
Em meio às discussões pelo reconhecimento do Estado palestino, os nove meses da Primavera Árabe apontam para balanço duro: o acirramento do conflito com Israel. Nas últimas semanas, diplomatas israelenses foram expulsos ou fugiram do Egito, Jordânia e do país não-árabe que cada vez desponta como ator decisivo na região, a Turquia.
Muitos analistas de política internacional acreditam na teoria da “paz democrática”, isto é, a de que democracias tendem a ter relações mais estáveis e pacíficas com outros regimes da mesma natureza, em função do caráter público e negociado de suas deliberações e de muitos pontos de veto no sistema político à decisões que levem à guerra. No Oriente Médio, essa perspectiva reflete-se na esperança de normalização diplomática entre Israel e seus vizinhos árabes. Acredito que isso ocorrerá no médio prazo, em alguns anos, mas que nos próximos meses teremos mais convulsões e instabilidade, por duas razões
A primeira é a ocupação dos territórios palestinos por Israel e a persistência de tensões violentas por Jerusalém, pelo controle do rio Jordão e pelo direito de retorno de milhões de refugiados, desde a guerra de 1948. Para muitos países árabes, a questão palestina está numa fronteira tênue entre um tema internacional e política doméstica, particularmente para o Egito, onde a situação do Sinai está muito ligada à da Faixa de Gaza. Alguns regimes autoritários, como o egípcio, haviam controlado as demandas mais intensas pró-palestinos e agora essas reivindicações voltam com força.
A segunda é a existência de muitos bolsões autoritários na região – países, movimentos, instituições dentro de cada país – que agem no sentido de limitar ou contrapor-se às tendências democratizantes. Do Hamas aos colonos israelenses na Cisjordânia, do Irã ao partido extremista Israel Nossa Terra, passando por fundamentalistas de várias cores e matizes, há um excesso de grupos cujo interesse não está nos diálogos ou negociações, mas na permanência do conflito violento. E mesmo os atores democráticos desse jogo têm que chegar a acordos com esses parceiros ou adversários, buscando atrai-los para suas coalizões ou neutralizá-los por meio da adoção de versões mais moderadas de suas idéias.
O balanço atual da Primavera Árabe é que nos países mais homogêneos (Tunísia e Egito) as revoltas caminham rumo à transição para eleições democráticas. Nos estados mais fragmentados étnico-religiosamente, o quadro é sombrio guerra civil e intervenção da ONU na Líbia (talvez 25 mil mortos, numa população de 6 milhões) e massacres no Bahrein, Iêmen e Síria. Na Arábia Saudita, houve apenas protestos pouco significativos nas províncias de minoria xiita, e o rei reagiu com misto de repressão (inclusive mandando tropas ocupar a vizinha ilha do Bahrein), pagamento de benefícios financeiros e a decretação do direito de voto para as mulheres, em eleições municipais.
Também chama a atenção a mudança de comando na Al-Jazeera, emissora que foi tão importante na cobertura – e talvez na deflagração – das rebeliões. O jornalista palestino que a chefiava há oito anos foi substituído na semana passada por um membro da família real do Catar, país que sedia a empresa. O aristocrata não tem experiência com imprensa, era o presidente da estatal de gás natural. Tudo aponta para o fechamento político da Al-Jazeera, com maior controle por parte do emir do Catar.
Guerras e influências de potências externas no Oriente Médio forneceram aos ditadores o pretexto de um conveniente inimigo para aglutinar a população, ou um aliado internacional importante para ajudar a perseguir opositores. No caso da Síria, estabelecer o país como uma espécie de fiel da balança numa zona de enfrentamentos intensos, de modo que todos ficaram temerosos pela derrubada de governos que, bem ou mal, representam estabilidade.