segunda-feira, 30 de março de 2009

O Planejamento Depois do Caos



“Mas meu filho, desde quando você entende de finanças públicas?”
Minha mãe

Como sabem os leitores deste blog, passei a última quinzena em estágio no Ministério do Planejamento, encarregado de preparar uma análise sobre as relações entre orçamento e planificação econômica no Brasil. Em que pese a surpresa da senhora minha progenitora, foi uma experiência muito boa, de mergulhar de cabeça numa área nova para mim, tendo por guia uma extraordinária equipe técnica, incrivelmente receptiva e prestativa. Também li muito – relatórios do Banco Mundial e do BID, e artigos de consultores acadêmicos, brasileiros e estrangeiros.

A tradição brasileira com planejamento remonta à década de 1940 e tem marcos importantes como a cooperação internacional com as missões dos Estados Unidos e da Cepal, o Plano de Metas de JK e o II PND, do governo Geisel. É uma história bem-sucedida, inseparável da própria industrialização do país. Contudo, a década de turbulência inflacionária que se seguiu à crise da dívida em 1982 praticamente inviabilizou os esforços de planificação, devido à grande instabilidade dos preços e das finanças públicas.

A Constituição de 1988 criou o Plano Plurianual (PPA), com quatro anos de vigência, que deveria orientar as ações governamentais de cada mandato presidencial. Mas ele durante sua primeira década ele foi apenas uma formalidade burocrática, sem maior relevância política. Após o Plano Real, a ideia de planejamento passou novamente a ser levada a sério, com o progressivo fortalecimento do PPA e o lançamento de iniciativas como a do Brasil em Ação na presidência de FHC, um conjunto de metas e projetos prioritários para o governo. Houve algo semelhante no início do governo Lula, com o Projeto Piloto de Investimentos, cujas ações gozavam de vantagens como a não-submissão aos cálculos de superávit primário.

O PPA também buscou se firmar como uma ferramenta para a melhoria da gestão pública, introduzindo mecanismos de administração por resultados, reorganizando o orçamento por programas e tentando dar poder aos gerentes que tocariam a iniciativa. Minha avaliação é que esses objetivos eram demasiado ambiciosos e que deveriam ter ficado sob responsabilidade de outros processos, voltados especificamente para reformas administrativas.

Uma das dificuldades de lidar com planejamento no Brasil atual é que o Estado é bastante fragmentado, com grande número de ministérios, muitas ações executadas em parcerias com estados e municípios e o modelo político do presidencialismo de coalizão, no qual o governo é compartilhado por diversos partidos, cada um com seus próprios objetivos, e uma base parlamentar um tanto inconstante e sempre necessitada de atenção.

Não é fácil considerar todos esses fatores na elaboração de um plano. O número de atores envolvidos é bem maior do que na época da ditadura, ou mesmo do que na democracia de 1946-1964, e a discricionariedade do Executivo é menor. O Congresso tem bem mais força e a maior parte das receitas orçamentárias – em torno de 85% - é de caráter obrigatório ou vinculado a uma área específica (saúde, educação) de modo que os presidentes têm menos espaço para distribuir recursos como quiserem.

O governo Lula tem enfrentado o problema centralizando o núcleo duro do planejamento na Casa Civil da Presidência, no Programa de Aceleração do Crescimento. O trabalho do PAC apresenta muitas inovações interessantes, em particular nos mecanismos de monitoramento e avaliação das ações, mas também no modo como os ministérios interagem com as autoridades da Casa Civil, Planejamento e Fazendo nas chamadas salas de situação. No que toca aos objetivos de longo prazo, houve a criação da Secretaria de Assuntos Estratégicos, que tem lançado temas interessantes para discussão com a sociedade.

Um dos desafios do meu estágio foi justamente pensar com o Ministério do Planejamento se situa neste contexto de mudanças. Ainda estamos escrevendo o relatório, mas me parece que nesta conjuntura o PPA se tornou um instrumento abrangente demais, e que seria mais interessante reformulá-lo para se concentrar em outras áreas prioritárias, não abarcadas pelo PAC. Toda a questão de avaliação de políticas públicas também tem ganho um enorme destaque nos últimos anos, uma novidade na tradição brasileira, mas que já ocorre nos Estados Unidos desde a década de 1960.

sexta-feira, 27 de março de 2009

O Eterno Retorno da Reforma do Estado


Os jornais das últimas semanas trouxeram reportagens interessantes sobre a volta da reforma do Estado para uma posição de destaque na agenda política. O tema entrou no radar dos principais pré-candidatos à presidência e também nas discussões da Secretaria de Assuntos Estratégicos.
O Brasil teve três grandes reformas do aparato administrativo. Duas delas ocorreram em regimes autoritários: a da Era Vargas, na década de 1930 criou o embrião de uma burocracia moderna (bastante avançada para os padrões da época). A da ditadura militar apostou no fortalecimento das estatais, autarquias e fundações, em detrimento dos ministérios e da presidência. Em democracia, houve apenas a reforma Bresser, que introduziu de forma importante, ainda que incompleta, elementos gerenciais inspirados na Nova Gestão Pública dos países de língua inglesa, em particular do Reino Unido. Naturalmente, também houve mudanças significativas em outros momentos, como a obrigatoriedade de concurso para ingressar no serviço público, estabelecida pela Constituição de 1988.

A reforma Bresser foi muito associada pelos partidos de oposição ao ideário neoliberal de redução do Estado. Não é bem assim, e análises acadêmicas apontam que uma das razões de suas limitações foi o medo das autoridades econômicas que ela acabasse por ampliar os gastos públicos. No fim das contas, a reforma lançou as sementes do fortalecimento/recriação de diversas carreiras estratégicas para o Estado, inclusive a dos gestores de políticas públicas, da qual sou membro. Mas a etiqueta ficou e a meu ver explica em grande medida porque o PT viu com pouca simpatia o tema e não apresentou uma proposta própria, embora tenham retomado os concursos e aumentado bastante os salários.

A retomada dos investimentos governamentais, via Programa de Aceleração do Crescimento, ilustrou a fragilidade estrutural na qual haviam caído vários setores do Estado. Muitas obras atrasaram em função da falta de profissionais qualificados em áreas tão diversas quanto engenheiros e redatores de editais. Foram, afinal, pelos menos 20 anos de degradação salarial e condições adversas no serviço público. As dificuldades chamaram a atenção do governo para a necessidade de fortalecer o funcionalismo de carreira.

Simultaneamente, a reforma Bresser e outras mudanças políticas – como a Lei de Responsabilidade Fiscal – foram poderosos estímulos para que os governos estaduais levassem adiante suas próprias reformas administrativas. Há muita coisa interessante acontecendo Brasil afora, e o “choque de gestão” de Minas Gerais virou talvez a principal bandeira política do governador Aécio Neves.

A estrutura federativa do Estado brasileiro impõe desafios particulares. A União recolhe a maioria dos impostos e tem quadros técnicos extremamente qualificados, situação infelizmente ainda incomum em boa parte dos estados e municípios – justamente as unidades administrativas responsáveis pela prestação dos serviços essenciais aos cidadãos, como educação básica, saúde e segurança. Por isso a importância de ideias lançadas pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, de criar “agências transfederais” que possam melhorar a coordenação entre os diversos entes federativos.

Sei não. O Brasil periga virar um país sério.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Frost/Nixon


Vinte e cinco anos após o Watergate, o espectro de Richard Nixon continua a assombrar os Estados Unidos, como um símbolo do lado mais sombrio de sua sociedade e de seu sistema político. O ex-presidente é um coadjuvante curioso no filme de super-heróis (e vilões) Watchmen e a estrela de Frost/Nixon, um brilhante drama sobre a responsabilidade e as limitações da imprensa em exercer o "Quarto Poder" no controle do abuso da autoridade.

Adaptado da peça de Peter Morgan (o mesmo do ótimo "A Rainha"), Frost/Nixon conta a história de uma série de entrevistas televisivas com o ex-presidente, realizadas em 1974 pelo apresentador britânico David Frost. O duelo jornalístico acabou sendo o mais próximo a um julgamento que Nixon enfrentou pelos crimes que cometeu quando chefe de Estado, e também seu (restrito) mea culpa pelas atrocidades que resultaram de seus erros, como a tragédia que detonou no Camboja ao decidir atacar o país durante a Guerra do Vietnã.

Frost era um herói improvável para confrontar Nixon, pois se tratava de um playboy e showman mais afeito ao convívio com celebridades e reportagens leves do que ao noticiário político. Mas teve o faro de perceber que, poucos meses após renunciar à presidência, Nixon continuava a ser um tema explosivo, em particular pelo modo arrogante com que tratou sua própria saída do poder, sem jamais admitir culpa.

O filme é muito feliz em retratar a difícil preparação das entrevistas - nenhuma grande rede de TV bancou Frost, que teve que custear as despesas do próprio bolso, inclusive uma elevada quantia paga a Nixon, para que ele aceitasse participar do programa. O roteiro mostra Frost lento em reagir às provocações do ex-presidente, mas auxiliado por uma brilhante equipe de assessores, motivados e idealistas.

Nixon - em interpretação magistral de Frank Langella - é retratado como uma velha raposa, cheia de manhas e charme, inteligentíssima, mas ao mesmo tempo raivosa, amargurada e com os complexos de menino pobre, sempre desprezado pela elite política americana. A relação de ódio é simbolizada em sua obsessão com John Kennedy, sua antítese. Curiosamente, a biografia de Nixon tem muitos pontos em comum com a do próprio Frost, semelhança que será crucial para o desfecho da trama.

Como exemplo de cinema político inteligente e bem feito, Frost/Nixon nos faz pensar em muitos desdobramentos, como o papel que a imprensa jogou nos anos recentes e difíceis do governo Bush nos Estados Unidos, e de como seria bom ter algo semelhante às celebres entrevistas na América Latina. Alguém tem candidatos para o papel de Nixon no Brasil, Argentina ou México?

segunda-feira, 23 de março de 2009

Guerra no Mar



De uns poucos anos para cá, quando convivi de maneira mais próxima com militares, tenho observado uma aproximação excelente entre as Forças Armadas e a comunidade acadêmica. Um excelente exemplo é o lançamento de “Guerra no Mar – batalhas e campanhas navais que mudaram a história”, organizado pelo almirante Armando Vidigal e pelo comandante Francisco Eduardo Alves de Almeida. A coletânea reúne 15 artigos escritos por oficiais da Marinha e por professores universitários (sobretudo das instituições do Rio de Janeiro) que abarcam da Grécia Antiga ao conflito pelas ilhas Malvinas.

Independente da formação profissional dos autores, todos os textos dão grande atenção ao contexto político no qual se desdobram os combates navais. Parece ser uma constante história que uma potência em ascensão ambiciona a construção de uma marinha de guerra, para garantir o domínio de rotas comerciais, acesso a matérias-primas ou negar o espaço marítimo a adversários. Isso vale mesmo para poderes tradicionalmente lembrados por suas conquistas terrestres, como a República Romana, a França Napoleônica e a Alemanha de Bismarck e Guilherme II. A cronologia dos artigos é um “quem é quem” das disputas entre diversos impérios: gregos e persas, romanos e cartagineses, espanhóis e turcos, espanhóis, ingleses e holandeses, ingleses e franceses. Faltou um ensaio dedicado a Portugal, omissão bastante curiosa em livro preparado por brasileiros!

Grosso modo, a tática naval permaneceu muito próxima à terrestre da Antiguidade até a batalha de Lepanto, no século XVI, na qual o expansionismo turco no Mediterrâneo foi detido por uma aliança complexa entre espanhóis e cidades-estado italianas. Nesse tipo de confronto, a embarcação primordial era a galera, movida a remo, que levava tropas de infantaria para abordar os barcos inimigos. Inovações tecnológicas como velas mais eficientes e a energia a vapor revolucionariam a maneira de lutar no mar, com a formação de grandes linhas de batalha, como as que se enfrentaram em Trafalgar, túmulo das ambições oceânicas napoleônicas.



Dos países não-ocidentais, o Japão é aquele examinado com mais detalhes no livro. Diversos artigos mapeiam a ascensão do poder naval nipônico, em suas bem-sucedidas guerras contra China e Rússia, e no esforço hercúleo, mas fracassado, de derrotar os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.

Dois ensaios tratam da história militar sul-americana. Um deles aborda a batalha do Riachuelo, na qual a Marinha brasileira praticamente destruiu a paraguaia, em momento decisivo da Guerra da Tríplice Aliança. O segundo analisa a Guerra das Malvinas sob o prisma naval e é um testemunho eloquente das lições que a Marinha brasileira tomou daquele conflito, em particular a importância do submarino nuclear. O afundamento do cruzador General Belgrano (foto que abre o post) por uma dessas embarcações foi um dos instantes cruciais que selou a sorte das tropas argentinas.

Aliás, a universidade na qual estudei em Buenos Aires fica no bairro de Belgrano e na estação de metrô onde eu saltava havia uma maquete do cruzador tragicamente afundado nas Malvinas, com relatos de sobreviventes. Para quem se interessa pela história desse conflito, vale ler o relato do emocionante encontro entre um tripulante britânico do submarino e marinheiros do Belgrano. Às vezes as pessoas conseguem se elevar além da estupidez das nações.

sexta-feira, 20 de março de 2009

A Europa Frente à Crise



A maior parte das discussões sobre a crise mundial tem se concentrado nos Estados Unidos, até pelas expectativas com relação ao governo Obama. No entanto, é na Europa que a turbulência econômica global tem batido com mais força. Paul Krugman ressaltou recentemente sua preocupação com "um continente à deriva", criticando a lentidão e a fragilidade dos esforços das autoridades em lidar com o aumento no desemprego e a queda no PIB.

Nesta semana a França foi tomada por greve geral que mobilizou algo entre 1 e 3 milhões de pessoas, dependendo das estimativas. Foi uma das maiores manifestações da história recente do país e paralisou não só cidades grandes como Paris, Bordeaux e Marselha, mas também municípios de médio porte, a tal "França Profunda" sempre evocada pelos políticos. O presidente Sarkozy tem sido muito criticado, inclusive pelos seus correligionários. Eleito com um discurso que prometia reformas liberais e a modernização do Estado, o marido de Carla Bruni agora se vê às voltas com demandas para reforçar os mecanismos de proteção social estatal, em meio a uma recessão assustadora, a pior desde a ocupação nazista na Segunda Guerra Mundial.

Do outro lado do Canal da Mancha podem não haver manifestações gigantescas, mas a situação também preocupa, com o crescimento acelerado das taxas de desemprego no Reino Unido. Pior do que isso, elas sobem em todo o país, e não apenas em regiões específicas - por exemplo, no Norte industrial que passou por crise séria na década de 1980. Como todos sabemos, a proteção social britânica segue um padrão liberal, menos abragente do que o modelo francês - mas ambos foram atingidos em cheio pela turbulência econômica.

quarta-feira, 18 de março de 2009

O V Fórum da Água



Nesta segunda começou na Turquia o V World Water Forum. O principal tema do encontro é o que fazer com os recursos hídricos diante das ameaças do aquecimento global. A estimativa é que até 2025 2/3 da população mundial irá enfrentar problemas de abastecimento de água.

O tipo de conferência organizado pelo World Water Council se parece com os grandes encontros do ciclo social da ONU, a diferença é que a iniciativa é de uma organização privada (embora inclua agências oficiais), e não de uma instituição intergovernamental. O encontro atual é o quinto realizado pela entidade, que aproveitou o vazio deixado pelas Nações Unidas - o único fórum internacional sobre água organizado por ela ocorreu em 1977!

Há muitos motivos para que a comunidade global dê mais atenção aos temas hídricos. A quantidade de mortes e doenças provocadas pela falta de água potável, ou por inundações decorrentes de mudanças climáticas é extremamente elevada. Outro problema sério é a diminução na quantidade de chuva e os riscos que isso acarreta para a produtividade da agricultura, sobretudo na África.

A América Latina é uma região bastante rica em termos de recursos hídricos e por aqui o enfoque da discussão tem sido mais pelo prisma econômico, das grandes campanhas contra a privatização do abastecimento de água na Bolívia, no Uruguai e em menor grau na Argentina. Internacionalmente, esse é um debate secundário: mais de 90% dos serviços desse tipo são públicos.

O Brasil provavelmente terá um papel de bastante destaque nos fóruns globais sobre água, como não poderia deixar de ser num país com tamanhas reservas de água. Mas não pelas dádivas naturais: a experiência de participação social em políticas públicas, nos Comitês de Bacias Hidrográficas é muito respeitada e o assunto bem que merece mais discussão em nossa agenda política.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Um Olhar sobre Cuba e Obama


Há alguns dias escrevi por aqui sobre a reforma ministerial de Raúl Castro em Cuba, se é que o termo não é simplesmente um eufemismo para seu movimento de afastar os tecnocratas reformistas e substituí-los por comunistas veteranos, de sua confiança. Agora leio uma belíssima análise sobre as expectativas do governo cubano com relação a Obama. Havana não está entusiasmada com o novo presidente dos Estados Unidos, porque acredita que seus ganhos diplomáticos em outros tabuleiros - América Latina, União Européia, China e Rússia - superam em muito eventuais concessões que teriam que ser feitas para consolidar a abertura em Washington.

O exame da situação em Cuba é feito pela historiadora americana Julia Sweig, autora de um clássico sobre a Revolução de 1959 e uma intérprete arguta das transformações recentes na ilha. Ela chama a atenção para como a questão cubana ganhou novamente proeminência na agenda diplomática latino-americana, com os países da região renovando esforços para trazer Cuba de volta ao sistema interamericano. O governo Obama sinalizou boa vontade e enviou projeto de lei ao Congresso facilitando remessas de dinheiro e visitas à ilha por parte dos exilados cubanos que vivem nos Estados Unidos. Além da óbvia importância humanitária das medidas, pode ser o primeiro passo no relaxamento do embargo econômico que os EUA impuseram ao país. Hoje, tantos anos após a Guerra Fria, é não somente um anacronismo, mas um desperdício de oportunidades de negócios para as empresas americanas. O setor turístico cubano, por exemplo, virou um importante investimento para as redes hoteleiras espanholas.

Com euros, yuans, bolívares e rublos fluindo para Cuba, não é de espantar que a liderança política em Havana se sinta pouco disposta a mostrar boa vontade diante do velho inimigo. Contudo, Julia Sweig atenta para o impacto duplo da crise econômica e de uma temporada de furações de força inusitada, que causou danos estimados em 20% do PIB cubano. Nessa conjuntura, a instransigência não é boa opção, se é que funciona em algum momento... Minha curiosidade é como o governo cubano irá negociar com os Estados Unidos diante da demissão de alguns de seus diplomatas mais experientes e bem-sucedidos. Colocar algum guerrilheiro de barbas brancas para executar a missão é uma escolha esdrúxula em comparação aos excelentes profissionais afastados por Raúl Castro.

A historiadora reforça as análises que apontam para a importância crescente dos militares no governo cubano. Claro, o próprio Castro foi ministro da Defesa por décadas, e seus homens de confiança estão nas Forças Armadas. Mas há mais em jogo, como Julia Sweig ressalta ao frisar o peso econômico dos militares, que controlam diversas empresas e projetos de cooperação internacional. Acrescento que, em contextos de instabilidade e incerteza, a disciplina das Forças Armadas deve soar muito atraente para uma liderança política cada vez mais insegura diante de um mundo em rápida transformação.

Com certeza, preciso ler mais sobre o tema dos militares na Cuba contemporânea, e há à disposição alguns livros que parecem bem interessantes. Em junho, devo aproveitar o congresso da Latin American Studies Association para me abastecer de novidades.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Planos, Orçamentos e Estágios



Na quarta-feira foi minha última aula no curso de formação de gestores de políticas públicas e no mesmo dia saiu minha designação de estágio. Nas próximas duas semanas estarei no Ministério do Planejamento, com a tarefa de preparar uma análise sobre o processo orçamentário e o plano plurianual (PPA) do governo federal brasileiro.

Algumas palavras sobre o tema: a Constituição de 1988 deu uma boa organizada no orçamento da administração pública, resolvendo problemas sérios que haviam sido agravados na ditadura, em particular a existência de múltiplas contas entre o Tesouro e o Banco do Brasil que tornavam muito difícil o cálculo de estatísticas fundamentais como o déficit do Estado. A Carta Magna também introduziu o PPA, um instrumento que visava ordenar a ação governamental por quatro anos e retomar, em contexo democrático, a tradição de planejamento que era forte no país desde a Era Vargas.

Infelizmente, a inflação caótica dos anos 80/90 não ajudou nada no planejamento, e durante muito tempo o PPA era feito de modo apenas formal, como um documento que ficava em gavetas mas cumpria a obrigação constitucional. Foi só de dez anos para cá que o PPA ganhou mais substância, mas extamente quanta é um assunto bastante polêmico, que costuma gerar debates acalorados entre os tecnocratas da área econômica.

O atual PPA tem vigência entre 2008-2011 e estabeleceu um tripé de prioridades: o PAC, o Plano de Desenvolvimento da Educação e a Agenda Social (Bolsa Família, Pró-Jovem etc). O cerne da estratégia governamental é promover o crescimento econômico por meio da ampliação do mercado interno, e utilizar as políticas públicas para melhorar a distribuição de renda e as condições de vida da população mais pobre.

O PPA tem mais de 200 programas e muitos avanços têm sido feitos no que toca à sua gestão e avaliação. Simultaneamente, o dinamismo da vida democrática brasileira leva a alterações – a meu ver, para melhor – no orçamento anual. O escândalo dos anões do orçamento resultou em mecanismos mais racionais para administrar as emendas parlamentares, a Lei de Responsabilidade Fiscal também contribuiu bastante para diversas mudanças, tanto na União quanto nos estados e municípios.

Em suma, terei trabalho duro pela próxima quinzena, mas tudo leva a crer que será muito proveitoso e interessante.

Ah, sim: é uma honra estagiar num ministério cujo primeiro titular foi Celso Furtado. Que o espírito do mestre ilumine este jovem aprendiz de tecnocrata.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Uma Relação Sempre Delicada


Os cadernos econômicos dos jornais trazem muitas notícias sobre as negociações comerciais entre Argentina e Brasil, com as tensões decorrentes da crise econômica internacional afetando setores importantes como têxteis e os eletrodomésticos da linha branca. Para além da conjuntura, há uma questão de fundo, sempre recorrente nos diálogos bilaterais: qual o lugar que uma Argentina cuja indústria sofre golpes duros desde a década de 1970 ocupa na relação com um Brasil que logrou criar um núcleo de empresas globais competitivas e eficientes?

Até a década de 1950 a economia argentina era mais rica e desenvolvida. Mas uma série de bem-sucedidas políticas de Estado no Brasil – do Plano de Metas de JK ao II Plano Nacional de Desenvolvimento de Geisel – resultaram num extraordinário crescimento do PIB, com a diversificação da base industrial para bens de capital e setores tecnologicamente avançados, como aviação. No país platino, a economia foi vítima do enorme conflito político, de diversas ditaduras e da guerra das Malvinas. Ambas as nações sofreram no turbilhão hiperinflacionário das décadas de 1980 e 1990, mas o Brasil se recuperou com um remédio menos radical do que o choque de conversibilidade de Menem e Cavallo, e manteve muito de seu aparato desenvolvimentista.

Tudo isso fez diferença na retomada da década de 2000. O crescimento argentino foi impressionante, mas o país passou a ter um grande déficit na balança comercial com o Brasil, seu principal parceiro econômico. Em grande medida isso se deve à expansão internacional das empresas brasileiras, que compraram muitas firmas na nação vizinha, e com as aquisições veio a inserção dos novos ativos em suas cadeias produtivas, e o aumento de importações das matrizes no Brasil.

Desde a crise de 1998-2002, o governo argentino adotou uma série de medidas protecionistas, do aumento de tarifas à imposição de licenças prévias às importações. Muitas dessas iniciativas foram controvérsias, e precisaram ser negociadas com o Brasil com base no que os diplomatas brasileiros chamam de “paciência estratégica”, ou seja, concessões econômicas para o principal sócio do país na América do Sul, uma nação cuja estabilidade política é de interesse fundamental. O ponto mais importante desse diálogo talvez tenha sido a assinatura do Mecanismo de Adaptação Competitiva, que estabelece critérios e mecanismos de consulta mútua antes da imposição de mais barreiras ao comércio.

Era de se esperar que a crise atual tensionasse esse processo, pois além das dificuldades econômicas globais a Argentina passa por turbulências locais expressivas, como o conflito entre governo e agronegócio, a seca que muito prejudica o país e os impactos da desvalorização do Real, que favorece os produtos brasileiros.

Contudo, medidas contra o Brasil provavelmente resultariam apenas em desvio de comércio, com competidores da China e da Índia abocanhando mais um nicho de mercado das combalidas indústrias argentinas.

Nesta semana e na próxima, autoridades e empresários argentinos e brasileiros tentarão chegar a uma solução, culminando com a visita da presidente Cristina à Fiesp, no dia 20. Na pauta, a adoção de restrições voluntárias às exportações brasileiras e ajuda financeira às empresas argentinas.

segunda-feira, 9 de março de 2009

A Dança de Natasha


Há um momento no romance “Guerra e Paz” na qual a condessa Natasha, educada nos moldes da cultura européia, entra numa cabana camponesa e começa a dançar ao som de uma melodia folclórica russa, com grande naturalidade e beleza. Tolstói escreveu a passagem como uma crítica à superficialidade dos costumes da nobreza russa, e como a defesa de um modo de vida mais autêntico, ligado às tradições populares. O historiador inglês Orlando Figes toma a cena como ponto de partida e título de seu magnífico “Natasha´s Dance – a cultural history of Russia”, outra das pérolas do meu pacote recente da Amazon.

O livro de Figes é uma interpretação da cultura russa da construção de São Petersburgo, no início do século XVIII, até o degelo comunista da era Brejnev, na década de 1960. Seu ponto alto é a análise da literatura, mas ele também examina música, cinema e um pouco de arquitetura. Seus oito capítulos podem ser lidos quase como ensaios independentes, que tratam de aspectos como a sociedade aristocrática de São Petersburgo e Moscou, a cultura popular camponesa, a influência da religião ortodoxa na sociedade, as difíceis relações entre os intelectuais e o governo soviético. Suas fontes são as obras de arte clássicas – em especial as criações de Pushkin, Tolstói, Dostoiévski, Tchecov, Nabokov, Einsenstein e Stravinsky – e um fascinante olhar sobre a vida privada, por meio de diários, cartas e memórias.



O grande tema que atravessa o período é a busca da construção de uma identidade nacional russa que incorpore as correntes mais dinâmicas da cultura européia (iluminismo, liberalismo, socialismo) às tradições populares do país (cristianismo ortodoxo e práticas camponesas, costumes asiáticos, a relação com a paisagem da estepes e das montanhas do Cáucaso). Um equilíbrio sempre tênue, com batalhas culturais entre ocidentalizantes, eslavófilos e movimentos revolucionários.

Num país sem parlamentos ou imprensa livre, a produção artística assumiu um papel político preponderante, quase messiânico, de debate sobre os rumos nacionais. Figes mostra com clareza a interação entre movimentos artísticos, sociais e políticos. Um exemplo são os Dezembristas – oficiais que derrotaram Napoleão e tentaram depois transformar o Czar num monarca constitucional. A experiência militar de lutar ao lado de camponses-soldados, frequentemente em guerrilha, os marcou para sempre, e influenciou gerações de artistas e ativistas. “Guerra e Paz”, de Tolstói, é o grande monumento literário ao espírito dezembrista. Figes não é tão simpático aos movimentos mais radicais, e seu livro toca apenas de passagem nos populistas russos, o grupo Vontade do Povo – um programa de radicalismo agrário que teve influência profunda no fim do século XIX.

Figes é autor de uma elogiadíssima história da Revolução de 1917, e os dois capítulos sobre a cultura soviética são muito bons, mostrando as diversas maneiras pelas quais os artistas e intelctuais se relacionaram com os bolcheviques. Depois de um breve entusiasmo inicial pelo colapso do velho regime, o resultado mais comum foram problemas políticos, perseguições e a dificuldade pura e simples das condições de vida muito precárias da Rússia. Ainda assim, houve realizações significativas, na poesia, na música e no cinema.

Há espaço inclusive para o humor. As melhores anedotas são sobre o cineasta Serguei Einsentein, cujos extraordinários filmes acabaram influenciando – erradamente – a maneira pela qual se escreve a história russa. Por exemplo, não houve massacre popular em Odessa, ao contrário do que é mostrado em “O Encouraçado Potemkin”. E a tomada do Palácio de Inverno durante a Revolução, retratada em “Outubro”, foi bem mais modesta, ocorreu por uma escada lateral e com menos participantes. Na realidade, a filmagem foi tão tumultuada, com empurrões e quebra-quebra, que o velho porteiro do edifício reclamou com o diretor: “O seu pessoal foi mais cuidadoso da primeira vez que entrou aqui”.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Mudanças em Cuba (ou a falta delas...)


Raúl Castro já está no poder há quase três anos e após tímidas medidas liberalizantes, realizou sua primeira reforma de vulto: afastou 11 ministros, incluindo alguns dos principais colaboradores do irmão, como Carlos Lage e Felipe Pérez-Roque (foto). Ambos são jovens para os padrões da liderança cubana, fazem parte da geração que nasceu após a Revolução de 1959 e têm formação profissional mais tecnocrática.

É a maior reestruturação já ocorrida na cúpula do regime cubano. Uma das interpretações é que Raúl está substituindo os favoritos de Fidel por seus próprios apadrinhados, sobretudo militares que serviram com ele na guerrilha de Sierra Maestra ou durante as longas décadas em que comandou as Forças Armadas.

Nesse sentido, parece mais o retorno da velha guarda do que renovação generacional. Os ministros afastados por Raúl pertenciam ao chamado Grupo de Apoio, uma espécie de Estado-Maior de Fidel. Lage, por exemplo, foi o principal articulador das reformas de abertura econômica durante o “período especial” que se seguiu ao colapso da União Soviética, e era o vice-presidente. Pérez-Roque liderou os esforços diplomáticos da ilha durante dez anos, conseguindo ganhos notáveis como a aproximação com a União Européia, China e Venezuela.

Os irmãos Castro são sempre extremamente cuidadosos em se mostrar publicamente de acordo um com ou outro. Fidel deu declarações bombásticas apoiando Raúl e esculhambando com os antigos colaboradores. Eles, no estilo clássico da burocracia comunista, publicaram cartas de arrependimento e auto-crítica, pedindo desculpas por terem falhado com a Revolução. Como Cuba não é a URSS de Stálin, não irão para a Sibéria, mas provavelmente curtirão o tédio (relativo) de uma aposentadoria à beira do Caribe. Há destinos piores.

O ritmo das reformas de Raúl já estava lento antes das demissões em massa. Penso que com o afastamento do ministério o atual chefe do governo cubano quis dar um recado: o de que ele é quem decide a velocidade e profundidade das mudanças. Que cedo ou tarde, terão que acontecer. Mas o perfil ideológico e biográfico de Raúl e de seus companheiros aponta para uma postura muito, muito restrita diante de qualquer transformação de maior vulto. Será uma pena se isso significar a perda da oportunidade histórica de abertura com os Estados Unidos, como tem indicado o governo Obama.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Milk – A Voz da Igualdade



“Se você quer entender o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos, assista a Milk”, me dizia uma amiga, no papo no café do curso de formação. Outra colega acrescentou: “É realmente muito bom, mas eu fiquei meio chocada. Você, como é jornalista, não vai estranhar.” De fato, acostumado às orgias com anões albinos que acontecem rotineiramente nas redações brasileiras, considerei o filme como o melhor do Oscar deste ano, e suas cenas mais polêmicas não espantariam nem padre de novela das 18h.

Harvey Milk foi o primeiro político assumidamente gay dos Estados Unidos. Ele atuou por um breve período na década de 1970 na cidade de São Francisco, como ativista comunitário e vereador, e teve liderança na rejeição da Proposição 6, um projeto de lei que previa a demissão de todos os professores homossexuais – e daqueles que os apoiassem - das escolas públicas da Califórnia. Milk foi assassinado junto com o prefeito de São Francisco, em circunstâncias surpreendentes que não conto aqui para não estragar a sessão dos futuros espectadores.

Nada na biografia de Milk indicava sua extraordinária capacidade de liderança. Até os 40 anos ele viveu discretamente em Nova York, como um executivo da indústria de seguros, mantendo sua homossexualidade oculta da família e dos colegas de trabalho. A crise da meia idade o fez mudar-se para a Califórnia, onde abriu uma loja de máquinas fotográficas que se tornou um ponto de encontro da comunidade gay de São Francisco, e um catalizador para os conflitos com a polícia e as autoridades municipais.

Milk é interpretado com brilhantismo por Sean Penn, um excelente ator que nesse papel se afasta bastante dos seus personagens habituais, marcados por agressividade e temperamento explosivo. Em comum com o protagonista, Penn tem a paixão pela política e um longo ativismo em diversas causas sociais. O filme é quase uma aula sobre como organizar movimentos de base, acompanhando o processo de convencimento, tomada de consciência, a necessidade de buscar aliados fora do gueto homossexual, o esforço para colocar um tema na agenda da imprensa, e como figuras de destaque se tornam modelos inspiradores para indivíduos desgarrados que fazem parte de grupos discriminados.

A grande sacada do roteiro é tratar a luta pelos direitos dos gays como parte do movimento mais amplo de afirmação dos direitos civis. Isso é a tradição pluralista americana em sua melhor forma: todos somos parte de algum tipo de minoria, senão pela nossa orientação sexual, então pelas crenças religiosas, ideologias políticas ou preferências culturais. A tolerância com a diversidade é uma condição essencial para viver nas complexas sociedades contemporâneas. Muitas das cenas do filme me fizeram lembrar das memórias de juventude de Barack Obama, particularmente de seus anos iniciais como ativista comunitário nos guetos negros de Chicago. Não por acaso, duas das palavras mais repetidas do filme são “mudança” e “esperança”.

A luta vai ser pesada. Como o próprio Penn destacou em seu discurso na noite do Oscar, a Proposição 6 foi derrotada, mas a 8 - que proíbe o casamento gay na Califórnia - venceu na mesma eleição que levou Obama à presidência.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Nove


Meu curso de formação está no fim e voltei a ter tempo para leituras outras que não as exigidas pelo ministério. No pacote que me chegou da Amazon, o mais interessante foi “The Nine – inside the secret world of the Supreme Court”, do jornalista americano Jeffrey Toobin, que escreve para a New Yorker e comenta temas jurídicos na CNN. É uma obra excepcional que mistura reportagem, ciência política e direito para analisar as encruzilhadas do Poder Judiciário nos Estados Unidos.

Breve introdução institucional: os EUA inovaram ao criar, já em sua fundação como nação independente, uma Suprema Corte com poder de vetar decisões dos demais poderes, e de influenciar fortemente a política pública por meio da interpretação da Constituição. No entanto, durante a maior parte da história americana essa prerrogativa foi pouco utilizada. Isso começou a mudar após a Segunda Guerra Mundial, quando a Suprema Corte adotou posturas bem mais ativistas, que levaram à decisões históricas, como o fim da segregação racial nas escolas (Brown v. Board of Education, 1954), a obrigação da polícia ler os direitos dos suspeitos (Miranda v. Arizona, 1966) a legalização do aborto (Roe v. Wade, 1973) e a ordem para o presidente Nixon entregar as fitas de Watergate.

O primeiro terço do livro de Toobin começa com a análise da reação dos conservadores à atuação progressista da Suprema Corte nas décadas de 1950-1970. A direita americana se articulou em diversas frentes, como a sociedade federalista e o movimento originalista, e a ascensão dos grupos religiosos no Partido Republicano também alterou o equilíbrio de influência. As linhas de divisão ideológica passam por temas clássicos como a autonomia dos estados diante da União, os poderes do governo diante da liberdade dos cidadãos. Mas de maneira crescente se voltam para as chamadas “guerras culturais”, centradas no aborto, nas políticas de ação afirmativa e nos direitos dos homossexuais. Toobin faz uma ótima crônica sobre as decisões da Suprema Corte entre os governos Reagan e Clinton e examina como, na maioria desses temas, houve um retrocesso com relação às decisões anteriores. Mas não em todos: a agenda dos gays avançou bastante.



O centro do livro é a narrativa dos embates entre o Poder Judiciário e o Executivo na conturbada presidência de George W. Bush. Toobin analisa em detalhes o papel que a Suprema Corte desempenhou na disputa eleitoral da Florida, que deu vitória ao candidato republicano, mas mostra como a maioria conservadora do tribunal acabou por se desiludir com Bush e contrariar diversas de suas medidas, em particular aquelas que envolviam tortura e a abolição do habeas corpus dos prisioneiros em Guantánamo.

Como o título da obra já indica, Toobin destaca a personalidade de cada um dos nove juízes que compõem a Suprema Corte, e o resultado é uma descrição muito interessante – e cheia de supresas – sobre como biografias, ideologias políticas e personalidades convergem em cada decisão. Há um pouco de tudo, desde juízes solidamente progressistas e devotados às causas sociais (Ruth Ginsburg), conservadores equilibrados (Wiliam Rehnquist), raivosos (Antonin Scalia, Clarence Thomas), centristas sempre em busca da posição que reflita o interesse da maioria dos cidadãos (Sandra O´Connor) e um ex-direitista cujas frequentes viagens internacionais o tornaram incrivelmente aberto a influências do direito internacional para renovar as leis americanas (Anthony Kennedy).

Entre 1994 e 2005 não houve substituição de juízes na Suprema Corte – um dos períodos mais longos sem mudanças. Ao fim, Bush nomeou dois membros bastante conservadores para o tribunal, mas a transformação nas decisões foi bastante lenta e questionada. Nos últimos anos, 1/3 das decisões foram tomadas com o placar de 5 x 4, o que mostra o quanto a Suprema Corte se tornou dividida e polarizada. Como a média de idade dos juízes é muito elevada, Obama tem uma boa chance de nomear novos membros e, quem sabe, levar o mais importante tribunal dos Estados Unidos para posições mais progressistas.