domingo, 24 de junho de 2012

Fins e Começos

Criei este blog há cinco anos, quando voltei de uma temporada de estudos e pesquisa na Argentina. Agora chegou o momento de terminar com ele. O motivo é bom e nobre. Estou me juntando à equipe da Anistia Internacional, como assessor de política externa e direitos humanos, no recém-criado escritório do Brasil.

É um emprego de tempo integral e além dele continuarei a trabalhar como professor universitário. Portanto, é preciso cortar algumas atividades. Não quero, no entanto, interromper nossa conversa. Convido todos vocês a continuar me acompanhando via Twitter, onde estou na conta @msantoro1978.

Chequem também os sites e redes sociais da Anistia, como o blog e a conta no Twitter (@AnistiaOnline).

Abraços e até sempre!

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Os Conflitos por Terra e o Impeachment de Lugo

Está em curso no Paraguai um golpe de Estado travestido de processo de impeachment. A oposição contra o presidente Fernando Lugo usa seu controle do Congresso para tentar apoderar-se do cargo e estar no poder para manejar as eleições de 2013. O pretexto utilizado são conflitos agrários nos quais o mandatário não teve responsabilidade direta. Falei ontem à Globo News a respeito do tema, este texto aprofunda minha entrevista.

O Paraguai ainda é um país de forte caráter rural, que na última década teve significativa expansão do agronegócio, sobretudo soja e algodão. Empresas brasileiras estão muito presentes nesse setor. O processo aprofundou a concentração de terras, que tem piorado desde as manipulações da longa ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989), que distribuiu propriedades para seus aliados. Muitos pequenos camponeses perderam seus sítios e fazendas e engrossaram as fileiras de um ativo movimento de sem-terras, uma das bases de apoio a Lugo.

O presidente tem falado em reforma agrária, mas não tem feito movimentos significativos para implementá-la, às voltas com um Congresso dominado pelos conservadores e com as pressões brasileiras para proteger os interesses do agronegócio. Na semana passada, houve um conflito entre polícia e sem-terras numa fazenda pertencente a um ex-senador do Partido Colorado - grupo que governou o país por 70 anos, até a vitória do atual mandatário. Morreram 18 pessoas, de ambos os lados, e caíram o Ministro do Interior e o chefe de polícia. É esse massacre de Curuguaty que a oposição cita como pretexto para o impeachment de Lugo.

O presidente foi eleito à frente de uma frágil e heterogênea coalizão de partidos e movimentos sociais. Seu principal aliado, o Partido Liberal, passou para a oposição, embora mantenha a vice-presidência. Se Lugo sofrer impeachment, a sigla se apossa da chefia do Estado. O presidente teve apenas um voto de apoio na Câmara dos Deputados e tudo indica que a situação no Senado será semelhante.

Lugo sofreu desgaste junto à sua base pelos escândalos sexuais de seu envolvimento amoroso com mulheres quando era padre e bispo. Enfrenta também um câncer, há dois anos. Ainda assim, os movimentos sociais paraguaios reagirarm prontamente à ameaça contra o presidente, já organizam protestos em frente ao Congresso e caravanas de camponeses rumam para a capital Assunção. É uma situação tensa que pode degenerar em conflito armado.

A Unasul enviou às pressas uma missão de alto-nível formada pelos ministros de Relações Exteriores do bloco, num esforço de mediar a crise. Em momento de impactos regionais da crise global e uma sucessão de conflitos na Argentina, Peru e Venezuela, ninguém precisa de mais instabilidade na América do Sul. A pressão internacional tem sido decisiva nas crises paraguaias e conseguiu impedir outra tentativa de golpe de Estado na década de 1990. É um bom sinal que as Forças Armadas estejam calmas e se atendo a seu papel constitucional.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Argentina: uma economia mais difícil com uma política mais complicada

Em outubro de 2011 Cristina Fernández de Kirchner foi reeleita presidente da Argentina com 54% dos votos – o maior percentual desde o retorno da democracia. Na mesma eleição, seu partido conquistou maioria na Câmara dos Deputados e no Senado. Feito notável para sua corrente política, que ascendeu das margens do peronismo em 2003, quando seu marido chegou à Casa Rosada com menos de 25% do eleitorado.

Contudo, o que parecia ser uma consagração e a promessa de estabilidade tem se mostrado o início de um período turbulento, marcado pelo que o analista Rosendo Fraga definiu como uma “economia mais difícil com uma política mais complicada”. Os pontos mais ásperos dos novos conflitos são a nacionalização da petrolífera YPF, que estava sob controle da espanhola Repsol e a política de restrição à compra de dólares.

O resto, no artigo que escrevi para a Revista Pittacos.

domingo, 17 de junho de 2012

Golpe e Eleições no Egito

Na semana passada, a Suprema Corte do Egito ordenou a dissolução do Parlamento e a junta militar que governa o país decretou medidas que restringem a possibilidade de manifestações contra o regime (como a possibilidade de prender ativistas por bloquear o trânsito). O novo Legislativo será nomeado pelas Forças Armadas e irá elaborar a Constituição do país. Ambas as iniciativas aconteceram às vésperas do 2º turno das eleições presidenciais que opõem o ex-primeiro-ministro da ditadura e um representante da Irmandade Muçulmana e significam o esforço das Forças Armadas em controlar a transição política, limitando os poderes dos partidos islâmicos que despontam como os principais grupos do país. É um golpe de Estado judicial.

Os diversos partidos religiosos formavam cerca de dois terços do Parlamento. A Irmandade Muçulmana, o maior deles, tem longa e contraditória relação com os militares que governam o Egito desde 1952. Já foram aliados, inimigos e nos últimos anos da ditadura Mubarak ensaiaram um pacto de não-agressão e um certo nível de colaboração, embora a entidade não pudesse, oficialmente, participar da política. A força que ela ganhou com a queda do regime levou a uma disputa feroz pelo poder.

O Egito tem um poder judiciário considerado razoavelmente independemente, mas isso não se aplica aos tribunais superiores, cujos juízes são indicações políticas do governo. Não é surpresa, portanto, que a Suprema Corte tenha ordenado a dissolução do Parlamento. Foi alegada uma obscura razão técnica, a respeito de artigos ambíguos na lei eleitoral, mas considera-se que o real objetivo é afastar os partidos islãmicos do Legislativo, que entre outras tarefas irá elaborar a nova Constituição do país.

Enquanto escrevo, ainda não há o anúncio do vencedor das eleições. As análises sobre a conjuntura política do Egito estão bastante sombrias, com estudiosos prevendo a deflagração de conflitos violentos pelo poder, inclusive uma guerra civil. É uma possibilidade bastante alta. Somando a ela os riscos das eleições na Líbia e a persistência da brutalidade na Síria e no Iêmen, temos o Oriente Médio mergulhado numa gravíssima situação, em meio à crise na Europa e nos Estados Unidos.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Getúlio Vargas: ascensão ao poder

O jornalista Lira Neto publicou o primeiro volume dos três de sua biografia de Getúlio Vargas. “Getúlio – Dos Anos de Formação à Conquista do Poder” cobre o período de 1882 à Revolução de 1930 e traça um retrato excepcional do homem e de sua época, usando diários, cartas, livros de memórias e a imprensa da época. Esforço rico, análogo ao que Robert Caro faz por Lyndon Johnson nos Estados Unidos. Acompanhamos a educação de Vargas no ambiente rústico e violento da fronteira gaúcha no início do século XX, entre lembranças das guerras platinas e a vivência de duas guerras civis, a influência intelectual do positivismo, sua breve passagem pelo Exército e sua ascensão na máquina política da República Velha.

Vargas nasceu numa família de militares e de criadores de gado. Seu pai foi à guerra do Paraguai como soldado voluntário e voltou capitão, sendo promovido a general honorário pelo marechal Floriano Peixoto por sua liderança na repressão à rebelião federalista, no início da República. Vargas quis seguir seus passos, mas se entediou com a vida dos quartéis, que largou no fim da adolescência, quando ainda estava na escola preparatória para a academia de oficiais. Optou pela tradicional carreira do Direito, e já na faculdade se destacou como líder estudantil e jovem quadro da estrutura partidária comandada com mão de ferro pelo veterano Borges de Medeiros.

Lira Neto retrata um Vargas de muitas qualidades: inteligente (a abrangência de suas leituras e a solidez de seu preparo intelectual impressionam), sério, dedicado, mas ao mesmo tempo bonachão, simpático, habilidoso em dialogar e negociar. Características raras em sua família: seus irmãos estavam constantemente em problemas com a lei, por brigas, violência e corrupção na pequena cidade de São Borja, que dominavam. Vargas usava sua influência junto a Borges de Medeiros para ajudá-los, mas foi construindo sua carreira por méritos próprios: promotor, advogado, deputado estadual e federal. Ele participava dos jogos tradicionais de clientelismo, fraude e manipulação, mas não parece ter roubado para si mesmo, vivia frugalmente com a esposa e os filhos.

Vargas passou as décadas de 1900 e 1910 como uma personalidade local na política gaúcha, mas nos conturbados anos 1920 tornou-se alguém de projeção nacional, primeiro como o grande articulador dos interesses do Rio Grande do Sul junto ao governo federal, no momento de crise do pacto do café com leite (São Paulo e Minas Gerais) da República Velha, da eclosão das rebeliões tenentistas e do crescimento da inquietação social do país. Ele chegou a ser ministro da Fazenda do presidente Washington Luís, mas por breve período – logo largou o cargo para assumir o governo do Rio Grande do Sul.

Vargas foi uma figura chave para pacificar o estado, negociando a trégua – e posteriormente aliança – entre a oligarquia liderada por Borges de Medeiros e os setores liberiais comandados por homens como Assis Brasil e Batista Luzardo. Vargas incorpou muitas de suas demandas de modernização econômica e promoção da indústria, primeiro no âmbito estadual, mais tarde no plano federal.

A segunda metade do livro é dedicada a narrar em detalhes as articulações políticas e militares que culminaram no desafio de Vargas ao pacto do café com leite, sua campanha eleitoral à presidência e a Revolução que o levou ao poder após sua derrota pelo voto – apesar das fraudes maciças, os dados que Lira Neto apresenta indicam que ele teria perdido mesmo numa disputa limpa. O resumo da ópera: o sistema tradicional da República Velha estava em ruínas e Vargas triunfou porque construiu uma coalizão de apoio entre os descontentes com o regime: lideranças regionais excluídas (Rio Grande do Sul, parte do Nordeste), grupos de classe média, dissidentes em São Paulo e Minas Gerais, e os tenentes revoltosos da década de 1920. A crise de 1929 foi o último prego no caixão do governo.

Vargas hesitou para assumir o papel e fez jogo duplo ou triplo com todos os envolvidos, numa narrativa que se lê como um romance de espionagem. Os personagens são fascinantes e Lira Neto apresenta jovens impetuosos que virariam líderes importantes do Brasil, como João Neves da Fontoura, Oswaldo Aranha, Luís Carlos Prestes.

Do ponto de vista ideológico, o retrato é de um Vargas cético diante do liberalismo e defensor de práticas oriundas do positivismo: um Estado forte e centralizador, capaz de agir com destaque na economia. Encampou as bandeiras de Assis Brasil e dos tenentes pelo voto secreto e por eleições limpas - mas deixou-as para trás quando tornou-se ditador. À espera dos próximos volumes, com a expectativa de que sejam tão bons quanto este.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

O Pacote de Socorro à Espanha

No sábado a Espanha pediu socorro financeiro de até $100 bilhões de euros para a União Européia, para tentar salvar seus bancos, cuja situação preocupa o continente. O PIB espanhol é de mais de um trilhão de dólares, maior do que a soma dos outros suplicantes – Grécia, Portugal, Irlanda. As reações iniciais ao pacote são de ceticismo. A quantia é considerada razoável, mas o receituário é basicamente o das mesmas reformas de austeridade que têm sido implementadas sem maiores resultados nos países do sul da Europa (embora pareçam ter melhor desempenho nas nações bálticas).

O cerco se aperta com a nova tentativa da Grécia em formar um governo, no próximo domingo. Com os Estados Unidos em dificuldades pelas eleições e com um presidente em minoria na Câmara, e os BRICS em redução do crescimento econômico, o foco das expectativas e temores se volta para a Alemanha.

A primeira-ministra Angela Merkel continua com a postura de rejeitar pacotes de resgate, mas ao fim de muitas súplicas acabar aceitando uma versão reduzida deles, atreladas a duras condicionalidades relativas ao corte de despesas públicas e algumas reformas econômicas. Contudo, há um difícil contraste político entre grandes acordos de ajudas econômicas para os bancos e outras instituições financeiras, e a precarização de serviços públicos e benefícios para a classe média e os pobres. Em sociedades organizadas e mobilizadas como as da Europa Ocidental, o resultado é uma leva de manifestações e protestos que tem derrubado diversos governos no continente.

A situação da Espanha é dramática, com o desemprego beirando 25% e ultrapassando 50% entre os jovens. O Partido Popular (conservador) venceu as eleições nacionais, desalojando os socialistas que estavam no poder quando a crise começou. Mas já está com dificuldades nas urnas, perdendo eleições nas regiões mais ricas como a Catalunha e em núcleos industriais importantes, como o País Basco. Contexto complicado para pensar o aprofundamento da austeridade. É preciso ao menos algum crescimento para enfrentar as pressões sociais.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

O Retorno do PRI e a Democracia no México

No dia 1 de julho ocorrerão as eleições presidenciais no México e segundo as pesquisas o vitorioso deve ser Enrique Peña Nieto, candidato do PRI - o todo-poderoso partido surgido do pacto político entre os senhores da guerra da Revolução de 1910, que governou o país entre 1929 e 2000 numa mistura de fraude, manipulação, clientelismo e corrupção. Nos dois últimos mandatos os presidentes foram do Partido da Ação Nacional, uma sigla conservadora formada a partir de empresários e da Igreja Católica, que também já fraudou em grande escala as eleições de 2006. Chama a atenção a fragilidade da democracia mexicana, que ainda não realizou o que a maioria das nações da América Latina conseguiu: o revezamento pacífico de esquerda e direita no poder.

Peña Nieto é um candidato que se esforça para seguir posições abrangentes e consensuais, contrariando o mínimo possível de potenciais eleitores. Sua campanha foi marcada por gafes que ilustraram seu frágil preparo intelectual. Um inesperado movimento estudantil surgiu para contestá-lo e para criticar o que afirmam ser o viés favorável da imprensa. A maioria de seus assessores é de jovens tecnocratas, mas também circulam a seu redor a velha guarda do PRI, o que levou ao curioso apelido de "bebê dinossauro" para o jovem candidato. Suas fãs têm outro: "bombom", por conta de sua boa aparência.

Em muitos sentidos, Peña Nieto representa um modelo - livre comércio com os Estados Unidos, aceitação do jogo ampliado da democracia, com mais espaço para a sociedade civil, para o Congresso, a Suprema Corte e a autonomia dos governos estaduais - do que um partido. A candidata oficial do PAN, a ex-ministra da Educação, amarga um distante terceiro lugar. O veterano esquerdista Andrés Manuel Lopez Obrador, ex-prefeito da Cidade do México, está em segundo, mas após um impressionante crescimento nas últimas semanas, parece ter chegado a seu limite.

O México atravessa uma série crise de segurança - uma "guerra às drogas" que em 6 anos matou cerca de 50 mil pessoas, e é fruto do país ter se tornado um importante mercado consumidor para os traficantes, e não apenas uma rota de passagem das drogas para os Estados Unidos. Nenhum dos candidatos parece ter soluções efetivas para lidar com o problema.

Outra dificuldade é a dependência das economias dos EUA e do Canadá, para onde seguem 80% das exportações mexicanas, e que são também as principais fontes de investimentos e de remessas de emigrantes. Como os Estados Unidos foram um dos centros da crise global, os efeitos foram duros para o México. Os últimos governos assinaram vários acordos de livre comércio com outros países, mas os esforços para diversificar as exportações não têm sido muito bem-sucedidos, pela dificuldade de competir com a China como plataforma de exportação de manufaturados para as nações desenvolvidas.

Com tudo isso, o México tem um papel de liderança na América Latina bem menor do que poderíamos pensar, dado o tamanho de sua economia e de sua população. Não ajuda a eterna história de rivalidade e desconfiança com o outro gigante da região, o Brasil. E até alguns dogmas de sua política externa, como uma doutrina anti-intervenção tão rigorosa que rejeita até a participação em missões de paz da ONU.

Um dos intelectuais mexicanos mais expressivos, o sociólogo e ex-chanceler Jorge Castañeda, argumentou em livro recente que a história, costumes e cultura do país dificultam a construção da democracia e levaram a uma sociedade atomizada, autoritária e propensa ao conformismo e à aceitação da corrupção. Contudo, ele observa que a modernização econômica e política do México tem promovido transformações importantes e positivas. Concordo com alguns pontos do livro de Castañeda, outros me parecem muito pessimistas e exagerados.

E, sobretudo, penso que faltou ao sociólogo um olhar sobre a outra tradição mexicana: a de mobilização política, contestação cultural e rebelião social dos movimentos da reforma liberal do século XIX, da Revolução de 1910, da explosão estudantil de 1968 e das articulações indígenas de Chiapas e Oaxaca. A via para um México moderno passa pela riqueza de seus movimentos sociais, que tanto inspiraram a América Latina no passado.