domingo, 30 de agosto de 2009

A Nova Cara do Itamaraty



O Globo deste domingo trouxe uma reportagem que me deixou muito alegre: “A Nova Cara do Itamaraty: mudanças democratizam acesso ao Instituto Rio Branco e formam nova geração de diplomatas.” Quase todos os citados na matéria foram meus alunos ou são meus amigos. Bem, a fronteira entre as duas categorias nunca é clara para mim...

Até 2004, os concursos públicos para a carreira de diplomata ofereciam apenas 30 vagas por ano, e a preparação dos candidatos em geral se dava por meio de um circuito restrito de professores particulares. O governo Lula ampliou a oferta para 100 vagas anuais e houve uma multiplicação de cursos especializados, inclusive aquele no qual leciono desde sua criação, o Clio, que se tornou o que mais aprova na disputa.

O resultado foi uma mudança no perfil dos novos diplomatas. Até recentemente, eram principalmente homens formados em direito e oriundos do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Agora há maior diversidade regional, muita variedade em termos de formação profissional, uma presença cada vez mais intensa das mulheres e a incorporação de pessoas com histórias de vida fora do padrão habitual de classe média e alta.

Muitas delas chegaram ao Itamaraty por meio do programa de ação afirmativa desenvolvido pelo ministério. Em minha opinião é o melhor que existe no país e vários de meus melhores estudantes no curso conseguiram estudar por conta dele. Acompanhei seus esforços com admiração e não raro presenciei sacrifícios consideráveis.

Esses alunos há muito são motivo de orgulho para mim, agora começam a ser também para o país. É bom ver a valorização de suas trajetórias pela imprensa, que até então havia publicado reportagens muito preconceituosas sobre a nova geração de diplomatas, caluniando-a como pouco qualificada.

Torço para que uma chancelaria mais representativa das condições sociais do Brasil resulte também em uma política externa mais sensível aos temas da democracia e dos direitos humanos, que têm sido lacunas signficativas em muitas das iniciativas recentes de nossa agenda diplomática, numa discrepância com a ação internacional de países próximos, como Argentina e Chile. Faço votos para que a nova geração de diplomatas seja mais aberta ao diálogo com outros funcionários governamentais, algo que nem sempre é regra numa chanceleria ainda muito insulada diante de outros órgãos públicos. Situação que não é mais sustentável à medida em que o Brasil participa mais ativamente de várias questões internacionais, e os temas globais se tornam mais entrelaçados com as políticas públicas.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Coração Vagabundo



Um Caetano Veloso em plena forma artística, mas frágil e inseguro, em especial quanto ao suposto provincianismo de sua arte. Esse é o retrato surpreendente do cantor e compositor no documentário “Coração Vagabundo”, dirigido pelo estreante Fernando Grostein Andrade, de 28 anos. O filme foi realizado na turnê do disco “A Foreign Sound” (no qual Caetano interpreta canções em inglês) a partir de 56 horas de gravações e acompanha apresentações do artista por Brasil, Estados Unidos e Japão.

Em diversos momentos, Caetano revela inseguranças, afirmando ser um provinciano de Santo Amaro, a pequena cidade baiana onde viveu até os 18 anos e pouco à vontade em grandes cidades como Nova York. Queixa-se de não dominar a língua inglesa e de nem mesmo tocar violão corretamente. Os medos do cantor são desmentidos pelos fatos do filme, como o monge budista no interior do Japão que lhe diz o quanto gosta de suas músicas ou o taxista norte-americano que lhe agradece porque só conseguiu compreender a beleza da letra de “Come as you are”, do Nirvana, ao ouvir Caetano cantá-la.

Talvez parte dos problemas do artista fosse fruto do momento difícil em sua vida familiar – o filme foi rodado durante a crise de seu casamento, que culminou em seu divórcio de Paula Lavigne. Uma das cenas do documentário mostra Caetano triste e introspectivo, num belo parque japonês, pedindo para não comentar assuntos íntimos.

Isso não o impede de refletir a respeito de grandes temas artísticos. O diretor Fernando Andrade mostra imagens do famoso show de 1968 em que o cantor briga com a platéia, que o vaia em sua apresentação de “É Proibido Proibir” por ter introduzido elementos do rock em suas canções. Comentando a situação mais de 40 anos depois, Caetano afirma que o Brasil ainda permanece excessivamente voltado para dentro de si mesmo, com dificuldade de aceitar influências culturais estrangeiras. Ele comenta que os Estados Unidos sofrem do mesmo problema, mas que por lá a questão não é tão grave porque artistas do mundo inteiro atuam no país. Ainda assim, declara que não gostaria de morar novamente fora do Brasil e, mencionando o envelhecimento e a possibilidade da morte, frisa que quer ser enterrado em Santo Amaro, junto aos túmulos de seu pai e de sua filha.

Outro destaque de “Coração Vagabundo” é mostrar a forte relação de Caetano com o cinema, ilustrada pela amizade com os diretores Michelangelo Antonioni (sobre quem escreveu uma canção) e Pedro Almodóvar, que chegou a encenar um show do cantor em seu filme “Fale com Ela”.

Caetano tem sido uma figura central na cultura brasileira desde a década de 1960 e “Coração Vagabundo” lança boa luz sobre aspectos importantes de sua personalidade. Que venham outros filmes sobre o cantor e compositor.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Joaquim Nabuco



Pode parecer estranho, mas o Congresso brasileiro já teve estadistas que davam orgulho ao país.

No fim de semana estive no Rio de Janeiro e aproveitei para visitar a recém-inaugurada exposição sobre Joaquim Nabuco, no Museu Histórico Nacional. O personagem é brilhante, a mostra, apenas correta. Me pergunto se um visitante que pouco conheça Nabuco terá a real dimensão do muito que ele representou para o país, como líder da campanha pela abolição da escravidão, cientista social pioneiro e diplomata de primeira grandeza. Faço a crítica no contexto dos últimos anos, que foram uma festa para nós, admiradores do mestre: foram publicados documentos preciosos como seus diários, a correspondência com o amigo Machado de Assis, estudos e biografias.



Nabuco foi o parlamentar por excelência, quando os debates sobre as grandes questões sociais passavam sobretudo pela tribuna, mais do que pelas ruas e pelos movimentos de massa. Como deputado, Nabuco foi um apóstolo de reformas vindas de cima que pudessem desmontar o sistema perverso que a escravidão havia criado no país. Posição meritória, sem dúvida, mas a exposição deveria mostrar que havia correntes mais populares, que operavam pelo jornalismo (por exemplo, José do Patrocínio), ou mesmo por ações armadas (os caifazes de Antônio Bento). Além, claro, das discussões culturais, como os inesquecíveis poemas de Castro Alves. Pessoalmente, acho que a grande análise do movimento abolicionista brasileiro ainda está por ser escrita. Um déficit sério para o país.

Outro ponto curioso que merecia mais destaque é a interação entre o caráter inquieto de Nabuco e o tipo de política que se fazia na época. O rapaz elegante, filho de um dos mais respeitados estadistas do Partido Liberal, usou técnicas modernas em suas campanhas eleitorais e seus modos de dândi – como ternos brancos e correntes de ouro – levaram até a questionamentos sobre sua opção sexual. Detalhes pitorescos que dão mais sabor a sua história, e que os leitores interessados encontram no excelente perfil escrito por Ângela Alonso para a Companhia das Letras. Aliás, sua vida sentimental é interessantíssima, com a paixão intensa, mas que nunca se concretizou em casamento, por Eufrásia Teixeira Leite, milionária e livre pensadora (ela mesma protagonista de um recém-publicado romance, que ainda não li) e o matrimônio tardio, mas feliz, com uma mulher mais afeita às tradições.



Nabuco era um monarquista leal que tinha ojeriza à República, identificada por ele com os caudilhismos hispânicos que ele detestava. Nos anos iniciais do novo regime, se dedicou a uma produtiva vida intelectual, escrevendo obras clássicas, como “Um Estadista do Império”, sobre seu pai, e “Minha Formação”, obra-prima do gênero. A cena em que descreve como percebeu pela primeira vez o horror da escravidão é uma das mais belas e comoventes da nossa literatura, só comparável, no tema, ao que Machado de Assis realizou.

Mas meu livro favorito de Nabuco foi escrito um pouco antes, ainda durante a campanha da década de 1880 para acabar com a escravidão. “O Abolicionismo” é uma análise estupenda de como esse sistema perverteu a sociedade, a política e a economia do Brasil, e continua a ser um modelo de como conciliar excelência acadêmica, compromisso com causas progressistas e – por que não? – beleza literária e facilidade de entendimento.

Ao fim, Nabuco reconciliou-se em grande estilo com a República, quando seu amigo, o barão do Rio Branco, o convocou para servi-la como diplomata. E foi sem dúvida um dos grandes, como o primeiro embaixador brasileiro em Washington, costurando a “aliança não-escrita” que Brasil e Estados Unidos celebraram no início do século XX.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Testemunhas da China



Em belíssima reflexão de Primo Levi sobre sua experiência nos campos de concentração nazistas, o escritor afirma que os que sobreviveram ao século XX não foram aqueles que o vivenciaram em seu âmago. Os que viram a face da Medusa não voltaram, ou voltaram sem palavras. Levi se referia aos horrores da Segunda Guerra Mundial, do Holocausto e do totalitarismo e creio que muito do que ele mencionou também se aplica à história contemporânea da China, com o esfacelamento da República entre os senhores da guerra, a invasão japonesa o conflito entre nacionalistas e comunistas, a Revolução de 1949 e os eventos cataclísmicos que se seguiram, em particular as perseguições políticas da década de 1960. O contraponto otimista é o espetacular progresso material dos últimos 30 anos, na qual a renda per capita do país aumentou 20 vezes! A jornalista chinesa Xinran realizou um brilhante trabalho de entrevistas com idosos que passaram por todas essas experiências, sintetizadas em seu livro “Testemunhas da China”.

Xinran tornou-se famosa como jornalista na China dando voz a grupos marginalizados, como mulheres e camponeses pobres. Ela mora há vários anos no Reino Unido e escreve no jornal The Guardian. Sua perspectiva é crítica ao Partido Comunista, mas com orgulho das realizações chinesas desde 1949, em particular a resistência e heroísmo de seu povo. “Testemunhas” segue esse espírito.



O livro é organizado em torno de 11 grandes entrevistas a idosos na faixa dos 70-80 anos, de diversas regiões, classes sociais e experiências de vida. Há pessoas muito pobres, como uma sapateira que sobrevive nas ruínas de uma fábrica, e indivíduos bem-sucedidos, como o casal pioneiro na indústria do petróleo (o núcleo duro dos tecnocratas que reformaram a China sob Deng Xiaoping) e uma general responsável pela educação em línguas estrangeiras do Exército. Outros têm posições mais ambíguas, como o artesão especializado nas tradicionais lanternas de festividades, respeitado por sua perícia mas vendo sua renda econômica decair junto com esse costume, ou o policial e juiz veterano que se aposentou com poucos recursos, após anos de conflitos contra a corrupção e o arbítrio.

Em meio à diversidade, alguns fios condutores: a experiência da miséria e da fome na China pré-revolucionária, crença quase religiosa na importância da educação, rigorosa ética de trabalho, o trauma da guerra contra o Japão (o ódio ao país ainda está muito vivo nas lembranças dos idosos) e visões geralmente benignas da Revolução, sempre descrita como Liberação.



Os dramas com a política começam mais tarde, sobretudo com a Revolução Cultural da década de 1960. Há certa nostalgia com o idealismo e a dedicação dos primórdios do regime comunista, mesmo em meio à penúria material, mas transparecem arrependimentos com a vida íntima deixada em segundo plano, em particular o tratamento frio e inadequado dados aos filhos. Chama a atenção igualmente o enorme grau de repressão sexual e dos sentimentos amorosos. Xinran não desenvolve o ponto, mas é inevitável pensar que toda essa frustração acabou encontrando um canal perigoso nos embates dos guardas vermelhos.

Após as reformas econômicas a vida melhorou muito, mesmo para os mais pobres e confortos como televisão, rádio e uma dieta mais rica se tornaram corriqueiros. É freqüente os idosos compararem os bens dos quais dispõem hoje com a miséria do passado e se orgulharem dos sacrifícios com que ajudaram a construir a China moderna. Mas, simultaneamente, há apreensões com o materialismo e o individualismo atuais, que julgam excessivo, e críticas ao aumento da corrupção dentro do partido comunista. O regime, em si mesmo, não parece colocado em questão e só os entrevistados com mais contato com a cultura ocidental mencionam a possibilidade de democracia.

Em resumo, excelente livro, dos melhores deste ano. Fiquei com vontade de ler outras obras da autora. Alguém pode me dizer o que achou de “As Boas Mulheres da China” ou “O Que Os Chineses Não Comem”?

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A Internacionalização dos BRICs



Nesta semana fui a Minas Gerais e participei de um congresso acadêmico sobre internacionalização das empresas dos BRICs, realizado na Fundação Dom Cabral. É o tipo de evento que ilustra bem as novas tendências das relações internacionais. Os países do bloco somam ¼ do PIB global e são responsáveis por mais de 40% do crescimento econômico mundial. Com exceção da Rússia, têm demonstrado dinamismo e capacidade de recuperação frente à crise atual, o que os coloca no centro da estratégia de muitas empresas para voltar a crescer.

Além disso, ao longo desta década os BRICs lograram criar suas próprias transnacionais. Os chineses estão muito presentes na área de infraestrutura e energia, e começaram a adquirir marcas globais (como a Lenovo fez com a IBM). Os indianos se destacaram em tecnologia da informação e em aço, os russos em petróleo e gás.

Na conferência da Dom Cabral acompanhei as palestras de executivos das principais empresas brasileiras e gostei muito do que ouvi, inclusive pela percepção generalizada de que não existe um modelo único para as firmas do país. Muita coisa ainda ocorre por tentativa-e-erro e permanecem vários desafios, em particular na China.

As multinacionais brasileiras começaram a atuar na década de 1970 e se ampliaram nos anos seguintes com firmas de construção civil que buscaram nos mercados externos o dinamismo perdido quando o governo suspendeu os grandes projetos de infraestrutura, após a crise da dívida. Mas foi só nos anos 2000 que a tendência se tornou forte, em grande medida pelos impactos combinados da estabilização e da abertura da economia, que facilitaram condições para a ação internacional, ao mesmo tempo em que intensificaram a competição com as firmas estrangeiras.

Setores inteiros da economia brasileira, como eletrônicos e autopeças, não conseguiram enfrentar a situação e passaram para o controle de empresas de outros países. Mas houve muitas firmas nacionais que floresceram no novo ambiente, como Vale e Embraer. Também há perspectivas interessantes na internacionalização de serviços, como automação bancária e software.

Em geral, as multinacionais brasileiras começam suas operações no exterior pela América Latina, por acreditarem que é mais fácil trabalhar nos países vizinhos, pela proximidade cultural. Daí partem para outras regiões, principalmente América do Norte e Europa.

A contribuição dos acadêmicos indianos também foi muito interessante, sobretudo na ênfase que deram para a busca de modelos de negócios adaptados à realidade dos países em desenvolvimento. Por exemplo, empresas que se especializem em vender à população de baixa renda, ou a classe média que ascende em todos esses países.

Em suma, o tema é interessante. Vou ler com calma os livros e artigos que recebi na conferência, mas já penso em dar um pequeno curso sobre o assunto.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A Partida



A Partida”, de Yojiro Takita é a produção japonesa que venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2009, derrotando rivais de peso como o israelense “Valsa com Bashir” e o francês “Entre os Muros da Escola”. Narrando uma história simples com delicadeza, o drama japonês conquistou o público carioca na divulgação boca a boca.

Daigo (interpretado pelo jovem e excelente Masairo Motoki) é um violoncelista que perde o emprego em Tóquio, quando a orquestra em que tocava é dissolvida. Em dúvida quanto ao próprio talento e em crise pessoal, resolve retornar à pequena cidade onde cresceu, na qual pode viver na casa herdada da mãe. As lembranças de infância são agridoces: a beleza do local e o início da paixão pela música, mas também as parcas e dolorosas memórias do pai que o abandonou ainda criança, e nunca mais deu notícias.

Em busca de trabalho, Daigo responde a um estranho anúncio de jornal e é empregado como assistente numa pequena agência funerária que prepara os corpos para serem colocados em caixões. Anteriormente, os ritos eram feitos pelas famílias dos mortos, mas as tradições se perderam com o tempo e agora os parentes dependem de profissionais capazes de executar as delicadas práticas, que envolvem maquiagem, a escolha da vestimenta adequada e o trato com as pessoas que eram próximas aos falecidos.



A princípio o novo ofício causa repugnância a Daigo – ele tivera pouco contato com a morte e nunca refletira sobre o que ela significa para a vida. Seu mentor nessa jornada será Shoei (atuação contida e talentosa de Tsutomu Yamasaki), o dono da agência funerária, cuja trajetória individual e comentários filosóficos sobre o vínculo entre comida e cadáveres o tornam um personagem antológico. Mas a mudança pessoal de Daigo é complicada pela rejeição que sua nova profissão provoca na esposa e nos amigos, que passam a evitá-lo. O período de solidão do protagonista rende algumas das cenas mais belas do filme, como aquelas em que ele toca Brahms no campo, ou observa os salmões nadarem contra a corrente do rio, no que parece ser um confronto sem sentido com a vida e a morte.

“A Partida” mistura humor e drama nas doses certas, e nunca é amargo ou depressivo. Há apenas uma tristeza muito doce, como aquela cantada por Vinicius de Moraes, que parece guardar sempre a esperança de um dia não ser mais triste. As visitas profissionais de Daigo o levam a ser testemunha de conflitos familiares, de pessoas que se foram antes de fazer as pazes com aqueles que lhes eram queridos, ou de feridas que permaneceram abertas por tempo demais. O cuidadoso roteiro trata a todos os personagens com respeito e afeto, fazendo com que os espectadores nos sintamos também parte de suas histórias, em especial na luta de Daigo para entender o significado da morte e buscar a reconciliação em sua difícil relação com o pai.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Mentiras do Rio



Outro dia eu conversava com meu pai, que afirmava que Brasília não tinha escritores (“Fora a Mônica Veloso”). Contra-argumentei com o exemplo do Sergio Leo. Se você o conhece das colunas jornalísticas sobre comércio exterior e política sul-americana, talvez fique surpreso em descobri-lo ficcionista. Se acompanha seu ótimo blog, provavelmente dirá algo como “Eu já sabia!”. Era óbvio que o criador de Oliveira, o canalha da redação, guardava outras cartas na manga. Mais precisamente, os contos de “Mentiras do Rio”, vencedor do Prêmio SESC de Literatura em 2008.

As doze narrativas do livro são ambientadas no Rio de Janeiro, sobretudo no bairro de Copacabana, epicentro dos sonhos, frustrações, esperanças e medos dos personagens que enveredam por enredos que misturam violência e solidão. Com freqüência, ambos os temas estão entrelaçados.

Os dois contos dos quais mais gostei foram “Mademoiselle Souvestre e o Dono do Aterro” e “Não Dá para Voltar ao Rio”. No primeiro, uma professora de francês (que conheci na fila de autógrafos, na noite de lançamento do livro!) e um mendigo têm um encontro inesperado e tenso, marcado pelas diferentes perspectivas de mundo. No segundo, um assalto em um ônibus vira um jogo quase de vida e morte, entre diversas opções de ação para o narrador-protagonista e seu antagonista de arma na mão.

“Previdência” é ambientado entre burocratas numa velha repartição. Li trechos em voz alta para meus colegas de ministério e provocou uma discussão interessante. Mas temos um recado para Sergio Leo: comunicações oficiais para departamentos do mesmo órgão se chamam memorando. Ofício é só para fora! Nada mais cruel do que a crítica literária feita por burocratas.

Os colegas do Poder Legislativo talvez gostassem de “Congresso de Pijama”, no qual um homem se finge de deputado num almoço de fim de semana e o que começa como brincadeira vai ganhando ares mais turbulentos, à medida que ele encarna o personagem e provoca fortes reações dos demais participantes da reunião.

O Rio do Sergio é uma cidade machucada, doída. Talvez “sem caráter”, como escreveu a jornalista Carla Rodrigues, num post sobre o livro. Mas também é povoada por personagens que, de algum modo, não deixam a peteca cair, e seguem adiante apesar dos problemas e de um ou outro sonho meio amassado.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Tempos de Paz



Tempos de Paz” é um filme extraordinário, que trata de direitos humanos, ditadura, democracia e do poder – e necessidade – do teatro como um símbolo de humanidade diante da bárbarie. Uma obra-prima profundamente brasileira, mas de mensagem universal. Daniel Filho dirige o longa, a partir da premiada peça de Bosco Brasil.

O filme é ambientado em abril de 1945, no dia em que a ditadura Vargas liberta os presos políticos. A guerra na Europa está nos momentos finais, mas o serviço de imigração ainda aguarda as novas diretrizes para os tempos de paz. Sigismundo (Tony Ramos) está numa situação difícil. Ex-membro da polícia política do Estado Novo, ele teme que alguns dos anistiados resolvam acertar velhas contas, e se ressente com o posto secundário que exerce na Alfândega, depois de “ter feito tudo que eles mandaram”. Enquanto pensa em voltar mais cedo para casa, precisa vistoriar um navio recém-chegado, trazendo refugiados que querem se estabelecer no Brasil. Um deles é o polonês Clausewitz (Dan Stulbach), que afirma ser agricultor, mas cujos modos sofisticados despertam a desconfiança das autoridades.

Pressionado por Sigismundo, Clausewitz abre o jogo: na realidade, é ator, mas desistiu do teatro, porque não acredita que a arte seja capaz de dizer algo ao mundo depois dos horrores que testemunhou na guerra. Aprendeu português encantado com a doçura da língua (“Parece um latim falado por quem não tem dentes”). Ele não tem pertences ou dinheiro com os quais possa subornar a imigração. Irritado, Sigismundo lhe propõe uma aposta: se conseguir fazer chorar o embrutecido torturador, poderá ficar no Brasil. “Isso está no regulamento?”, pergunta o atônito candidato a imigrante. Seu algoz lhe responde com o lema de todos os torturadores e esbirros de ditaduras, do Estado Novo à Alemanha Nazista: “O regulamento sou eu”.



O jogo que se segue entre os dois é um esforço doloroso de Clausewitz para recuperar suas lembranças e comover Sigismundo, no que é, simplesmente, a mais bela declaração de amor ao teatro que já vi. O clímax é um monólogo extraído de “A Vida é Sonho”, famosa peça de Calderón de la Barca, e no entano o que realmente me emocionou é fala seguinte de Clausewitz, na qual ele reflete sobre o significado das artes cênicas.

“Tempos de Paz” é um filme de dois excelentes atores. Stulbach tem um papel dificílimo, tendo que representar com forte sotaque polonês e interpretar um ator inseguro com o idioma português. Mas é Tony Ramos quem rouba a cena. Parte da crítica não gosta dele, por sua enorme desenvoltura em produções populares na TV e no cinema. Bobagem - Tony Ramos é um artista excepcional, como pode comprovar quem quer que assista a esse seu retrato de certa brutalidade bem brasileira.

Mas também é típica do Brasil a acolhida generosa que o país deu a tantos refugiados da guerra, como o fictício Clausewitz, e que renovaram a cultura nacional. O filme presta uma bela homenagem a todos eles, e nos faz sentir um pontada de orgulho por esta nação às vezes tão confusa.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A Cúpula da Unasul



O presidente colombiano, Álvaro Uribe, optou por não comparecer à cúpula da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), realizada em Quito no dia 10. Temia se tornar o saco de pancadas dos países bolivarianos, em razão do anúncio da expansão das bases dos Estados Unidos na Colômbia. Governos moderados, como os do Brasil e Chile, agiram para amenizar as tensões e evitar declarações contrárias a Uribe. O presidente Lula sugeriu uma reunião da Unasul com os EUA, para conversar sobre os problemas da região.

A BBC em espanhol publicou um interessante balanço da cúpula, no qual afirma que todos os países do continente saíram perdendo. Chávez deu sua habitual declaração bombástica, desta vez falando em “ventos de guerra” que sopram pela América do Sul. Mais concretamente, anunciou medidas para substituir importações da Colômbia, privilegiando a Argentina. No entanto, há dúvidas se elas serão implementadas, a imprensa colombiana noticiou que Chávez estaria em entendimentos com o partido de esquerda Pólo Democrático para não prejudicar o país.

E na Argentina, a análise de Rosendo Fraga é precisa em explicar por que o pacto militar entre Colômbia e Estados Unidos foi negociado neste momento:

El Comando Sur con sede en Miami que alcanza a toda América Latina enfrenta dos problemas simultáneos: tener que abandonar el 1 de septiembre la base de Manta que viene utilizando en Ecuador, y no poder usar la de Sotocano que tiene en Honduras. Esta última es la más grande con que cuenta en América Latina con una dotación de 800 hombres. Ambas situaciones al mismo tiempo han dado importancia al uso de las bases colombianas, que le evitan a su vez a los EEUU la demora y la inversión de construir nuevas bases desde cero.




Os Estados Unidos levaram a sério as preocupações brasileiras. A relação bilateral está num excelente momento e além disso há o interesse americano na licitação que irá renovar a Força Aérea Brasileira. A Boeing é uma das finalistas, mas há insatisfação com a pouca disposição para transferência de tecnologia. O garoto propaganda que veio vender o projeto é ninguém menos que o general James Jones, o Conselheiro de Segurança Nacional de Obama.

A presença militar americana na Amazônia será sempre um tema sensível para o Estado brasileiro, ainda que muitos (sobretudo nas Forças Armadas) possam considerá-la um mal necessário diante da atuação das FARCs e dos gestos de Chávez com relação à guerrilha.

A cúpula da Unasul marcou também a passagem do comando da instituição para o presidente do Equador, Rafael Correa. Difícil imaginar uma gestão construtiva na aproximação com a Colômbia. A conjuntura provavelmente exigirá ações mais decisivas por parte do Brasil, mas a política externa brasileira tem evitado o envolvimento no conflito colombiano, fora intervenções pontuais para mediar crises ou negociar a libertação de reféns.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Cambão



Uma amiga muito querida é neta de Francisco Julião, o líder das Ligas Camponesas das décadas de 1950 e 1960, e acompanho o belíssimo trabalho que sua família realiza para recuperar documentos históricos relacionados a Julião. Dias atrás ela me deu de presente um desses frutos, o livro “Cambão – a face oculta do Brasil”, obra escrita por seu avô no exílio no México, só publicada em português no mês passado, embora tenha quase vinte edições estrangeiras.

A palavra cambão é um regionalismo com vários significados no Nordeste, como o dia de trabalho gratuito que o trabalhador rural precisa conceder ao dono da terra – um desdobramento da corvéia medieval. Também é o nome de um tipo de arreio utilizado nos animais e os sinônimos dizem muito sobre o que eram (são?) as condições trabalhistas no interior do Brasil.

O livro de Julião mistura suas memórias com análise social, política e antropológica do campesinato nordestino. Os trechos autobiográficos dizem respeito à juventude do autor e a seu trabalho como advogado trabalhista, especializado em defender trabalhadores rurais. Depois veio sua passagem pela Assembléia Legislativa de Pernambuco e sua atuação à frente das Ligas Camponesas, um dos principais instrumentos nas lutas pela reforma agrária e pela efetivação dos direitos trabalhistas na zona rural, a partir do célebre caso do Engenho Galiléia.



O lado ensaístico do livro são as descrições e exames que Julião realiza da terra e das pessoas. Ele havia escrito ficção antes de ser líder político e o amor pela literatura transparece na beleza poética com que conta as histórias de sofrimento e esperança que presenciou. O rigor analítico se manifesta na dissertação sobre os diversos tipos de relacionamento entre os proprietários rurais e os trabalhadores, com freqüência definidos somente com base em acertos orais, de extrema dependência pessoal. Julião mostra como as instituições jurídicas eram manipuladas pelos fazendeiros, mas também examina as transformações pelas quais o sistema coronelista passou no século XX, com seu progressivo enfraquecimento com a proclamação da República e o avanço da legislação trabalhista e da política democrática.

Uma das minhas mentoras acadêmicas é uma antropóloga que começou a carreira estudando a zona canavieira no Nordeste. Ela me esclareceu que no Brasil a palavra “camponês” foi introduzida no debate público pelos movimentos sociais, até então se usava no país uma série de termos regionais, que variavam segundo os modos de uso da terra – colono, parceiro, morador, lavrador etc. Julião comenta que seus discursos na Assembléia Legislativa provocavam furor, pois o termo “camponês” despertava o pavor dos demais deputados. Uma colega sugeriu que ele usasse expressão mais amena para definir os trabalhadores do campo: “rurícola”.



O último capítulo do livro aborda o exílio de Julião. Como tantos de sua geração, foi o momento de descoberta da América Latina. Em seu caso, os laços mais fortes foram com México, Cuba e Chile. Países onde a palavra campesino é bastante utilizada, e onde houve reformas agrárias expressivas. Outros exemplos são Bolívia e Peru.

Embora uma série de teorias políticas previsse sua extinção, os camponeses tiveram intensa participação nas grandes revoluções sociais do século XX. Isso é válido para os exemplos latino-americanos que mencionei acima, e também para os casos da Rússia, China e Vietnã. O processo está longe de ser compreendido, e não se encerrou. Está vivo em mobilizações como as dos cocaleiros andinos, em grande parte do movimento indígena da região, no MST brasileiro, e coloca questões importantes para países de forte base agrária, como China e Índia.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Falsa Economia


Alan Beattie é o editor de comércio do Financial Times e seu livro, uma provocação bem-humorada sobre políticas de desenvolvimento. Para Beattie, a principal razão para a prosperidade ou declínio das nações são as escolhas realizadas por seus governantes e empresários. Cada capítulo argumenta contra um tópico do que o autor chama de “falsa economia do pensamento – isto é, que nosso futuro econômico está predestinado e que somos arrastados de maneira indefesa por forças enormes, incontroláveis e impessoais” (p.2). Algumas opiniões de Beattie são percepções brilhantes, outras apenas irreverências sem profundidade. No geral, um livro que faz pensar, e quem sabe rever duas ou três convicções.

O capítulo sobre cidades examina as transformações dos centros urbanos com relação à economia. Da urbanização sem industrialização da África contemporânea, com migrantes que buscam o frágil aparato de serviços públicos, às novas cidades-globais que devem sua prosperidade mais à integração com os mercados internacionais do que com a realidade local. E que se estabelecem como pólos de serviços, cultura e qualidade de vida. Algumas metrópoles experimentaram transformações radicais em pouco tempo, como Nova York, cuja representação icônica na crise dos anos 1970 era o filme Taxi Driver, que a mostrava como “uma distopia violenta, amoral, ao passo que aquela de uma época posterior – Sex and the City – a mostrava como um playground para adultos, segura e indulgente” (p.70). No meio do caminho, há cidades como Dubai, nos Emirados Árabes, que se reinventou como centro financeiro e agora ensaia a construção de um complexo de biotecnologia.

O resto da resenha está no Meridiano 47.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

As Bases do Problema



Os Estados Unidos tradicionalmente consideraram o México e a zona que vai de Cuba ao Canal do Panamá como seu perímetro de segurança. Nela instalaram bases militares (como Guantánamo, foto acima) e realizaram intervenções armadas – para proteger interesses econômicos, debelar insurreições, ou repudiar a presença de outras grandes potências em sua área de influência.

Em geral, a América do Sul não foi palco de preocupações tão intensas. A exceção mais notável foi o Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, quando o litoral nordestino ganhou importância estratégica para a invasão à África. Durante a Guerra Fria, predominavam os métodos usuais de apoiar regimes firmemente anti-comunistas, mas a presença militar direta era pequena.

Duas mercadorias mudaram o quadro: cocaína e petróleo.

Na década de 1970 a cocaína passou a ter alta demanda nos Estados Unidos. Sua matéria-prima, a folha de coca, é produzida sobretudo na América do Sul, na Colômbia, Peru e Bolívia. A “guerra contra as drogas” lançada por Washington tem como pilares a tentativa de erradicar o cultivo da planta, por meio da destruição dos cocales e os projetos de desenvolvimento alternativo que estimulem os camponeses andinos a se dedicarem a outros produtos, como arroz, palmito ou milho.

Embora as pessoas costumem pensar que os Estados Unidos dependem do Oriente Médio para seu fornecimento de petróleo, isso não é mais verdade desde a Guerra do Golfo. Após o conflito, o governo americano passou a apostar em fontes mais seguras de abastecimento, nas Américas: Canadá, México, Colômbia e Venezuela.

A instalação de bases militares na América do Sul faz parte de um quadro de expansão mais amplo, que começou na Segunda Guerra Mundial. Chalmers Johnson, o mais importante estudioso (e crítico) do assunto, estima que sejam 800 no mundo todo, e que sua manutenção custe mais de US$100 bilhões por ano.



A combinação da ofensiva da Colômbia contra a guerrilha com as tensões políticas na Venezuela levou as Forças Armadas americanas a redefinir sua política de segurança internacional. Os dois países foram incluídos na zona prioritária, junto com México, América Central e Caribe. Tem havido certo fortalecimento do Comando Sul, que se dedica à região – o maior símbolo é a reativação da IV Frota, velho instrumento da Guerra Fria. Mas os recursos são limitados pelas dificuldades econômicas e pela prioridade conferida a muitos, muitos outros lugares, em particular na Ásia.

Nas décadas de 1990 e 2000 o Brasil teve papel destacado como mediador dos conflitos na América do Sul: na guerra entre Peru e Equador, em crises na Bolívia e na Venezuela, nas tensões envolvendo esse país, a Colômbia e o Equador. Com freqüência essa atuação teve mais realce que a dos Estados Unidos, uma vez que desperta menos controvérsias e receios entre os países da região.

Obama tem feito belos discursos sobre a necessidade de não repetir os erros do passado nas relações com a América Latina. Para manter a coerência entre intenção e gesto, deveria propor mecanismos de colaboração para a resolução pacífica de crises. Ampliar a presença militar dos EUA na região irá aumentar o radicalismo e a polarização política em momento no qual um pouco de moderação e espírito de compromisso não fariam mal algum ao continente, em particular às nações andinas.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Colômbia e Venezuela



Tratar con Chávez no es fácil. Es impredecible, radical, emotivo e impulsivo. Sus actitudes cambian y sus discursos suelen ser más amenazantes que sus acciones. La respuesta tranquila no es la más obvia frente a la opinión pública pero puede ser la más aconsejable a la larga. "Debemos manejar la situación con mucho tino para no retar al presidente Chávez, pues ya conocemos que su reacción iría en contra del empleo de muchos colombianos que producen para exportar artículos a Venezuela", dice el senador Manuel Ramiro Velásquez...

Da revista colombiana “Cambio

Colômbia e Venezuela têm relação marcada por bem-humorada rivalidade que lembra, por exemplo, a existente entre São Paulo e Rio de Janeiro. As duas maiores partes do que foi o Estado criado por Bolívar também mantém forte fluxo comercial, que tem sobrevivido aos conflitos entre Uribe e Chávez. Não é pouca coisa visto que o presidente venezuelano rompeu o acordo de livre comércio entre os dois países e estabeleceu medidas protecionistas, como controles cambiais.

E, claro, existem as controvérsias sobre as relações de Chávez com as FARCs. O round dos últimos dias foi a apreensão junto a guerrilheiros colombianos de armas fabricadas na Suécia, de propriedade das Forças Armadas da Venezuela. Uribe acusou Chávez de fornecer o armamento aos insurgentes, os dois países romperam relações diplomáticas e o clima político na região ficou ainda mais acirrado com o anúncio da ampliação da presença militar dos EUA na Colômbia, com a cessão de quatro bases aéreas.

Há anos existem rumores de auxílio dos governos venezuelanos às FARCs. Isso teria começado com os conservadores da década de 1990, que ajudariam a guerrilha com dinheiro e armas, e em troca o grupo não atacaria alvos na Venezuela. A mudança com Chávez é que ele se refere em termos elogiosos aos guerrilheiros, tratando-os como atores políticos legítimos, e critica tanto Uribe quanto os paramilitares.

As armas suecas podem ter chegado aos guerrilheiros por contrabando, traficadas por militares corruptos. Mas o fato foi lido no contexto de radicalização, desconfiança e tensões que envolvem os dois governos. Episódios desse tipo têm se repetido – podemos pensar no bombardeio colombiano ao acampamento das FARCs no Equador, ou ao seqüestro de um importante líder guerrilheiro em Caracas. A mediação internacional tem sido importante para impedir um desfecho violento e a próxima rodada multilateral será a cúpula da Unasul, no próximo dia 10.

Os conflitos são ruins para a região, mas ironicamente criam boas oportunidades comerciais para o Brasil. Chávez se esforça para diminuir a dependência das importações da Colômbia e tem se voltado para a indústria e a agricultura brasileira em busca de opções. As exportações brasileiras para a Venezuela cresceram tanto que aquele mercado é hoje o principal superávit na balança comercial do Brasil. Nada mal para estes tempos de crise e para um país de médio porte, com pouco mais de 25 milhões de habitantes. Além disso, a boa relação entre Chávez e Lula imunizou as empresas brasileiras que operam na Venezuela dos riscos políticos, como nacionalização, como aconteceu com tantas outras, inclusive de oriundas de nações cujos governos são simpáticos ao chavismo, como a Argentina.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Um Século em Nova York



Virei fã de Marshall Berman quando li “Tudo que é Sólido Desmancha no Ar”, uma jornada fascinante pelas relações entre as metrópoles e a cultura moderna. “Um Século em Nova York – espetáculos em Times Square”, segue linha parecida, para dissertar sobre a história da praça mais famosa da Grande Maçã, onde a Broadway encontra a Rua 42. Local de arte, de consumo e publicidade, passarela para ser visto e para ver. Para usufruir do direito à cidade.

Berman é professor da City University of New York, conhecida de maneira bem-humorada como “Harvard dos pobres” pela mistura de brilhantismo acadêmico e origem humildade de muitos de seus alunos e professores. O próprio Berman se enquadra na classificação, e como sabem os leitores de seus livros anteriores, há sempre algo de autobiográfico em suas obras.

Começa o panorama da Times Square no fim do século XIX – quando a praça ganhou o nome atual, com a construção do prédio-sede do jornal New York Times, e o famoso visual luminoso, com a chegada da eletrificação urbana. E acompanha os altos e baixos até a época atual. O melhor são as análises da Segunda Guerra Mundial e dos anos dourados que se seguiriam – não por acaso, a juventude do autor.



Como os outros livros de Berman, “Um Século em Nova York” não é história clássica e didática, é mais a reunião de ensaios que tratam de um tema comum, com digressões que me parecem variadas e fascinantes, mas que alguns leitores podem achar um tanto confusas. Os textos de que mais gostei foram a narrativa de como judeus e negros criaram a moderna cultura popular da Broadway (tomando como ponto de partida o conto/peça/filme “O Cantor de Jazz”) e uma digressão fascinante sobre os marinheiros em Times Square, que começa com a célebre foto do marujo beijando a enfermeira no dia da vitória na Segunda Guerra Mundial.

Sempre adorei a imagem e aprendi com Berman que o fotógrafo era um refugiado judeu que escapara de Hitler, e que os dois protagonistas nunca foram identificados. A foto ficou como um símbolo de alegria de viver e liberdade, e Berman me convenceu de que há uma longa associação entre marinheiros e democracia, que remonta à Atenas clássica e passa por Gene Kelly em filmes como “Um Dia em Nova York”. O Vietnã levou a questionamentos dessa visão mais idílica das Forças Armadas e a filmes como “A Última Missão” (que embora não seja ambientado em NY tem estrutura parecida, mas um panorama mais sombrio) e até episódios da série Sex and the City desenvolvem variações sobre o tema.

É bem conhecido que Nova York passou por séria crise na década de 1970, com a falência financeira da prefeitura, a falta de ajuda do governo federal (Berman afirma que até hoje tem pesadelos com a voz do presidente Gerald Ford negando o auxílio à cidade) e o aumento exponencial da violência urbana. Os trechos que tratam do tema são bem mais melancólicos, mas há boas observações sobre a pornografia, o submundo e a misoginia no quarteirão conhecido como deuce – que renderam algumas das melhores seqüências do filme “Taxi Driver”, analisado no livro.

Pena apenas que Berman seja tão mau humorado com as reformas em Nova York a partir da década de 1990. Gostaria de conhecer mais sobre o tema e entender os novos significados da cidade após o terrível trauma do 11 de setembro.