quinta-feira, 28 de junho de 2007

A Diáspora Brasileira


Na quarta-feira fiz uma viagem inesperada a Brasília e participei de audiência pública na Câmara dos Deputados sobre “O Brasil nos âmbitos de direitos humanos na OEA, ONU e Mercosul”. Foi um excelente debate sobre a política externa brasileira com a participação de diplomatas, deputados e representantes da sociedade civil. O tema que mais me interessou foi a proteção às comunidades de brasileiros residentes no exterior.

O Brasil é um país acostumado a receber imigrantes, mas nos últimos 25 anos a sucessão de crises econômicas empurrou para o exterior cerca de 4 milhões de brasileiros, espalhados entre Estados Unidos, Europa Ocidental, Japão, Paraguai e Bolívia. Para quem se espanta com a presença desses dois países pobres, explicações: trata-se de um tipo diferente de emigração, basicamente de agricultores em busca de terras.

Alguns estados brasileiros foram especialmente afetados pela emigração, como Minas Gerais e Goiás, e os deputados começaram a se mobilizar para a defesa dos interesses dos seus conterrâneos. Há inclusive proposta do senador Cristovam Buarque para criar representação parlamentar para as comunidades de brasileiros no exterior, a exemplo do que faz a Itália.

O Itamaraty é criticado tanto pelos emigrantes quanto pelos parlamentares pelos serviços insuficientes que presta aos brasileiros que vivem no exterior. Mas há sinais positivos de melhora: abertura de novos consulados (10 só em 2006-7), criação de uma seção no ministério para lidar com o tema e expansão dos quadros do serviço diplomático com ênfase no atendimento consular e nas negociações comerciais.

É preciso também uma mudança de atitudes e de valores. Nas minhas aulas aos candidatos ao Itamaraty, tenho ressaltado a importância desse tipo de serviço, mas com freqüência escuto comentários de que é um trabalho muito árduo, sem o glamour de outras obrigações no estrangeiro – o índice de glamour sendo medido em função da distância com relação aos pobres.

Existe uma convenção internacional para a proteção dos trabalhadores migrantes, mas curiosamente o Brasil não ratificou o documento. O Ministério da Justiça alega que alguns itens entram em conflito com as leis brasileiras, mas os deputados argumentam (a meu ver com razão) de que precisamos respeitar os direitos dos estrangeiros em nosso país para que possamos cobrar o mesmo tratamento com respeito aos brasileiros no exterior. Aliás, o Congresso discute uma nova lei dos estrangeiros, visto que a atual é mais um entulho autoritário do período ditatorial.

A foto que ilustra este post é do site do movimento dos Brasileirinhos Apátridas. Atualmente, os filhos de brasileiros que nascem no exterior não recebem a cidadania nata. Para que recebam esse direito precisam viver no Brasil após completar 18 anos. Como em muitos países europeus a cidadania só é concedida aos filhos de cidadãos (jus sanguinis) nossos compatriotas da diáspora caem numa terra de ninguém com relação a seus direitos. Há uma proposta de emenda constitucional no Congresso para corrigir essa injustiça, mas ela se arrasta há sete anos.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Jabba nega venda de bois ao PMDB


TATOOINE (26 JUN) – A “Operação Jedi” da Polícia Federal acusou Jabba the Hutt de ser o principal fornecedor de bois para o PMDB. Mas o chefe político do sertão do Piauí nega o envolvimento com a base aliada do governo: “Todo mundo sabe que não me meto com essa gente. Meu negócio é contrabando e tráfico de escravos.”

Jabba é um principais articuladores políticos dos Democratas no Nordeste, embora esteja um tanto isolado junto com seu aliado, senador Palpatine. Os líderes conservadores do partido, como Jorge Bornhausen e ACM Neto, criticam as tendências esquerdistas dos dois. Por exemplo, Jabba apoiou a reeleição do presidente Lula: “O Bolsa Família fez maravilhas por Tatooine. Aquele senhor, o Geraldo Alckmin, veio aqui em campanha e chamou o município de Tatuí. Qual é, cara? Todo mundo percebeu que ele era de outro planeta, não conhecia a nossa realidade.”

Segundo o delegado da Polícia Federal Luke Skywalker, que comandou a Operação Jedi, foi nesse período que se consolidou a parceria de Jabba com a base aliada do governo: “Ele organizou um mega-esquema de venda de bois para senadores do PMDB. Os animais são capturados pelo Povo de Areia e levados a Brasília em malas pretas e cuecas de assessores.”

As gravações de conversas em telefones celulares mostram Jabba negociando os bois com o PMDB usando como intermediário Boba Fett, que o Ministério Público afirma ser pistoleiro profissional em Alagoas. O delegado Skywalker afirma que a intuição também ajudou nas investigações: “Senti um profundo desequilíbrio na Força, como se várias vozes gritassem e logo em seguida fossem caladas, ao mesmo tempo. A última vez em que experimentei algo assim foi na Convenção Nacional do PMDB”.

Jabba descartou as acusações da Polícia Federal, atribuindo-as a perseguições políticas locais: “ Skywalker não é um policial sério. Ouve vozes e vê fantasmas, desde que fez aulas de aeróbica com o padre Marcelo Rossi. Tem uma pinimba comigo por conta de umas disputas mal-resolvidas com a família dele, que plantava jerimum e macaxeira aqui em Tattoine. Mas agora está se achando, só porque foi para a PF e agita mandatos de busca e apreensão e sabres de luz. Aposto que se eu arranjar uma grana para os primos dele, do PRONAF ou do Luz para Todos, ele cala a boca rapidinho.”

Outra acusação que provocou a indignação de Jabba foi a de que seria amigo do senador cabeludo do Conselho de Ética: “O que é isso? Me respeite, rapaz! Olhe ao meu redor e veja se ando com gente esquisita!”

domingo, 24 de junho de 2007

Papa: atraso em aeroportos, só para fins reprodutivos



VATICANO (24 JUN) – O papa Bento XVI alertou os católicos de que os atrasos em aeroportos brasileiros só devem ser utilizados para fins reprodutivos. A declaração de Sua Santidade polemiza com os conselhos da ministra do Turismo do Brasil, sexóloga Marta Suplicy, que aconselhou os passageiros que enfrentam demoras nos vôos a “relaxar e gozar”.

O aviso do papa foi dado durante o seminário “O Dever do Silêncio”, que reuniu no Vaticano coroinhas dos países da América Latina. Sem referir-se diretamente à ministra brasileira, Bento XVI deixou clara sua mensagem: “Viajo muito a trabalho e sei das tentações que espreitam nos aeroportos. No entanto, os verdadeiros católicos não devem nunca esquecer-se das suas obrigações. Deveres são muito importantes, como dizia um dos meus comandantes na Juventude. Bom sujeito, pena o que as democracias fizeram com ele em Nuremberg.”

O papa reconheceu que a situação brasileira é especialmente perigosa. Os diversos problemas que o tráfego aéreo enfrenta no país forçam os passageiros a passarem muitas horas nos aeroportos. E nesse longo período eles ainda podem esbarrar em alguma aeromoça desempregada da Varig, carente e necessitada de amparo, consolo e carinho. Bento XVI deu orientações espirituais para seu rebanho: “Se tiverem dúvidas sobre a correção ética de uma decisão, não se preocupem. A solução é simples. Se vocês estiverem se divertindo, é pecado!”.

As críticas do Santo Padre abrem nova crise entre o governo brasileiro e a Igreja Católica, abaladas desde que o presidente Lula descobriu que o Brasil é um Estado laico. Fontes no Vaticano confirmaram que o papa pensou em retrucar declarando que beber cachaça é pecado mortal, mas foi dissuadido por assessores que ponderaram que seria uma provocação intolerável às autoridades brasileiras, que já haviam ficado irritadas com a condenação da Igreja à corrupção e aos serviços de acompanhantes de Brasília.

Bento XVI segue no domingo para a Alemanha, onde irá participar de um concurso de sósias do senador Palpatine. Mas não abandonará os temas brasileiros. A expectativa é que ele pronuncie em breve um discurso sobre Mangabeira Unger. “O papa também precisa relaxar e gozar, caramba!”, confessou um cardeal da Cúria Romana.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

MiFuDi será núcleo da gestão Mangabeira Unger, diz especialista de Harvard


CAMBRIDGE, MASSACHUSETTS, EUA. (22 JUN) – Equipe de pesquisadores de Harvard desenvolveu estudo para auxiliar o novo ministro brasileiro da Secretaria de Assuntos de Longo Prazo (SEALOPRA), Mangabeira Unger, que foi professor dessa universidade. A análise foi coordenada pelo dr. Walther Gate, do Centro de Filosofia Ética Richard Nixon.

Gate apresentou diversas sugestões para Unger, começando pelo nome de sua pasta. Em vez de SEALOPRA, ele propôs Ministério do Futuro (MiFu): “Tem uma conotação muito mais positiva, evocando imagens de filmes famosos como Blade Runner e Matrix, que reforçam o ideal de modernidade do projeto governamental brasileiro.”

O núcleo do novo órgão será a Divisão de Inteligência (MiFuDi) encarregada do planejamento de longo prazo. O principal projeto será a Mobilização de Estudos para Reconstrução, Desenvolvimento e Autonomia (M.E.R.D.A.): “Estou na M.E.R.D.A. e não abro mão disso”, exaltou-se Walter Gate. “A iniciativa me recorda o tempo em que eu era um jovem idealista no Vietnã. A vida era feita de coisas simples, como a noite estrelada, uma tijela de arroz e um amarelo comunista no fim de um fio elétrico. A M.E.R.D.A. tem o mesmo cheiro do napalm: vitória!”

Gate também acredita que o prestígio pessoal do novo ministro possa ser utilizado pelo governo para atrair a confiança de investidores e da opinião pública internacional: “É preciso capitalizar em cima da fama de Mangabeira Unger. Por exemplo, planejamos o lançamento de uma série de adesivos inspirados em suas características mais notáveis. Eles aderem a qualquer superfície e a todos os governos”, conta o professor.

O trabalho para o governo brasileiro tem entusiasmado Gate e ele já busca novas aplicações para suas técnicas: “Veja essa senhora, a Ministra do Turismo... Sua estratégia de gerenciamento de crises com base no relaxamento e no prazer sexual é uma contribuição inspiradora à ciência da administração. O único problema é que sou presbiteriano e não sei se minha religião permite isso. Vocês, católicos, não tem esse problema, não é?”

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Senador Palpatine critica projeto de reforma política



BRASÍLIA (20 JUN) - O Congresso brasileiro, que Deus o proteja, começou a discutir um projeto de reforma política. A idéia é debater mudanças nas leis eleitorais e de organização partidária. A proposta provocou críticas ferrenhas de movimentos sociais e de alguns parlamentares, como o senador Palpatine (Democratas – Piauí) que acusam-na de concentrar poder nas lideranças dos partidos e diminuir a influência dos eleitores (essas pessoas necessárias, mas desagradáveis).

“Quem diz organização, diz poder, e todo o poder é conservador”, afirmou o senador, citando o cientista político alemão Robert Michels, que leu quando cursava a pós-graduação no IUPERJ: “A necessidade de organização da luta política acaba levando à formação de aparatos burocráticos e organizacionais que concentram poder. E quem está por cima cria mecanismos para se fortalecer e resistir àqueles que querem ocupar seu lugar”, refletiu o parlamentar.


O Brasil utiliza um sistema de lista aberta. O eleitor vota no candidato de sua preferência, e se preferir pode indicar apenas o partido, coisa que raramente acontece. É uma política bastante personalista, que dá pouca importância às idéias e ao programa de cada sigla, e muita ao carisma e à fama dos candidatos. Como cada estado brasileiro escolhe entre 8 e 70 deputados, na realidade nesse formato faz os membros do mesmo partido disputarem votos entre si. “Salve-se quem puder”, disse Palpatine, “Eu mesmo não sei se teria sido eleito, não fosse o apoio de cabos eleitorais como Jabba the Hutt, que me ajudou muito em Tatooine e Piracuruca”.

A proposta em debate no Congresso é mudar para um sistema de lista fechada, no qual o eleitor vota no partido. Cada sigla apresenta uma lista de candidatos, e aqueles situados no topo dela são os primeiros a serem eleitos. A maneira pela qual essa ordem de preferência é determinada pode ser estabelecida de muitos modos. O projeto brasileiro prevê que os líderes partidários definam a questão. E vai além, garantindo aos atuais detentores de mandatos parlamentares o pertencimento na lista da próxima eleição.

“Mandei o Anakin discutir a questão com o Dirceu e o Bornhausen, mas ele ficou meio chocado com o centralismo democrático dos dois. Ninguém sugeriu, por exemplo, que os eleitores pudessem dar seus palpites através de primárias, como aquelas que escolhem os candidatos nos EUA. Em outros sistemas, como no célebre modelo misto alemão, o eleitor tem dois votos, um dos quais não passa pela lista partidária”, lembrou Palpatine.

O senador declarou que está confiante que o Congresso resolva logo a reforma política: “Temos coisas mais importantes para discutir. Vou propor ao meu amigo Renan Calheiros a construção de uma mega-usina no rio Amazonas, para incluir nas obras do PAC. Chamei-a de ´Estrela do Norte´ e posso garantir que será mais barata e terá menos efeitos nocivos do que o projeto do governo no rio Madeira”, jurou Palpatine.

domingo, 17 de junho de 2007

Dois Vivas à Arte Uruguaia!



O primeiro vai para Mario Benedetti. Há muito queria ler o famoso escritor e finalmente me decidi pelo romance “A Trégua”. Relutei porque o livro é narrado como diário, formato que não me atrai – prefiro as obras nas quais diversas vozes conduzem a trama. Bobagem minha. É uma belíssima história de amor entre Martín, viúvo cinqüentão que parece ter desistido de viver, e Laura, jovem que entra de maneira inesperada em sua existência e revoluciona sua rotina.

Em outras mãos a trama poderia escorregar para o melodrama, mas Benedetti toma o fiapo de enredo e constrói uma obra-prima emocionante. Martín, em seu diário, mistura ternura, humor, ironia e tristeza para examinar a si mesmo, seu amor por Laura, suas relações distantes com os três filhos, as pequenas intrigas da empresa onde trabalha como contador e as lembranças do casamento feliz que terminou quando ainda era muito jovem.

Alguns exemplos da prosa:

“Talvez Deus tenha uma face de crupiê e eu seja apenas um pobre-diabo que joga no vermelho quando dá preto, e vice-versa.”

“O que fiz da minha vida? É uma pergunta que soa a Gardel ou a Suplemento Feminino, ou a artigo do Reader´s Digest. Não importa. Hoje, domingo, sinto-me além do irrisório e posso me fazer perguntas desse tipo.”

“Ela me dava a mão e eu não precisava de mais nada. Bastava isso para que eu me sentisse bem acolhido. Mais do que beijá-la, mais do que nos deitarmos juntos, mais do que qualquer outra coisa, ela me dava a mão, e isso era amor.”


Ao fim, fica a idéia de que o amor é uma trégua na vida, mas ainda não é a felicidade. Essa é muito mais escorregadia. O romance é um dos primeiros lançamentos no Brasil da editora espanhola Alfaguara, que faz a alegria dos fãs da literatura latino-americana ao redor do mundo.

“A Trégua” foi publicado em espanhol em 1960 e foi o livro que tornou Benedetti conhecido internacionalmente. Ele ainda está vivo, tem quase 90 anos e me lembro de uma bela entrevista sua ao Clarín na qual falava de literatura, da proximidade da morte e de sua relação com a Argentina. Ele afirmou que descobriu sua vocação de escritor quando viveu em Buenos Aires, no início de sua vida adulta. Gostei de saber que ambos compartilhamos o carinho não só por essa extraordinária cidade, mas por locais específicos como a Praça San Martín.

O segundo viva é para o compositor e poeta Alfredo Zitarrosa. Quem me falou dele foi meu senhorio em Buenos Aires, com quem costumava conversar longamente sobre arte e política. Ele me emprestou um CD com as melhores canções deste que está para o Uruguai como Chico Buarque para o Brasil.

A que primeiro me chamou a atenção foi “Adagio para mi país”, que apesar do título triste tem versos muito otimistas e bonitos:

Dice mi pueblo que puede leer
en su mano de obrero el destino
y que no hay adivino ni rey
que le pueda marcar el camino
que va a recorrer.



Também é o caso de “Guitarra Negra”, um longo poema que descreve a morte como uma patrulha da polícia política, revirando a casa e os papéis de Zitarrosa:

Hoy anduvo la muerte buscando entre mis libros alguna cosa... Hoy por la tarde anduvo, entre papeles, averiguando cómo he sido, cómo ha sido mi vida, cuánto tiempo perdí (...), Hoy anduvo la muerte revisando los ruidos del teléfono, distintos bajo los dedos índices, las fotos, el termómetro, los muertos y los vivos, los pálidos fantasmas que me habitan, sus pies y manos múltiples, sus ojos y sus dientes, bajo sospecha de subversión... Y no halló nada... No pudo hallar a Batlle, ni a mi padre, ni a mi madre, ni a Marx, ni a Arístides, ni a Lenin, ni al Príncipe Kropotkin, ni al Uruguay ni a nadie... ni a los muertos Fernández más recientes... A mí tampoco me encontró... Yo había tomado un ómnibus al Cerro e iba sentado al lado de la vida...

Mas sua canção que mais ficou comigo foi “Adiós Madrid”, que ele fez quando terminou seu exílio na capital espanhola. Muito da declaração de amor à cidade é o que gostaria de dizer a Buenos Aires e na realidade foi essa música que tocava na minha cabeça quando o táxi me levava do meu apartamento em Palermo para o aeroporto em Ezeiza:

Dura raíz, siento al partir
que algo de mí se queda aquí
ya para siempre: la ardiente ilusión de quererte,
ser fuerte y dejarte, sin dejar de amarte.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Seis Dias e 40 Anos de Guerra



Há poucos dias foi o aniversário de 40 anos da Guerra dos Seis Dias. Simultaneamente, começou outro conflito: a guerra civil palestina, opondo Fatah e Hamas.

Em junho de 1967 Israel derrotou numa guerra-relâmpago as tropas do Egito, da Síria e da Jordânia, conquistando Jerusalém Oriental, Cisjordânia, Faixa de Gaza, a península do Sinai e as colinas de Golã. A estrondosa vitória bélica gerou um problema político que até hoje não foi resolvido: o que fazer com os territórios tomados pelas armas e com os milhões de palestinos que passaram a viver sob ocupação militar israelense?

Muita coisa mudou no Oriente Médio desde então. Os regimes nacionalistas seculares árabes foram enfraquecidos pelo fundamentalismo islâmico. Egito e Israel firmaram a paz em 1979 e os israelenses se retiraram do Sinai e, mais recentemente (2005), da Faixa de Gaza. Desde os acordos de Oslo (1994) a Autoridade Nacional Palestina recebeu poderes limitados para administrar territórios na Cisjordânia e em Gaza.

A Organização para a Libertação da Palestina foi fundadada em 1964 e cresceu à sombra da derrota árabe de 1967. Era um guarda-chuva que abrigava diversos grupos (a Fatah é o mais importante). O fundamentalismo religioso ascendeu atacando a liderança da OLP com argumentos parecidos aos que a organização utilizara contra os governantes árabes do passado. A vitória do Hamas nas eleições de 2006 mostrou o tamanho da insatisfação da população palestina.

O governo de coalizão de um presidente nacionalista com um primeiro-ministro islâmico estava fadado ao fracasso - o estopim foi a disputa pelo controle do aparato de segurança e dos cargos públicos, fundamentais numa economia arrasada. Nos últimos meses, EUA e Israel deram armas e dinheiro à Fatah, fortalecendo a guarda presidencial e esperando que ela fosse capaz de conter os militantes do Hamas. Até agora, o grupo tem levado a melhor e praticamente tomou a Faixa de Gaza.

Diante de um quadro tão terrível com relação às perspectivas de paz, é natural que as pessoas olhem para o passado e se perguntem como as coisas poderiam ter sido diferentes. O jornalista israelense Tom Segev faz isso num interessante artigo para o New York Times, no qual questiona a sabedoria de Israel ter ocupado territórios árabes em 1967:

“Os planejadores políticos mais importantes de Israel tinham determinado seis meses antes da Guerra dos Seis Dias que capturar a Cisjordânia seria mau para o país. Documentos governamentais israelenses recentemente liberados mostram que, de acordo com esses analistas, tomar a Cisjordânia enfraqueceria a força relativa da maioria judaica em Israel, encorajaria o nacionalismo palestino e levaria à resistência violenta.”


Recentemente, Shimon Peres - o ex-negociador de Oslo eleito esta semana presidente de Israel (seu antecessor no cargo está sob investigação por estupros) - disse algo parecido em entrevista à GloboNews. E o premiê Ehud Olmert agora fala numa força de paz internacional em Gaza. O enviado da ONU ao Oriente Médio acabou de se aposentar, e redigiu um relatório no qual ataca Israel e EUA, afirmando que a política adotada pelos dois países contribuiu para a escalada do conflito na Palestina.

Segev diz que sua geração era idealista e acreditava na paz, ao passo que a atual seria mais cética e desencantada, ainda que por isso mesmo mais capaz para a tarefa urgente: encontrar meios de administrar o conflito, dada a impossibilidade de resolvê-lo. Acho que mesmo essa ambição modesta é otimista demais.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Perdidos



Um dos poucos programas de TV a que assisto regularmente é a série “Lost”, já na terceira temporada. Ela conta a história de pessoas cujo avião cai numa misteriosa ilha do Pacífico. Precisam aprender a sobreviver e a desvendar os enigmas do lugar, ao mesmo tempo em que enfrentam os fantasmas do passado. Estão triplamente perdidos: no espaço, nas charadas da ilha e nas suas próprias trajetórias de vida.

“Lost” virou febre mundial, talvez mais pelos seus aspectos misteriosos, como os números que se repetem a todo tempo, em circunstâncias distintas, a natureza da Iniciativa Dharma (que parece uma mistura de projeto científico fracassado e seita mística) e os fenômenos sobrenaturais que ocorrem na ilha. Mas não é isso que me atrai na série – até perco a paciência com tantos segredos. O que realmente gosto são os dramas de cada personagem e a maneira como as histórias se conectam.

Os roteiristas da série usam de maneira primorosa o recurso do flashback. Primeiro, ele quebra a monotopia. Em vez de ficarmos restritos a uma pequena ilha, passeamos por vidas que se espalham por vários países: EUA, Austrália, Inglaterra, Coréia do Sul, Tailândia, França e Iraque, para ficar nos que me vêm à cabeça neste momento. Segundo, as lembranças dos personagens se encaixam maravilhosamente nas situações que enfrentam no cotidiano. Mergulhando em seu passado, somos capazes de entender seus comportamentos, medos, gestos e até frases que gostam de usar. Também é interessante como parte do elenco aparece de coadjuvante nas memórias alheias, iluminando aos poucos as conexões existentes entre eles.

Os episódios se revezam em torno de um elenco principal de cerca de dez personagens. Meu favorito é Sawyer, o trapaceiro sarcástico que tem as melhores falas da série, e que esforça-se imensamente para mostrar que é um individualista, quando na realidade está em busca de sua redenção pessoal. Mas o melhor ator em cena é Terry O´Quinn, que interpreta Locke, o “homem de fé” a quem a ilha oferece uma segunda chance na vida (sim, gosto das piadas filosóficas com o nome dos personagems: Locke e Hume, os empiristas britânicos; Danielle Rousseau, a “boa selvagem”).

Na segunda temporada o tema que dava unidade aos episódios era a eterna disputa entre a fé e a razão, aquela encarnada em Locke, esta no dr. Jack. Ambos lutavam pela influência entre os sobreviventes e discutiam as estratégias para investigar os mistérios da ilha. Não gostei do giro desta terceira temporada, mais focada na luta contra “Os Outros”, que às vezes escorrega para Rambo – quando dei por mim, Locke explodia um submarino! E alguém consegue me explicar a participação do Rodrigo Santoro? Foi só para introduzir os diamantes na ilha? Ele voltará da tumba, a exemplo de certos políticos brasileiros?

Críticas à parte, “Lost” é um marco de uma época em que a TV americana tem produzido ficções mais interessantes do que o cinema do país, revelando talentos e possibilidades (basta pensar em programas como West Wing ou Roma, muito superiores aos filmes do mesmo gênero). No caso de Lost, um de seus criadores foi contratado para reformular a série cinematográfica de Missão Impossível e os principais atores começam a despontar também na grande tela.

domingo, 10 de junho de 2007

As Mulheres do Meu Pai


Uma vez alguém perguntou ao escritor e jornalista polaco Ryszard Kapushinski o que mais o impressionara em África. Kapushinski não hesitou: “A luz!”. É isto: onde uns vêem luz outros apenas distinguem sombras. Os que vêem sombras constroem muros para se protegerem.

José Eduardo Agualusa


Aproveitei o feriadão para ler “As Mulheres do Meu Pai”, o novo romance de José Eduardo Agualusa. O angolano é um dos meus escritores favoritos, das mais belas expressões contemporâneas da língua portuguesa.

O livro recém-lançado conta a história de Laurentina, cineasta moçambicana há muito residente em Portugal, que descobre que seu pai verdadeiro não era o pacato burocrata lusitano que imaginava, e sim um músico angolano, famoso pelo talento e por ter quase 20 filhos com diversas esposas, namoradas e companheiras. Em busca de suas raízes, ela realiza uma viagem pelos países que seu pai percorreu: Angola, Namíbia, África do Sul e Moçambique. Em cada lugar, conversa com as pessoas e aos poucos desvenda uma teia que demole o mito do “macho alpha africano” e revela a enorme força das mulheres do continente.

O romance segue dois fios paralelos: a viagem de Laurentina e uma espécie de “making of” do livro, no qual Agualusa narra seus esforços para produzir um documentário sobre a música na África Austral, ao lado de Karen, uma cineasta inglesa (na foto, os dois em Angola). Das conversas dos dois nasce a aventura de Laurentina, que incorpora paisagens e cenas da outra história.

A ficção se constrói em coral, com diversos personagens dando sua versão dos acontecimentos: Laurentina; Mariano, seu namorado português, filho de angolanos que rejeita a África; o motorista Pouca Sorte; um primo de Laurentina que ela conhece em Luanda e por quem se sente atraída; além de entrevistas ao longo da estrada.

O que une toda essa gente? São pessoas divididas entre a busca de raízes e/ou da memória histórica e o desejo de esquecer, de romper barreiras e fronteiras e (re)inventar a própria identidade. A segunda corrente ganha de longe: os personagens mais interessantes são os que redesenham a si mesmos diversas vezes, mudando de nacionalidade, profissão, ideais políticos. Tudo que é sólido desmancha no ar, parece nos dizer Agualusa, e a vida sempre caçoa daqueles que acham que podem domesticá-la com verdades irrefutáveis.

Além de tudo, o romance é um formidável mosaico da África Austral, montado a partir de fragmentos de lembranças, sonhos, esperanças e frustrações das guerras de libertação, dos regimes marxistas, do apartheid mal-resolvido e não de todo terminado, da nova burguesia que ascende veloz e quer esquecer o passado pouco recomendável. E dos muitos encontros culturais e amorosos do continente, entre africanos, europeus, asiáticos, brasileiros.

Música, amor, culinária, está tudo lá. Infinitamente mais interessante, humano, divertido e emocionante do que essa África de exclusivas calamidades que nos chega pela TV e pelo cinema.

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Poder em Movimento



Em setembro darei uma palestra no congresso da Associação de Estudos Latino-Americanos (LASA), em Montreal. Meu tema é a articulação entre os movimentos de direitos humanos no Mercosul. Minha proposta havia sido aprovada em março e há poucos dias a LASA me comunicou que fui um dos contemplados com o Prêmio de Viagem da organização, ou seja, eles irão custear minha ida ao Canadá e minhas despesas por lá. A contrapartida dessa ajuda é a obrigação de entregar um artigo escrito, que será incluído no CD-ROM do encontro.

Aproveito o feriadão para terminar o texto. Ocasiões como essas são uma excelente oportunidade de limpar as gavetas e organizar as idéias. Explico: tenho feito vários pequenos trabalhos sobre direitos humanos no Mercosul. Artigos para jornais, palestras em universidades, comentários em aula. O material fica meio solto no escritório e escrever umAo estudo acadêmico é uma maneira de organizá-lo.

Também é uma tentativa de dialogar com duas linhas de reflexão que convergiram e crescem em importância: a teoria dos movimentos sociais e as análises sobre atores não-estatais nas relações internacionais. Do primeiro grupo, gosto especialmente dos livros de Sidney Tarrow e Charles Tilly (Power in Movement, Social Movements, The New Transnational Activism). Eles começaram estudando protestos sociais dentro de um conjunto restrito de países: França, Inglaterra e EUA. Aos poucos se deram conta de que o nenhum movimento é uma ilha e todos estão incrivelmente conectados neste mundo em que a comunicação não demora mais do que o tempo de envio de um email. Da segunda equipe, destaca-se Katryn Sikkink, com quem tive o enorme prazer de conviver na Argentina. Ela escreveu clássicos da área (Activists Beyond Borders, The Power of Human Rights, Reestructuring World Politics) e está sempre com alguma pesquisa original e inquieta.

Meu interesse por essas teorias veio da vontade de refletir sobre o meu trabalho, que em grande medida envolve projetos de cooperação internacional entre ONGs, movimentos sociais e fundações filantrópicas. O que aprendi nos livros ajuda bastante, mas também considero que eles idealizam a sociedade civil e muitas vezes demonizam o Estado, que é muito mais fragmentado e heterogêneo do que dá a entender a análise abstrata. Claro que há analistas sensíveis a essas questões, gosto sobretudo dos livros de Evelina Dagnino, da Unicampo.

Aos poucos o artigo que escrevo toma a forma de uma espécie de acerto de contas teórico com o que foi minha vida profissional nestes últimos quatro anos. Com o doutorado chegando ao fim, é um bom momento para olhar para trás e pensar sobre o caminho que faço ao andar.

terça-feira, 5 de junho de 2007

A Diplomacia de Sarkozy



A vitória de Nicholas Sarkozy nas eleições presidenciais francesas foi um triunfo pessoal para o ex-ministro do Interior, um azarão dentro de seu partido (UMP) que derrotou rivais do porte do ex-premiê Dominique de Villepin. Mas do ponto de vista da política partidária, a votação mostrou um país com mais inclinação ao centro do que na disputa anterior. Sai Le Pen, entram François Bayrou e um Partido Socialista moderado sob a batuta de Ségolène Royal. Sendo assim, é natural que Sarkozy tenha montado um gabinete que reúne figuras expressivas de vários grupos políticos.

O campo em que tais escolhas ficaram claras foi a diplomacia. O presidente fez uma interessantíssima nomeação para a pasta de relações exteriores: Bernard Kouchner. Um dos fundadores da ONG Médicos sem Fronteiras, Kouchner tem mais de trinta anos de carreira devotada às causas humanitárias. Foi deputado do parlamento europeu e administrou o Kosovo quando a província sérvia foi ocupada por tropas de paz da ONU, gerindo com perícia uma situação de ódios explosivos. É um dos políticos mais respeitados da França, e um socialista de carteirinha, que foi por cinco vezes ministro (da Saúde, de Ação Humanitária e da Inserção Social) em governos desse partido. Um quadro de primeiríssima categoria para qualquer governo.

Outra nomeação de destaque para a área de relações internacionais é a de Jacques Attali, tecnocrata e intelectual que foi dos principais conselheiros do ex-presidente socialista François Mitterand e ocupou diversos cargos no governo e em instituições internacionais. Sarkozy o convidou a reformular a política de ajuda humanitária e cooperação para o desenvolvimento da França e o próprio Attali afirmou que dará ênfase à questão do microcrédito.

O batismo de fogo diplomático de Sarkozy será a cúpula do G-8, entre 6 e 8 de junho, que ocorre na Alemanha. Mas a primeira iniciativa de política externa importante do novo presidente francês já ocorreu. Curiosamente, diz respeito à América Latina.

A França pressionou o governo da Colômbia para soltar uma série de guerrilheiros das FARCs. Especula-se que faz parte de um acordo que culminará na libertação de reféns da guerrilha, em particular a senadora e ex-candidata à presidência Ingrid Betancourt, que é cidadã francesa. Sua situação foi um tema quente da campanha de Sarkozy. Há ceticismo na imprensa e no governo colombianos de que as FARCs fariam isso, mas de qualquer modo, as negociações envolvem pesos-pesados da guerrilha, como Rodrigo Granda, o principal homem das relações internacionais das FARCs, preso em 2005 na Venezuela.

Resta saber como (e se) Sarkozy conciliará o perfil social com o tratamento de questões explosivas como imigração, Oriente Médio e as negociações para a entrada da Turquia na UE. Mas o início é promissor.

domingo, 3 de junho de 2007

Venezuela: regras do jogo



O conflito entre Chávez e a emissora RCTV ilumina as perversas regras do jogo entre governos e empresas de comunicação na América Latina. Um sistema em que as concessões são dadas pelo Estado a um oligopólio de grandes conglomerados só pode resultar em corrupção e conluio destes com as autoridades ou então na violência praticada pelos atuais inquilinos do poder político contra aqueles que lhes contrariam.

A liberdade de expressão é um valor muito nobre, qualidade nem sempre presente entre os que a defendem. Na Venezuela isso é claro. Chávez tentou um golpe militar em 1992. Falhou, foi preso, depois anistiado, criou um movimento político e foi eleito democraticamente em 1998. A oposição tentou derrubá-lo com um golpe militar em 2002. As TVs participaram ativamente da intentona anti-democrática, ocultando informações e mentindo ao público. Mas tanto no caso do presidente quanto entre seus opositores, a adesão à democracia se dá apenas na medida em que o sistema atende a seus interesses imediatos. Não existe donzela na casa de tolerância da política venezuelana.

Tampocou na brasileira. É curioso ver os magnatas de comunicação do Brasil subitamente convertidos à causa da liberdade de expressão. Não me refiro sequer ao apoio que sempre prestam às ditaduras de plantão em nosso país, mas em algo bem mais recente. No ano passado tivemos um debate sobre TV digital. Os movimentos sociais queriam a escolha de um padrão que permitisse mais canais disponíveis para associações comunitárias, redes locais. Enfim, pluralidade de vozes. Claro que venceu o oposto, que concentra o poder comunicacional nas mesmas grandes empresas habituais. Que agora se descobriram defensoras da liberdade de expressão. Tocante e comovedor. Tomara que comecem também a praticá-la, se isso não for pedir muito.

Hipocrisias à parte, o que quer Chávez ao tirar do ar a RCTV? O presidente venezuelano está há quase dez anos no Palácio Miraflores. Tempo suficiente para desgastar até mandatários menos propensos ao conflito do que ele. Vem tentando institucionalizar seu movimento político, criando um partido que dê um pouco mais de estabilidade a suas propostas. E o faz num cenário econômico mais difícil: os preços do petróleo já caíram significativamente com relação ao momento de alta máxima, no início da guerra do Iraque. A cojuntura complicada explica as nacionalizações que Chávez promove em vários setores da economia, a ofensiva contra a imprensa repete seu padrão de buscar inimigos e aumentar seu poder às custas dessa confrontação. Parece o primeiro período de Perón (1946-1955) mas há limites para a estratégia. Chega o momento em que tantas disputas deixam o governo isolado e frágil diante da oposição.

O que torna a situação de Chávez mais difícil do que a de Perón é que o mundo contemporâneo é muito mais sensível às questões ligadas à democracia e direitos humanos do que há cinco décadas. A soberania não é um escudo atrás do qual os governantes possam esconder-se de seus erros, ela é antes uma série de compromissos assumidos por cada país - com sua população e com a comunidade internacional. Não à toa o presidente da Venezuela tem entrado em confronto com uma série de parlamentos (Chile, Brasil, União Européia) e instituições multilaterais (OEA, ONU).