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quinta-feira, 31 de maio de 2012

O Massacre de Houla e a Virada do Jogo na Síria

Ontem gravei entrevista para o programa Sem Fronteiras, da Globo News, que irá ao ar na noite desta quinta-feira – reprisa ao longo da semana. Falei a respeito do massacre de Houla e de como ele representa uma virada do jogo político no conflito da Síria.

Há 14 meses a ditadura de Bashar al-Assad enfrenta uma rebelião, incluindo grupos armados como os do Exército Livre da Síria. Cerca de 13 mil pessoas já foram mortas, a maioria pelo governo. Rússia e China vetaram no Conselho de Segurança da ONU resoluções que exigiriam a renúncia de Assad, mas há embargos internacionais contra seu governo e uma missão de observadores das Nações Unidas para monitorar um cessar-fogo e um acordo de paz mediado pelo ex-secretário-geral da instituição, Kofi Annan.

Essa negociação nunca foi respeitada e a presença da ONU não conseguiu deter ou mesmo diminuir a violência. O massacre de Houla foi a gota d´água na aposta que as Nações Unidas poderiam ter feito a diferença. A cidade foi cercada pelas Forças Armadas da Síria e a mílicia dos Fantasmas (Shabiha) executou cerca de 120 pessoas – a maioria crianças e idosos.

O massacre foi o pior do conflito até este momento, e já resultou em protestos contra Assad até entre grupos que estavam relutantes em se juntar à rebelião, como os comerciantes sunitas de Damasco. Governos dos Estados Unidos, na União Européia, Turquia, Canadá e Austrália expulsaram diplomatas sírios em represália e mesmo a Rússia apoiou uma condenação da carnificina no Conselho de Segurança.

A Síria ocupa uma posição geográfica muito delicada, entre Líbano, Israel, Turquia, Iraque e Irã, e numa vizinhança tão turbulenta ninguém quer arriscar uma intervenção como a que a OTAN realizou na Libia. Os riscos são muito elevados, inclusive de um vazio de poder que tornasse o país um campo fértil para terroristas ou grupos islâmicos radicais.

Contudo, há muitos relatos de que a oposição armada já vem sendo suprida apoio dos Estados Unidos, França e Turquia e o cenário para os próximos meses é de que esses grupos aumentem o controle territorial que já exercem em cidades como Homs e Hama.

O regime autoritário da Síria está baseado em vários pilares: o Partido Baath, as Forças Armadas e o grupo de famílias alauítas reunidos em torno dos Assad. É bastante plausível uma solução na qual os demais elementos que dão apoio à ditadura aceitem um acordo que signifique a renúncia do ditador em troca de sua permanência no poder. Algo assim foi feito no Egito e no Iêmen.

Pós Escrito: minha entrevista ao Sem Fronteiras, da Globo News

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O Conselho de Segurança e as Leis de Hama

No sábado o Conselho de Segurança da ONU votou proposta de resolução que condenava o governo sírio pela repressão à rebelião democrática e demandava a renúncia do presidente Bashar al-Assad. A iniciativa recebeu 13 votos favoráveis, mas foi vetada pela Rússia e pela China. Em entrevista à Globo News, afirmo que o resultado imediato será o aumento da violência contra os manifestantes, pois Damasco interpretará o impasse internacional como sinal verde para esmagar a revolta. A outra consequência é que agora a possibilidade de solução do conflito recai sobre Turquia, Liga Árabe e França, numa situação de tensão com a oposição cada vez mais armada.

Há duas explicações principais para a posição da Rússia e da China. A Síria é o último aliado russo no Oriente Médio, o que sobrou da antiga zona de influência soviética na região. Moscou não pode abandonar um amigo tão importante, ainda mais no contexto de sua própria rebelião democrática, com o primeiro-ministro Vladmir Putin disputando a presidência em março.

O segundo ponto é a disputa mais ampla por influência no Norte da África e Oriente Médio. Quando a Primavera Árabe começou, Rússia e China estavam satisfeitos em ver aliados ocidentais como Egito e Tunísia balançando. A Líbia mudou o jogo, em especial quando o mandado da ONU de intervenção para proteger os civis foi transformado no apoio da OTAN aos rebeldes na guerra civil contra Muhamar Kadafi. Moscou e Pequim temem a repetição dessas circunstâncias na Síria e a consolidação desses precedentes para outros países-chave, como o Irã. Há sugestões de mediação de mais nações emergentes, como Brasil, Índia e África do Sul.

A rebelião na Síria já dura 11 meses, mas nas últimas semanas ficou mais séria, porque finalmente os protestos haviam chegado à capital, Damasco. O governo respondeu com o aumento da repressão e, segundo desertores das Forças Armadas, com ordens de atirar a esmo nas multidões. O oficial mais graduado a fugir do país afirma que o Exército está à beira do colapso e só um terço dos homens está em condições de combater, fazendo com que o regime recorra sobretudo às milícias, em particular aquelas recrutadas entre os alauítas, grupo religioso minoritário que domina o governo.

Por uma coincidência macabra, o aumento da violência se deu em meio ao aniversário de 30 anos do massacre de Hama, no qual o presidente Hafez al-Assad (pai do atual mandatário, a imagem dos dois está na foto que abre o post) matou entre 10 mil e 20 mil rebeldes da Irmandade Muçulmana, no ato de maior brutalidade interna de um governo na história moderna do Oriente Médio. A repressão implacável garantiu estabilidade à sua presidência, que só acabou com sua morte em 1999, e sua substituição pelo filho – algo que nem Mubarak nem Kadafi conseguiram.

As Leis de Hama, como as chamou o jornalista Thomas Friedman, eram claras: opor-se ao governo tem preço, e altíssimo. O regime foi hábil em manter o apoio das elites econômicas do país, em Damasco e Aleppo, mas é nas províncias empobrecidas que a rebelião foi fomentada e deflagrada. As lições das revoltas na Tunísia e no Egito é que para derrubar pacificamente as ditaduras é necessário ocupar a capital, o caso da Líbia mostra que sem essa capacidade de mobilização política, o único modo é a guerra civil – com necessidade de auxílio estrangeiro para enfrentar o Estado, mais forte.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Egito, Ano 1

Nesta quarta completa-se um ano da queda da ditadura de Mubarak no Egito, o mais importante país árabe. O balanço: as Forças Armadas continuam no governo e no poder, reprimindo de modo violento os manifestantes pró-democracia. Houve eleições parlamentares, com muito atraso, que resultaram na vitória de diversos partidos islâmicos, que controlam 72% do Legislativo. Com curiosas negociações com liberais e com o Exército, visando à criação de uma coalizão sólida. Os próximos passos são a elaboração da Constitução e a eleição de um novo presidente, um longo processo que só deve estar completado em 2013.

Transições de ditaduras para democracias são sempre complexas e o caso egípcio tem fatores que o tornam ainda mais difícil: uma delicadíssima posição na geopolítica do Oriente Médio e na segurança de Israel, a enorme força dos militares na economia, uma substancial minoria cristã e uma longa tradição de movimentos fundamentalistas, que remonta à década de 1920. Levando tudo isso em conta, pode-se fazer uma apreciação razoavelmente favorável dos desdobramentos do último ano. Os problemas eram esperados e o país segue no atribulado curso de sua transformação. É uma realização expressiva.

A Primavera Árabe mudou os governos da Tunísia, Egito e Líbia, com um acordo iminente no Iêmen. Levou a reformas expressivas na Argélia, Marrocos e Jordãnia, e deu novo alento ao movimento palestino por um Estado. As monarquias têm se mostrado mais estáveis e mais resistentes à mudança do que as repúblicas, e os reis e emires dos ricos Estados do Golfo conseguiram em grande medida passar imunes aos ventos revolucionários – com exceção dos soberanos do Bahrein, que se mantiveram no trono somente pela intervenção militar da vizinha Arábia Saudita.

A situação na Síria continua num impasse político entre Assad e a oposição, com crescente pressão internacional contra a ditadura do partido B´aath. Uma combinação significativa da Liga Árabe, da Turquia e da França tem dado apoio aos rebeldes (inclusive no campo militar, segundo as notícias) e tenta convencer a Rússia a abandonar seu principal aliado no Oriente Médio e aceitar sanções na ONU contra Assad. Difícil. Há risco de guerra civil na Síria.

Do ponto de vista da influência no Oriente Médio, está claro que a balança deste ano pende em favor da Turquia, cuja diplomacia tem mostrado extradorinário dinamismo, ousadia e coragem diante de um mundo em mudança turbulenta. Clique no link para ler estudo da Brookings sobre como ela e outras democracias emergentes (Brasil, Índia, África do Sul, Indonésia) lidam com Primavera Árabe. O grande perdedor, sem dúvida, é o Irã. Sob pressão, acuado, enfrentando um embargo de 20% de seu mercado de exportações e correndo o risco de sofrer ataques militares de Israel e dos Estados Unidos.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Paz (?) na Síria



No pós-Guerra Fria, as organizações regionais cresceram em importância na resolução de conflitos e na organização de missões de paz da ONU. Uma das características mais preocupantes da Primavera Árabe até este momento tem sido a incapacidade da Liga Árabe em desempenhar qualquer papel de relevo na contenção da violência ou na busca de saídas negociadas para os ditadores ameçados por rebeliões populares. Isso reflete a pouca legitimidade maior parte de seus líderes e a ausência de figuras respeitadas que pudessem exercer tal moderação. É com esse ceticismo que se encara o acordo de paz que a Liga fechou com o governo da Síria.

O acordo contempla libertação de presos políticos, diálogo com oposição e permissão para que entrem no país jornalistas e observadores de direitos humanos. São belas palavras no papel, mas não há qualquer garantia de que ele seja colocado em prática. Pouco após sua assinatura, o governo bombardeou Homs, uma das cidades onde os protestos são mais fortes. A maioria das análises resssaltou que o pacto é uma vitória política para Assad, que ganha tempo e consegue certa credibilidade internacional, como alguém disposto a negociar.

Estima-se que desde o início da revolta contra o presidente Bashar al-Assad, as autoridades tenham matado cerca de três mil pessoas. O que começou como uma rebelião pacífica torna-se cada vez mais violenta, na medida em que muitos grupos se armaram contra o regime autoritário. Há relatos de deserções significativas no Exército e o risco grande de uma guerra civil de cunho político-religioso, com facções da maioria sunita enfrentando os alauítas que dominam o Estado. Contudo, está descartada uma intervenção militar estrangeira, como a da OTAN na Líbia. A Síria ocupa posição delicada demais, na turbulenta fronteira entre Israel e Turquia e a moral da região é algo como “ruim com Assad, bem pior sem ele, e com a incerteza que se seguiria à sua deposição.”

Há medos razovelmente bem fundamentados de que em lugar do nacionalismo laico do partido B´aath se estabelecesse um regime religioso sunita, que traria fortes tensões para as diversas minorias sírias (xiitas, alauítas, cristãos, druzos) que foram cerca de um terço da população. A classe média e as elites econômicas nas principais cidades, Damasco e Aleppo, em grande medida apoiam o presidente Assad e vêem com desconfiança o ativismo político dos mais pobres, base da rebelião.

A violência na Síria já repercute nos países próximos. Milhares de refugiados fugiram para a Turquia e especula-se que o Irã tenha reagido ao medo de perder o aliado sírio estimulando ataques de separatistas curdos contra os turcos.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Os Cristãos e a Primavera Árabe



Os últimos dias foram os mais violentos no Egito desde a queda da ditadura de Mubarak. Conflitos entre o Exército e manifestantes cristãos deixaram mais de duas dezenas de mortos e reforçaram os medos que a turbulência política no Oriente Médio degenere em violência religiosa. Uma lógica que também ajuda a explicar os impasses na Síria e por que os alauítas governam o país apesar de serem apenas 10% da população.

O mapa abaixo mostra o Oriente Médio de acordo com as diversas religiões que predominam na região.Além de retratar o cisma ente sunitas e xiitas no Islã, ele ilustra bem como o Levante é área mais diversa em termos de crenças, em particular as montanhas à beira do Mediterrâneo (que atualmente estão sobretudo no Líbano), que tradicionalmente foram o refúgio para pessoas que fugiam da perseguição religiosa em outros lugares.



A comunidade cristã no Egito é a maior do Oriente Médio e representa cerca de 10% da população do pais, em torno de 8 milhões de pessoas. A maioria é de denominação copta, uma das primeiras a surgirem nos primórdios do cristianismo – a tradição atribui a São Marcos Evangelista papel decisivo na formação do grupo. Os cristãos egípcios tiveram papel de destaque nos movimentos nacionalistas contra os britânicos, são maioria em várias províncias e muitos destacaram-se na política e na diplomacia. O ex-secretário-geral da ONU, Boutrus Boutrus Ghali, por exemplo, é copta.

Há também uma história de choques e desconfianças entre os cristãos egípcios, grupos fundamentalistas muçulmanos e mesmo o regime secular de Nasser, Sadat e Mubarak. Nas últimas décadas igrejas e instituições cristãs sofreram diversos ataques de radicais islâmicos e em geral os criminosos ficaram impunes. A manifestação que culminou no massacre de domingo era justamente um protesto contra o mais recente desses atentados.

A transição no Egito tem sido mais lenta do que se previa. A junta militar propôs um longo plano pelo qual haverá eleições para a câmara baixa do parlamento (novembro), para a câmara alta (março) e a elaboração de nova constituição ao longo de 2012. Só no fim do próximo ano aconteceriam eleições para a Presidência. A lei egípcia proíbe partidos com base em denominações religiosas, mas é claro que existe o medo que um islamismo político revitalizado se volte contra os cristãos, ou mesmo que outras facções os utilizem como bode espiatório para os problemas do país.

Algo semelhante acontece na Síria. Desde a década de 1960, a república é governada pela família Assad e um grupo de aliados da seita islâmica do alauítas. É uma minoria religiosa que se considera mais laica e moderna do que os sunitas, que formam dois terços da população do país. O regime é autoritário, mas não houve na Síria o tipo de conflito religioso e de perseguições que ocorreram no Líbano ou na Arábia Saudita.

Os cristãos sírios são 10% do país e em geral defensores ardorosos de Assad, a quem vêem como protetor diante do risco de uma ditadura fundamentalista sunita. O jornalista Gustavo Chacra, do Estado de S. Paulo, escreve de Damasco uma série de reportagens contanto essa história e mostrando os receios dos cristãos de que haja um tipo de complô entre Estados Unidos e França para depor Assad.

Esse quado é importante para entender a posição cautelosa do Brasil - e dos demais BRICS – com relação a sanções da ONU contra a Síria. Além disso, há uma insatisfação grande entre China e Rússia pelo modo como o mandato das Nações Unidas na Líbia foi extrapolado da proteção aos civis para uma intervenção estrangeira para depor Muhamar Kadafi.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A Primavera Árabe e o Conflito com Israel



Em meio às discussões pelo reconhecimento do Estado palestino, os nove meses da Primavera Árabe apontam para balanço duro: o acirramento do conflito com Israel. Nas últimas semanas, diplomatas israelenses foram expulsos ou fugiram do Egito, Jordânia e do país não-árabe que cada vez desponta como ator decisivo na região, a Turquia.

Muitos analistas de política internacional acreditam na teoria da “paz democrática”, isto é, a de que democracias tendem a ter relações mais estáveis e pacíficas com outros regimes da mesma natureza, em função do caráter público e negociado de suas deliberações e de muitos pontos de veto no sistema político à decisões que levem à guerra. No Oriente Médio, essa perspectiva reflete-se na esperança de normalização diplomática entre Israel e seus vizinhos árabes. Acredito que isso ocorrerá no médio prazo, em alguns anos, mas que nos próximos meses teremos mais convulsões e instabilidade, por duas razões

A primeira é a ocupação dos territórios palestinos por Israel e a persistência de tensões violentas por Jerusalém, pelo controle do rio Jordão e pelo direito de retorno de milhões de refugiados, desde a guerra de 1948. Para muitos países árabes, a questão palestina está numa fronteira tênue entre um tema internacional e política doméstica, particularmente para o Egito, onde a situação do Sinai está muito ligada à da Faixa de Gaza. Alguns regimes autoritários, como o egípcio, haviam controlado as demandas mais intensas pró-palestinos e agora essas reivindicações voltam com força.

A segunda é a existência de muitos bolsões autoritários na região – países, movimentos, instituições dentro de cada país – que agem no sentido de limitar ou contrapor-se às tendências democratizantes. Do Hamas aos colonos israelenses na Cisjordânia, do Irã ao partido extremista Israel Nossa Terra, passando por fundamentalistas de várias cores e matizes, há um excesso de grupos cujo interesse não está nos diálogos ou negociações, mas na permanência do conflito violento. E mesmo os atores democráticos desse jogo têm que chegar a acordos com esses parceiros ou adversários, buscando atrai-los para suas coalizões ou neutralizá-los por meio da adoção de versões mais moderadas de suas idéias.

O balanço atual da Primavera Árabe é que nos países mais homogêneos (Tunísia e Egito) as revoltas caminham rumo à transição para eleições democráticas. Nos estados mais fragmentados étnico-religiosamente, o quadro é sombrio guerra civil e intervenção da ONU na Líbia (talvez 25 mil mortos, numa população de 6 milhões) e massacres no Bahrein, Iêmen e Síria. Na Arábia Saudita, houve apenas protestos pouco significativos nas províncias de minoria xiita, e o rei reagiu com misto de repressão (inclusive mandando tropas ocupar a vizinha ilha do Bahrein), pagamento de benefícios financeiros e a decretação do direito de voto para as mulheres, em eleições municipais.

Também chama a atenção a mudança de comando na Al-Jazeera, emissora que foi tão importante na cobertura – e talvez na deflagração – das rebeliões. O jornalista palestino que a chefiava há oito anos foi substituído na semana passada por um membro da família real do Catar, país que sedia a empresa. O aristocrata não tem experiência com imprensa, era o presidente da estatal de gás natural. Tudo aponta para o fechamento político da Al-Jazeera, com maior controle por parte do emir do Catar.

Guerras e influências de potências externas no Oriente Médio forneceram aos ditadores o pretexto de um conveniente inimigo para aglutinar a população, ou um aliado internacional importante para ajudar a perseguir opositores. No caso da Síria, estabelecer o país como uma espécie de fiel da balança numa zona de enfrentamentos intensos, de modo que todos ficaram temerosos pela derrubada de governos que, bem ou mal, representam estabilidade.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Os Protestos na Síria



Não escrevo sobre as revoltas árabes há algumas semanas. O cenário é marcado pela decisão do presidente do Iêmen em renunciar, a persistência do impasse político-militar na Líbia e o aumento dos protestos na Síria, que começam a despontar como uma ameaça real ao regime do partido Ba´ath.

O partido foi fundado no pós Segunda Guerra Mundial como uma mistura de nacionalismo pan-árabe com ideais sociais vagamente socialistas. A principal base de apoio eram as minorias religiosas, o teórico mais importante do Baath era cristão e com o tempo os alauítas – uma seita do xiismo – ascenderam à liderança partidária, reproduzindo a posição proeminente que tinham na polícia e nas Forças Armadas, desde a época do protetorado francês sobre o país.

O Ba´ath governa a Síria desde a década de 1950 e a maior parte desse período foi sob a família Assad. Começando pelo pai, Hafez, um oficial da Força Aérea que dominou o país com mão-de-ferro, esmagando uma rebelião da Irmandade Muçulmana em Hama, em 1982, ao custo de 20 mil mortos e da destruição de boa parte da cidade. Ele envolveu a Síria em duas guerras desastrosas com Israel (1967 e 1973), num longo envolvimento na guerra civil do Líbano e numa aliança com o Irã contra o inimigo comum, o Iraque.

O atual presidente, Bashar al-Assad, é filho de Hafez, mas não era o herdeiro políico do pai. O posto cabia a seu irmão, que morreu num acidente. O imprevisto forçou Bashar a abandonar a carreira de médico oftamologista na Inglaterra e assumir o negócio da família: governar a Síria. As leis tiveram que ser alteradas, pois à época de sua nomeação para presidente (1999) ele tinha apenas 35 anos e era jovem demais para o cargo.

Bashar talvez fosse o mais popular entre a atual leva de autocratas nos países árabes, em grande medida porque era visto como alguém de fora do sistema corrupto do Baath, que poderia reformar o país. Em termos econômicos, promoveu a liberalização e abertura, mas nada tão diferente do que foi feito no Egito de Mubarak e até na Líbia dos últimos 10 anos. Não houve reformas políticas significativas – a minoria alauíta que governa o país sabe o quanto é vulnerável diante de qualquer movimento de oposição que possa conquistar o apoio dos sunitas.

O atual ciclo de protestos na Síria começou exatamente das pequenas cidades sunitas, com slogans e exemplos das demais revoltas árabes, e até o momento não conseguiu se consolidar nas maiores metrópoles do país, Damasco e Alepo. O jovem Assad responde com uma mistura de concessões (como abolir a Lei de Emergência, que lhe dá poderes ditatoriais) e repressão, com centenas de mortos. Contudo, não estamos mais no tempo de seu pai, onde era possível arrasar uma cidade como Hama para se manter no poder.

A sobrevivência do regime Ba´ath é incerta, bem mais do que, digamos, a monarquia da minoria sunita no Bahrein. As relações externas de Assad foram marcadas por tentativas um tanto frustradas de diálogos com inimigos tradicionais como Estados Unidos, Israel e Turquia. Nenhum dos governantes desses países o considera como um pilar indispensável da estabilidade e muitos acreditam que um regime baseado na maioria religiosa síria teria mais força para fazer concessões, sem ter o peso das derrotas militares do Ba´ath, como a perda das Colinas de Golã.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Acordo em Teerã



Ele conseguiu. O presidente Lula mediou de forma bem-sucedida o acordo sobre o programa nuclear iraniano e o Irã enviará urânio à Turquia, para ser enriquecido a 20% com auxílio da Rússia e da França. O percentual insuficiente para armas, mas que garante aplicações para usos médicos. É uma extraordinária vitória diplomática para o Brasil, que coloca a política externa brasileira em outro patamar, e ilumina o potencial da aproximação com a Turquia, fundamental para este processo.

O acordo havia sido proposto pela primeira vez cerca de um ano atrás, mas o Irã havia desistido na última hora em aceitá-lo. Há uma série de indefinições quanto a ele, que inspiram certa cautela. A primeira é que devido ao aumento da produção de urânio iraniano, o percentual que será enviado à Turquia é de cerca da metade do estoque do país. Ou seja, muito poderia ser enriquecido em segredo, em instalações secretas como a que foi descoberta recentemente perto da cidade de Qom.

Para evitar que isso acontecesse, seria necessário um regime de inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica, como a que garantiu o desarmamento do Iraque na década de 1990. O governo iraniano tem resistido a esse tipo de vistoria, e não assinou o Protocolo Adicional ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear, o instrumento que autoriza as inspeções mais abrangentes.

A mediação do Brasil e da Turquia colocou os Estados Unidos numa situação delicada, praticamente forçando o governo Obama a aceitar o acordo atual, apesar de suas deficiências. Naturalmente, isso dá tempo ao Irã – inclusive para levar adiante seu programa nuclear, quaisquer que sejam os objetivos do aiatolá Kamenei, do presidente Ahmadijenad e de outros líderes do país.

Um ponto importante, que teve pouco destaque na imprensa brasileira, é a ofensiva diplomática da Rússia no Oriente Médio. Na última semana, o presidente russo Dmitiri Medvedev visitou Turquia e Síria, assinando diversos acordos de cooperação. No caso sírio, é a retomada da antiga aliança da Guerra Fria, junto a esforços russos para mediar as tensões do país árabe com Israel – que há poucos dias falou de um novo “eixo do Mal” envolvendo Irã, Síria e Coréia do Norte.

A aproximação Rússia e Turquia é inovadora. Os dois países tem uma longa história de guerras, rivalidades e desconfianças, que vem do século XIX e envolve disputas por territórios estratégicos: Bálcãs, Ásia Central, os estreitos ligando o Mar Negro ao Mediterrâneo. Mas descobriram interesses comuns: um intenso fluxo comercial, construção de oleodutos, mediação de conflitos locais. Os russos irão inclusive ajudar os turcos a instalar sua primeira usina nuclear.

Em outras palavras: o Oriente Médio deixou de ser a área de influência hegemônica dos Estados Unidos, como foi em grande medida nos últimos 20 anos, e se tornou o campo de provas para a nova ordem multilateral em gestação. Rússia, Turquia, Irã e mesmo o Brasil ganham possibilidades de ação internacional na região.