanha prometendo ser o próximo Lula – e não o futuro Fidel. As novas classes médias da região já têm dinheiro para passar férias no exterior, mas optam por conhecer os Estados Unidos ou nações vizinhas, e não a experiência socialista cubana.

Contudo, os países da região não criticam Cuba, fora uma ou outra exceção como a Argentina de Carlos Menem e o México de Vicente Fox - em ambos os casos, atitudes explicáveis mais pelo desejo dos dois presidentes em manter uma relação especial com os Estados Unidos. O regime cubano é tratado pelos governos latino-americanos como uma espécie de tio excêntrico e querido, de quem não se comenta os defeitos em respeito ao período em que foi importante na família, principalmente porque enfrentou o vizinho grandalhão e rico do qual todos tinham medo.

O mundo mudou e o velho parente irá falecer em breve. Igreja Católica, governos e organizações européias e canadenses estabeleceram bons diálogos com a oposição democrática na ilha, que em algum momento irá governar Cuba. Talvez ainda nesta década. Não é praxe das autoridades brasileiras buscar esse tipo de entendimento, em lugar nenhum do planeta, mas partidos políticos e movimentos sociais poderiam desenvolver uma agenda assim. Lançando, por exemplo, uma campanha “América Latina sem presos políticos.”

Algumas pessoas já tem essa mobilização, como o cineasta Cláudio Galvão da Silva e sua parceria com a escritora cubana Yoani Sánchez. Ele a convidou a vir ao Brasil para o lançamento de um documentário sobre censura em Cuba e em Honduras. O governo brasileiro concedeu o visto, mas as autoridades cubanas desde 2004 proibem Sánchez de sair do país. Ela já foi presa e espancada por suas opiniões. A presidente do Brasil também o foi. Isso não mudará a diplomacia brasileira, digamos, com respeito às Damas de Branco. Havana não é Teerã. Mas Dilma não fará como Lula, que comparou os presos políticos cubanos a criminosos comuns.

17 comentários:

marcos disse...

Isso de "foi espancada por suas opiniões" é bem controverso...

Diogo disse...

Sempre que alguma conversa desemboca em Cuba, eu faço as seguintes perguntas (e ao Mauricio também):

Se Japão e Alemanha, ao final da II Guerra, fossem submetidos ao bloqueio psicótico que sofrem os cubanos (e não recebido substancial apoio ianque), como estariam hoje?

E se Castro fosse aliado do Ocidente, seria tão execrado pela sua ficha corrida de desrespeito aos direitos humanos?

Vale lembrar que a imprensa ocidental não pode falar mal nem da barba do Ahmadinejad enquanto isentar a monarquia saudita...

Anônimo disse...

O espancamento é bem discutível. Temos como prova apenas a palavra dela. Não há uma foto, um exame, uma outra testemunha... E não esqueçamos de que ela morava na Suíça, mas pediu para voltar a Cuba. Ela também ganhou uma grana preta do El Pais num desses prêmios para escritores que lutam pela sacrossanta liberdade do capital mundo afora. Será que esses prêmios não são formas de remunerá-la? Obviamente essa menina faz o jogo de alguém. Mas, enfim,

SLeo disse...

Caro, impressionante, escrevi um texto hoje na mesma linha. Não tenho amor pela Yoani, mas o fato de ela voltar a Cuba, ou mesmo de ser remunerada pelo que faz pelo El Pais (jornal que está longe de ser um baluarte da direita) não a desqualifica.
Cuba é vítim de um embargo cruel, de raizes ideológicas e galhos eleitoreiros, mas nada disso apaga o fato de que Cuba é governada autoritariamente, por uma dinastia familiar. Há movimentos por liberalização, e o governo brasileiro aprece disposto a apoiar isso, inclusive economicamente (algo fundamental, dado o embargo). É um bom caminho.

Marc Jaguar disse...

Prezado Amigo e Mestre Mauricio

Cuba estah muito mais para para uma Ilha-Prisao que tem como seus Diretores/Carcereiros os Irmaos Castro e o Brasil, desde o primeiro governo Lula, tem mostrado muito mais admiracao do que repulsa ao que se passa por lah.
O governo brasileiro, no que toca a Cuba, tem protagonizado talvez as paginas mais vergonhosas da historia da nossa politica externa.

O alegado boicote americano contra Cuba eh soh mais um falso argummanto criado pelo tirano para manter-se no poder, assim como faz Chavez....afinal...."eles representam a resistencia contra os Ianques".
Torco muito para que o povo cubano se liberte o quanto antes da opressao dos tiranos que governam o pais!

Forte abraco, Mauricio!

Goncalez

Maurício Santoro disse...

Salve, meus caros.

O bloqueio dos EUA a Cuba é um problema para a ilha, mas ele é limitado por três razões:

1- Cuba tem parceiros econômicos importantes em diversos continentes - China, Venezuela, Espanha, Canadá.

2- Desde 2000 há uma lei nos EUA que permite a venda de alimentos a Cuba em "situação de emergência", o que tornou os Estados Unidos o 3o maior exportadores para Cuba. Chequem os dados da OMC:

http://stat.wto.org/CountryProfile/WSDBCountryPFView.aspx?Country=CU

3- As remessas que os cubanos nos EUA mandam para suas famílias estão na faixa de US$2 bi ao ano e são a maior fonte de divisas da ilha, junto com o turismo.

Me espanta o ódio a Yoani Sanchéz - negar a brutalidade da polícia e acusá-la por aceitar prêmios e contratos internacionais é algo só explicável pelo fascínio brasileiro pela ditadura cubana. Fascínio de longe, já que ninguém quer aguentar as dores de viver no paraíso socialista...

No Brasil, passamos décadas criticando os EUA por apoiarem ditaduras na América Latina, inclusive a de nosso próprio país. Não me peçam para apoiar regimes autoritários, independente de qual seja a bandeira ideológica que eles usam para agredir liberdades básicas.

Se quisermos discutir a possibilidade de aceitar ditadura em nome do desenvolvimento econômico e social, é outra história. Mas nesse caso, Cingapura é um exemplo bem melhor do que Cuba...

Abraços

Luis Henrique disse...

1. Não é ódio a Yoani Sanchéz, apenas atenção aos fatos. Como bem dito antes, tudo que temos em relação ao suposto sequestro é a palavra dela.

2. O bloqueio já custou à ilha perdas que chegam perto de 1 trilhão de dólares. Não é pouco.

3. Através de organizações como USAID e SINA em Havana, os EUA financiam a 'oposição democrática' (que aliás é protagonista de um belo exercício de futurologia por parte do autor) em Cuba.

Abraços

Luis Henrique disse...

Quis dizer, 'parte da 'oposição democrática'', não toda.

Marcelo L. disse...

Prezado Mauricio,

Eu lendo seu último texto, eu vejo como eu mudei desde que comecei-o a lê-lo, antes não considerava tão importante o tema direitos humanos em relações internacionais, hoje me irrito com as posições do Itamaraty.

Cuba tornou-se até emblemático na discussão dos direitos humanos por ser uma relíquia da guerra fria e um dos destinos preferidos de nossos governantes, acho difícil outra ditadura ter recebido tantas visitas como a Ilha.

O caso da Yoani Sanchéz que só ela viu o tal sequestro, lembra-me outros em outras ditaduras como a que ocorreu no Brasil ou outros fatos violentos que são negados sempre mesmo com imagens.

Luis Henrique disse...

Caro Marcelo,

O Itamaraty faz política, não é bastião dos direitos humanos e nem poderia ser - sobretudo depois da barbárie em Pinheirinho - seria hipócrita se exigisse um 'atestado de bondade' a cada país que contatasse.

Abraços

Marc Jaguar disse...

Vamos devagar com o andor....comparar a politica externa brasileira e sua clara afeicao pelos depotas cubanos com a desocupacao de uma area invadida eh querer misturar alhos com bugalhos.
Afinal, o que houve de "barbarie" no episodio do cumprimento da ordem judicial de reintegracao de posse da tal area do
Pinheirinho?
Ou agora os governantes podem escolher quando devem cumprir uma ordem judicial ou nao?
Vamos com calma....cada coisa no seu lugar.

[ ]s

Marc Jaguar disse...

Alem do mais, eh justamente pelo fato do Itamaraty fazer esse tipo de politica, muito mais ligada a aspectos ideologicos do que propriamente fazer "politica de Estado" eh que o Brasil vem perdendo credibilidade em muitas areas onde sempre fomos considerados exemplos de postura perante a comunidade internacional.

Uma coisa eh manter relacoes bilaterais tendo em vista atender interesses do pais no tocante a questoes comerciais, por exemplo e para isso nao eh necessario requerer "atestados" aos outros paises.
Outra coisa bem diferente eh adotar posturas de apoio explicito a regimes ditatoriais por puro alinhamento ideologico.
O Brasil necessita do petroleo iraniano? Otimo! Que se celebre um acordo comercial para garantir nosso acesso a ele.
Outra coisa eh um presidente da republica ir a Cuba e comparar os condenados por crime de consciencia em Cuba aos criminosos comuns brasileiros.
Existe uma diferenca gigantesca entre as situacoes.

[ ]s

Luis Henrique disse...

Marc, houve TUDO de ilegal e barbárico na desapropriação da área.

Maurício Santoro disse...

Salve, meus caros.

Luis, você tem todo direito de querer que a oposição democrática não governe Cuba (ditadura nas nações alheias é sempre refresco), mas pela minha experiência na ilha, acredito que isso irá acontecer em cerca de uma década, após a morte dos irmãos Castro.

Não vejo os cubanos entusiasmados com seu sistema político, o que observo neles é a vontade de ter acesso a uma vida material mais confortável, poder viajar, as coisas boas da vida. Não são ingênuos, são um povo bem educado e consciente dos problemas das economias de mercado, em particular das desigualdades.

Penso que a prioridade da política externa brasileira deve ser a promoção do desenvolvimento do país, via comércio, investimentos, acesso à tecnologia etc. Cuba oferece oportunidades interessantes para o Brasil que tem sido bem aproveitadas.

Contudo - como o Marcelo gentilmente frisou - considero que há outros elementos também importantes e que o Brasil poderia e deveria ter mais atenção em temas como direitos humanos e democracia.

A presidente Dilma fez um ajuste importante na relação com o Irã, eliminando erros cometidos por Lula. Há espaço para mudanças com Cuba. O regime autoritário do país é vaca sagrada para certos setores da esquerda brasileira, mas são as vagas sagradas que rendem os melhores hambúrgueres.

Abraços

Marc Jaguar disse...

Brilhante, Mauricio!

Grande abraco! :)

Marc Jaguar disse...

Caro Luis Henrique

Recomendo a voce a leitura do texto do Senador Aloisio Nunes publicado no jornal Folha de Sao Paulo de hoje, dia 01 fev e tambem assistir a entrevista da juiza Marcia Mathey Loureiro, resonsavel por assinar a ordem de reintgracao de posse da area invadida em Sao Jose dos Campos.
Peco sua atencao para o fato de que a Policia Militar do DF foi acionada pelo governo do DF para remover 70 familias que haviam ocupado irregularmente um terreno da Uniao.
Na Bahia, uma empregada domestica ficou cega de um olho como resultado de uma agressao que sofreu por parte de policiais militares durante um show do Olodum e no Piaui um estudante tambem ficou cego de um olho por ter sido atingido pelo fragmento deuma bomba de efito moral lancada pela PM daquele estado, durante uma manifestacao de protesto contra o aumento das passagens de onibus.
Em nenhum dos 3 casos cirados acima, qualquer representante de alguma entidade oficial ou nao, que se diz defensora dos direitos humanos se manifestou.
Acho qua nao serah dificil para voce perceber que a questao envolvendo a desocupacao da area do "Pinheirinho" tem muito mais a ver com politica partidaria, afinal, o Estado de SP eh governado pela oposicao ao governo federal, do que propriamente tratar-se de desrespeito aos Direitos Humanos.

Marcelo

Guilherme Scalzilli disse...

A esquerda e o Pinheirinho

Os equivocados ataques a uma suposta omissão do governo federal servem à estratégia demotucana de envolver a única instância que fez alguma coisa (mesmo que obviamente irrisória) para impedir a tragédia do Pinheirinho. Os maiores responsáveis pelo impasse foram os governos municipal e estadual. Os esforços concentrados da juíza, do prefeito e do governador buscaram justamente abortar qualquer solução negociada, criando um fato consumado que inviabilizasse o recuo e a conseqüente vitória política do Planalto. Eis por que rapidamente promoveram a bárbara destruição dos bens abandonados pelos moradores e aniquilaram os vestígios físicos da comunidade.
A macabra disseminação de falsas estatísticas fatais apenas fortalece a idéia de que a ausência de óbitos legitimaria a operação policial. O anseio por uma catástrofe exemplar enfraquece as denúncias dos maus-tratos sofridos pelos desabrigados. Fruto da mesma cegueira oportunista, a glamorização da pobreza “insurgente” (ou a “comiseração desgraçada”) conduz a uma fantasia romântica sobre a realidade do sofrimento daquelas pessoas. A favela pode ser palco e símbolo de uma luta, mas nunca representará sequer um rascunho de solução para os problemas sociais e urbanísticos envolvidos. Foi a necessidade, e não um pretenso espírito libertário, que levou os ocupantes a se instalarem no Pinheirinho.
Tais mistificações ajudam a esquerda a fugir de uma reflexão isenta sobre suas próprias responsabilidades na gestação do episódio. A tragédia só ocorreu porque o governo Geraldo Alckmin e seus esteios no obscuro Judiciário paulista não enfrentam uma oposição articulada e eficaz do PT, do PSB e de outros partidos da base governista federal. Se, por exemplo, as ações dos cossacos na USP ou o sepultamento do mensalão da Alesp tivessem recebido o tratamento que mereciam, a oligarquia ultraconservadora que domina o Estado guardaria pelo menos a sensação de fragilidade que advém da fiscalização externa e do constrangimento público. E pensaria duas vezes antes de cometer um absurdo como o de Pinheirinho.
Essa é uma simples culminância de um longo processo de arbitrariedades isoladas que passaram incólumes por décadas de harmoniosa convivência entre a esquerda paulista e a hegemonia demotucana. Todos são cúmplices. E devem começar imediatamente a discutir como desfazer o ambiente de repressão e autoritarismo que já ultrapassa o nível do suportável.

http://www.guilhermescalzilli.blogspot.com/