domingo, 29 de abril de 2007

Réquiem Colombiano



O Renato é um jornalista brasileiro que vive no Peru e toca o excelente blog Tordesilhas, que trata sobretudo das coisas desta América. Ele escreve a respeito das revelações sobre os massacres cometidos pelos paramilitares na Colômbia, publicadas recentemente pelo jornal El Tiempo, o mais importante do país. O texto do Renato diz tudo que é necessário a respeito do tema, portanto vou apenas complementar suas informações com um pouco do contexto político desses crimes.

Os paramilitares surgiram na Colômbia como reação às guerrilhas que chegaram a dominar 1/3 do país. Os paras cobravam dinheiro da população para protegê-las dos ataques das FARCs e organizações semelhantes. À medida que foram ganhando o controle sobre o território, os paramilitares descobriram que era mais lucrativo simplesmente expulsar os camponeses de suas terras e dedicar-se eles mesmos à criação de gado, plantio de coca ou café, ou seja lá o que a região produzisse de mais valioso. Dominam através do terror e da violência, com requintes de barbárie só comparavéis aos de genocídios como nos Bálcãs e na África.

A Colômbia vive em guerra civil quase permanente desde 1948 e os principais causadores da violência variaram conforme a época. Embora as pessoas em geral pensem nas guerrilhas como as responsáveis pelo maior número de mortes, atualmente 98% das denúncias dizem respeito aos paramilitares.

O presidente Álvaro Uribe lançou um programa amplo e controverso para esses grupos visando ao que a ONU chama DDR – desarmamento, desmobilização e reintegração. O processo é complicadíssimo porque envolve a ira de suas vítimas, disputas judiciais, indenizações etc. Um dos itens do DDR é a colaboração dos paramilitares para esclarecer crimes do passado, incluindo a localização de valas comuns como as investigadas pelo jornal El Tiempo.

Conversei com funcionários da ONU que trabalharam na Colômbia, e também com diplomatas brasileiros que participaram do DDR no Haiti. Ambos os processos baseiam-se em experiências bem-sucedidas dos países da América Central, que passaram por ferozes guerras civis na década de 1980. No próprio caso colombiano há grupos guerrilheiros que se desarmaram e viraram partidos políticos, como Quintin Lame e o M-19. Este último foi especialmente importante, porque marcou época ao roubar a espada de Bolívar e depois teve papel de destaque na elaboração da nova Constituição colombiana nos anos 90.

No entanto, o DDR dos paramilitares passa por crise profunda devido aos escândalos envolvendo a cúpula do governo Uribe. Líderes influentes como o comandante do Exército, o chefe do serviço de informações, ministros e senadores foram acusados de receber dinheiro desses grupos. O senado dos EUA cancelou parte de ajuda financeira à Colômbia, à espera de investigações sobre as acusações.

As milícias do Rio de Janeiro repetem a história dos paramilitares colombianos, a única diferença é que por aqui o medo do tráfico substituiu o pavor da guerrilha. As conseqüências serão as mesmas: os novos donos do território irão se mostrar perigo tão ou mais grave do que os antigos vilões. Há poucas semanas, quando o governador Sérgio Cabral visitou Medellín, uma autoridade local lhe disse que o Rio lembrava sua cidade há dez anos. Como estaremos, os cariocas, em 2015?

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Enquanto Escrevo


Ontem apresentei o primeiro capítulo da minha tese de doutorado aos colegas do seminário no qual discutimos nossos trabalhos. Foi uma bela manhã de conversas a respeito da política e história da Argentina e os amigos fizeram muitas sugestões importantes, em especial ao me chamarem a atenção para a necessidade de aprofundar o estudo sobre a ascensão de Menem à presidência.

Aos poucos nasce a tese. Enquanto escrevo, gosto de espalhar os livros e fichas de leitura pela mesa, abrir as janelas da sala para que o mundo possa entrar, ouvir CDs de música latino-americana e levantar de quando em quando para consultar as obras de referência na biblioteca.

O texto flui rapidamente – já são mais de 100 páginas em um mês e meio de trabalho. Embora seja somente a primeira versão, é um ritmo tranqüilizador, porque planejo um total de cerca de 150. O prazo é março de 2008, acredito que terminarei tudo no segundo semestre.

Escrever uma tese exige bastante em termos de tempo e de dedicação, mas não é sofrimento. Trata-se antes de um tipo de artesanato, de meter as mãos no barro e ver as idéias tomando forma. No meu caso, significa lembrar dos bons momentos na Argentina. A cada página recordo de conversas, aulas, lugares, pessoas, livros, instantes.

Teses começam com hipóteses, que ao fim quase sempre estão erradas. A distância entre os resultados e as expectativas chama-se pesquisa. Revejo muitos (pré)conceitos sobre a política argentina. Meus e dos outros. Penso nos benefícios que meu texto poderá trazer ao debate: aproximar a discussão brasileira do ambiente intelectual argentino, chamar a atenção para pontos que passaram desapercebidos.

Não invento a roda. Não caminho sozinho. Minha pesquisa se insere no conjunto mais amplo de acadêmicos, no Brasil e na Argentina, como os amigos do Observatório Político Sul-Americano. As conversas com os alunos, os debates após as palestras que tenho dado com freqüência. Trama de complementações, reflexões, provocações, conspirações.

A tese também é janela, desculpa para mergulhar no vórtice argentino. A ditadura e a resistência a ela. As relações entre civis e militares. O pensamento sobre o declínio do país. A força da memória histórica. As coalizões políticas que implementaram o neoliberalismo na América Latina. As condições que permitem às idéias virarem agendas políticas. Altos e baixos do processo de integração regional. A grande crise de 2001. A ascensão dos movimentos sociais. O novo cenário de lutas e conflitos do governo Kirchner.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Equador



As ilhas de São Tomé e Príncipe ficam em frente à costa do Congo, marcadas pelo calor e pela umidade, com a tristeza se acumulando no ar feito camadas de poeira. Para aquele desterro sua majestade el-rei de Portugal enviou como governador Luís Bernardo Valença, protagonista do excelente romance “Equador”, do português Miguel Sousa Tavares.

Sousa Tavares é jornalista, filho da célebre poeta Sophia de Mello Andersen e autor de livros de reportagens e de crônicas de viagem. “Equador” é seu primeiro romance, e que estréia! Eles no dá de presente, de uma só tacada, uma trágica história de amor, uma narrativa dos últimos anos da monarquia portuguesa e uma fina análise política das disputas coloniais no início do século XX, pela ótica do decadente império de Portugal, ameaçado pela cobiça dos britânicos e alemães.

Seu herói Valença é um acomodado burguês de Lisboa, que chegou à meia-idade numa vida mansa feita de aventuras amorosas, festas gastronômicas e algum diletantismo intelectual. Adepto, com ceticismo, dos princípios liberais mais avançados da época, ele escreve uma série de artigos defendendo métodos mais modernos para administrar as colônias portuguesas na África, antes que impérios mais eficientes assumam a tarefa. Seu textos chamam a atenção da Corte, que precisa de um homem para desempenhar uma espinhosa missão em São Tomé e Príncipe.

As ilhas vivem da exportação de cacau e café e irritam os concorrentes ingleses, que acusam os portugueses de explorarem trabalho escravo nas lavouras e ameaçam com um embargo comercial. A escravidão havia sido abolida há décadas, mas a prática era um tanto mais nebulosa, marcada por castigos físicos, intimidação e a ausência de contratos efetivos com os trabalhadores. Valença logo descobre que se quiser cumprir as leis, poderá inviabilizar o sistema econômico da colônia, cujos altos lucros permitem a seus donos ausentes viverem como magnatas em Lisboa e Paris.

O novo governador precisa lidar com os colonos hostis, com rebeliões de trabalhadores e com a estranheza que causa seu comportamento sofisticado de intelectual lisboeta, que gosta de ouvir ópera no terraço e se ressente da solidão e da mesquinharia da vida na colônia. Para piorar as coisas, o cônsul que a Inglaterra envia para investigar o trabalho escravo é casado com uma mulher belíssima, por quem Valença se apaixona perdidamente.

“Equador” é um romance espetacular, com os aspectos políticos e românticos da trama se complementando maravilhosamente. Sousa Tavares é um entusiasta da África e seu amor pelo continente transparece nas descrições da natureza e da empatia com os africanos. As discussões sobre comércio e direitos humanos do romance são muito atuais, parecem os debates na OMC sobre “dumping social” da China.

Para um fã de Eça de Queirós como eu, é fascinante acompanhar as referências à obra do mestre espalhadas por “Equador”, como os cafés lisboetas freqüentados pelo protagonista e a veneração de seus amigos pelos “Vencidos da Vida”, o grupo de intelectuais ao qual pertencia o grande escritor de Portugal.

Para um professor de relações internacionais, é um estímulo ver o cenário dos conflitos imperialistas que precederam a I Guerra Mundial tratado com brilho e inteligência, em língua portuguesa, pela ótica de um cidadão de um país periférico aos grandes acontecimentos. Penso em utilizar trechos do livro com meus alunos. É bem mais saboroso que os argumentos áridos da teoria da dependência.

domingo, 22 de abril de 2007

Roma



Por conta do trabalho na tese, tenho passado mais tempo em casa. Costumo intercalar a escrita com algum filme na TV a cabo mas nos últimos dias assisti aos DVDs da primeira temporada da série "Roma", co-produção da HBO e da BBC. Eu havia visto os dois episódios iniciais e adorado. O resto só reforçou essa opinião.

"Roma" é ambientada nos anos finais da República, um dos períodos mais conturbados da história daquela civilização. A austera cidade-Estado dos primeiros séculos conquistara um enorme império que se estendia da Espanha à Turquia, mas nesse processo o poder se concentrara nas mãos dos aristocratas e a economia passou a depender cada vez mais do trabalho escravo e do latifúndio. Os conflitos sociais estouraram por toda parte: nobres x plebeus, italianos x romanos, escravos x homens livres... Era questão de tempo até aparecer um homem forte que centralizasse as instituições do Estado. Sila, Catilina e César tentaram, coube a Otávio realizar o feito e se tornar imperador.

A primeira temporada conta a guerra civil entre César e o Senado (na foto, uma animada contenda parlamentar entre os dois partidos), a segunda foca na luta por sua herança política entre seu aliado Marco Antônio e seu sobrinho-neto Otávio. A intriga em Roma é excelente, em particular nos episódios escritos pelo produtor da série, Bruno Heller. Meu favorito é o segundo, no qual César toma a decisão de atravessar o rio Rubicão e entrar na Itália com suas legiões, um crime gravíssimo pela lei romana.

A grande sacada da série é fazer o espectador entrar na história acompanhando dois personagens do povo, soldados da 13a Legião de César. Lúcio Voreno é o centurião exemplar, cidadão-modelo da República, que por seu prestígio junto à tropa é arrastado a contragosto para o esquema de favores e apoios políticos de César, a quem considera um aventureiro perigoso. Tito Pullo é o soldado fanfarrão, amante das mulheres, bebida, jogo e de uma boa briga. Os dois são unidos por uma forte amizade e enfrentam perigos que os levam das guerras na Gália, Grécia e Egito às disputas nas ruas de Roma.

Os conflitos pessoais dos dois soldados - a esposa infiel de Lúcio e a busca de Tito por um amor que preencha o vazio de sua vida - são intercalados com as tramas das famílias nobres de Roma, em particular a guerra de morte travada entre a sobrinha de César, Átia, e a ex-amante do líder, Servília.

As legendas da HBO são cheias de problemas e traduzem errado o nome de alguns personagens históricos (por exemplo, o rígido defensor dos valores éticos da antiga Roma chama-se Catão e não Cato) além de perderem aspectos importantes da trama, como a linguagem vulgar e agressiva dos soldados. Nada que realmente comprometa o produto final, mas poderia ser melhor cuidado.

Anteontem revi "Spartacus", também em DVD, cuja trama se passa cerca de 25 anos antes do início da série. O filme é realmente magistral e emocionante. Da fina ironia dos atores ingleses que interpretam os aristocratas romanos à beleza do enredo romântico, passando pelo épico politico da luta dos escravos. Foi o primeiro filme romano que não tinha mensagem religiosa e se concentrava simplesmente na questão da liberdade e da dignidade. O excelente roteiro é de Dalton Trumbo, escritor que encabeçava a lista negra de Hollywood, acusado de comunista. Ele salpicou referências muito interessantes ao McCarthismo no filme, como o momento em que o general calhorda que persegue Spartacus anuncia ter listas de "cidadãos desleais" em cada cidade da Itália. Genial.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Mangabeira Unger: no longo prazo, seremos todos governistas



Quando juro que Lula não é mais capaz de me surpreender, eis que ele nomeia Mangabeira Unger para a Secretaria Especial de Assuntos do Longo Prazo, que tem status de ministério. OK, qualquer mesa com carimbo e telefone tem status de ministério neste governo. As pessoas acham que eu implico com o Mangabeira Unger (ao entrar no link, cheque o post no fim da página).

E é verdade.

O novo ministério assume o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que era vinculado ao Ministério do Planejamento, e é conhecido como o maior viveiro de economistas de direita do país. Os caras adoram reclamar do salário mínimo e da establidade trabalhista - dos outros, porque nunca movem um dedo para acabar com os benefícios dos quais desfrutam sendo funcionários públicos. Não é fácil aguentar essa turma, entendo que tenham resolvido jogá-los adiante para o Mangabeira Unger. Aliás, os economistas do Ipea também adoram falar em inglês, mesmo que seja em eventos oficiais nos quais representem o governo brasileiro. Logo se vê que têm grandes afinidades linguísticas com o novo ministro.

Mangabeira Unger também ficará responsável pelo núcleo de assuntos estratégicos da presidência, cuja principal função é fingir que o atual governo se preocupa com alguma coisa além de voltar ao poder em 2014. Deve ser o tal longo prazo, embora o economista mais brilhante do século XX, Lord Keynes, tenha nos alertado de que "no longo prazo, estaremos todos mortos." Ou governistas, milord.

A trajetória política de Mangabeira Unger é desafiadora mesmo para os padrões brasileiros, nos quais a pessoa muda de partido com mais freqüência do que os serial killers americanos mudam os pentes de munição. Nosso ministro vem de família conservadora, da velha UDN, mas ele mesmo foi guru de Ciro Gomes, depois conquistou Caetano Veloso, candidatou-se sem sucesso a prefeito de São Paulo e atualmente está no Partido da Igreja Universal do Reino de Deus, que tem lá um nome fantasia qualquer falando em república.

As idéias políticas de Mangabeira Unger louvaram o "potencial revolucionário das classes médias", a retomada do nacional-desenvolvimentismo, a necessidade de enfrentar os Estados Unidos e um clamor contra a corrupção. Vale aprofundar o último ponto. Vejamos o que sua excelência escreveu a respeito:

"AFIRMO que o governo Lula é o mais corrupto de nossa história nacional. Corrupção tanto mais nefasta por servir à compra de congressistas, à politização da Polícia Federal e das agências reguladoras, ao achincalhamento dos partidos políticos e à tentativa de dobrar qualquer instituição do Estado capaz de se contrapor a seus desmandos. Afirmo ser obrigação do Congresso Nacional declarar prontamente o impedimento do presidente."

O tom quis imitar Zola, no J´Accuse, mas ficou para mais a UDN sem Carlos Lacerda. O mensalão é uma porcaria, mas não é o caso Dreyfus.

Impedimento? Como assim, ele ultrapassou a linha dos zagueiros e recebeu a bola na cara do gol? Well, Mangabeira deve estar a falar de impeachment... Anyway, esperamos que o novo ministro mantenha-se fiel as suas palavras e execute seu programa, destruindo o governo de dentro. Quiçá em aliança com o augusto Congresso nacional, que conta com parlamentares sem rabo preso, como Clodovil.

Quanto às tarefas que Magabeira Unger irá desempenhar, são um mistério. Deixo a resposta a vocês, na enquete ao lado.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

De Carona pela América do Sul


Ontem exibimos no Ibase "Caroneiros" e fizemos um debate com o diretor de fotografia desse simpático documentário. O filme segue uma idéia que parece saída dos sonhos de Jack Kerouac ou do Che Guevara: viajar pela América do Sul dando caronas e conversando com as pessoas comuns que passam pelo caminho. Das entrevistas/papos se faz um panorama do que anda pela cabeça da juventude sul-americana. Dois temas se destacam:

1- Conhecemos pouco sobre os demais países do continente. Sabemos mais a respeito do Império Romano do que de nossos vizinhos. A escola não cumpre esse papel e as pessoas que querem informações sobre a América do Sul precisam buscá-las por conta própria.

2- Existe uma identidade sul-americana que nos une? Ou nos vemos principalmente como brasileiros, argentinos, chilenos e sem muita disposição para sentir além das rivalidades nacionais?

A platéia era formada sobretudo por estudantes e no debate falei bastante sobre a experiência na Argentina, felicitando os produtores de "Caroneiros" pela maneira aberta e divertida pela qual colocaram em discussão os mesmos temas que vivenciei na universidade em Buenos Aires.

O diretor de fotografia do filme, Santiago, nos contou que a recepção dos caronas foi muito boa em todos os países, menos no Brasil. Aqui, o medo da violência afastou as pessoas do hábito de pegar carona, além de torná-las mais desconfiadas a estranhos.

Perguntei ao Santiago se ele havia sentido a presença forte de preconceitos e rivalidades nacionais e ele comentou que sim, em especial entre argentinos e chilenos. Também trocamos idéias sobre o anti-americanismo no continente, em particular na Patagônia - a belísisma região argentina, pouco povoada e rica em recursos naturais, onde várias empresas transnacionais, com se instalaram recentemente.

Boa parte da platéia eram alunos de geografia da UFRJ, levados pela professora. Conversamos após o filme sobre o ambiente acadêmico da Argentina, o qual não canso de elogiar. Compartilhamos o desejo de que as universidades brasileiras prestem mais atenção ao que as instituições hermanas pesquisam e discutem e fiquei de lhe passar material que recolhi em Buenos Aires.

Fazer a ponte entre Argentina e Brasil está sendo a parte mais gratificante da minha experiência de intercâmbio e acredito que minha tese vai contribuir com essa conversa.

***

O Brasil não conhece a América do Sul, e sequer conhece o Brasil. Mas fica
a dica do "Vidas e Imagens", blog emocionante e sensível, sobre as pessoas comuns que fazem este país. Dica de Rafael Galvão.

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Disseram no debate que o motivo do ódio de Galvão Bueno à Argentina é que sua mulher teria fugido com um portenho. Bom demais para ser verdade. Alguém confirma a história?

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Foto de uma Conversa



No dia em que Celso Furtado morreu, eu estava num vôo do Chile para o Brasil. Fizemos uma escala em São Paulo, para trocar de avião, e no saguão do aeroporto vi o jornal com a notícia. Passei-a adiante para o veterano economista que me acompanhava, consultor do projeto de cooperação internacional do qual eu era parte - o ponto alto da viagem foi uma excelente conversa em Santiago com o ex-ministro da Economia de Salvador Allende. Meu colega começou a chutar os cinzeiros e as latas de lixo ao redor, enquanto esbravejava contra a estupidez da elite brasileira. Quando se acalmou, trocamos idéias sobre o que Furtado representou para sua geração, que entrara na vida acadêmica nos anos 60 - ele mesmo havia escolhido a profissão por influência dos livros do mestre.

O episódio ficou para mim como um momento muito simbólico, porque durante todo o meu trabalho no Chile pensava na obra de Furtado e em sua atuação política, sobretudo os estudos que desenvolveu na Comissão Econômica da ONU para a América Latina (CEPAL), cuja sede era em Santiago. Relembrei aquelas sensações ao ler "A Foto de Uma Conversa".

Em 1991 Cristovam Buarque entrevistou Celso Furtado em Paris. As fitas com a gravação da conversa ficaram esquecidas até que o político pernambucano resolveu transcrevê-las, mais por razões sentimentais para lembrar o grande economista falecido em 2004. Buarque descobriu que o material continuava interessante e publicou um simpático livrinho com o papo com Furtado.

Em menos de cem páginas curtas, o mestre passa por uma grande quantidade de temas: sua experiência na Segunda Guerra Mundial, as transformações pelas quais passava a Europa no início da década de 90, a Guerra do Golfo como um retrocesso do pan-arabismo e da cooperação sul-sul, seu orgulho com a Sudene, a frustração com as possibilidades que o Brasil perdeu com o golpe militar de 1964 e as críticas ao modo como a economia é ensinada atualmente. Buarque acrescentou colunas laterais com seus comentários atuais às opiniões de Furtado.

As idéias do mestre continuam a estimular o pensamento e provocar a reflexão, impressiona como ele consegue sintetizar em poucas frases questões complexas. O nível do debate é muito mais alto do que qualquer coisa que exista atualmente na política brasileira. As preocupações de Furtado casam bem com as que estudo no curso sobre o nacionalismo no Brasil dos anos 50, agora leio os pensadores do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), como o filósofo Álvaro Vieira Pinto e o sociólogo Roland Corbusier. Mais tarde escrevo a respeito.

De aperitivo, fica lição de Furtado, aliás igualmente presente no ISEB: O ser humano é um projeto, algo sempre a se transformar, e só se completa na liberdade e na esperança. Menino nascido no sertão da Paraíba, o mestre entendia alguma coisa sobre a capacidade de alargar horizontes e reinventar-se.

sábado, 14 de abril de 2007

Notas sobre um Escândalo



Grande filme na praça, e que corre o risco de passar desapercebido: "Notas sobre um Escândalo". Dirigido por Richard Eyre e estrelado por duas feras, dame Judi Dench e Cate Blanchett. O roteiro trabalha a partir do tipo de situação "inspirada em fato reais": uma professora de artes tem um caso um aluno adolescente e a história vaza para a imprensa sensacionalista, arruinando a vida dos envolvidos. Desse fiapo de enredo, sai uma trama espetacular, balizada pelo desempenho das duas atrizes.

Sheba Hart, a personagem de Blanchett, é a jovem professora de artes numa escola da periferia londrina. Os alunos, como observa sua idosa colega Barbara (Judi Dench) serão os futuros encanadores, operários e eventuais terroristas da sociedade britânica. O ambiente do colégio é ninguém-dá-muita-bola-para-nada. A direção tem uma postura politicamente correta na qual todos fingem acreditar.

Menos Barbara. Solitária e amarga, ela descarrega suas frustrações num diário, até que vê em Sheba a possibilidade de uma amiga que lhe dê companhia na velhice. Ela acompanha enciumada o frisson que a jovem e bela colega desperta nos professores e alunos, mas acabam se tornando íntimas e Sheba lhe faz confidente de suas muitas decepções com a família: a péssima relação com a mãe, um filho deficiente, um marido muito mais velho.

O envolvimento de Sheba com um de seus alunos é apenas o estopim que detona o barril de pólvora e faz vir à tona todos os ressentimentos, mesquinharias e raivas latentes, tanto na escola quanto na família de Sheba e na rotina de Barbara. Incrível como o filme constrói o clima de suspense: pela atuação das duas protagonistas, por vários pequenos detalhes no roteiro, pela trilha sonora, etc. Trabalho primoroso.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Os jovens estão com medo

Ontem passei a tarde na PUC, assistindo ao Seminário Internacional Juventude e Participação Cidadã. Foram apresentadas duas pesquisas no evento, abordando a situação dos jovens no Brasil, nos EUA e no México. Eu buscava informações e análises que me ajudem no meu projeto atual a respeito da juventude na América do Sul e constatei que as semelhanças com o que se passa em outras regiões é bastante grande.

Uma das consultoras do nosso projeto fala na juventude atual como a geração do medo. Da violência. Do desemprego. Da marginalidade econômica e social - porque a maior parte dos empregos disponíveis é muito mais instável do que aqueles que seus pais tiveram. Pensei na canção de Lenine:

Tienen miedo de pedir y miedo de callar
Miedo que da miedo del miedo que da

Tienen miedo de reir y miedo de llorar
Tienen miedo de encontrarse y miedo de no ser
Tienen miedo de decir y miedo de escuchar


Claro que cada país tem suas particularidades. No México, há o canto de sereia da emigração para os Estados Unidos. Me pergunto se encontraremos desejos parecidos na Bolívia e no Uruguai, de onde muitos jovens saíram para tentar a sorte no exterior. Nos EUA, o que mais me chamou a atenção foi a política de recrutamento das Forças Armadas sobre os rapazes pobres. Uma professora da Universidade de Illinois nos contou que eles recebem cartas em inglês e espanhol oferecendo a carreira militar como válvula de escape para a pobreza e as escolas ruins.

As estatísticas mostram que os receios da juventude não são infundados, todos os problemas sociais atingem com mais força as pessoas nessa faixa etária. Um dos pesquisadores usou a expressão "anos de incerteza" para descrever esse momento, em que o rapaz ou moça ainda não tem um lugar definido na sociedade. O comentário que mais me impressionou veio de uma adolescente, moradora de uma favela do Rio de Janeiro, que afirmou se sentir privilegiada por ter participado da pesquisa, mas acima de tudo privilegiada por ter chegado aos 17 anos. Vários de seus vizinhos não
conseguiram.

Outros temas que apareceram várias vezes nos debates foram a baixa auto-estima e o sentimento de isolamento muitos presentes entre os jovens, sobretudo entre os mais pobres. Acredito que o primeiro ponto tem muito a ver com as imagens de juventude que são vendidas pela TV, pelos filmes e pela publicidade e que são um ideal inacessível para a maior parte das pessoas na América Latina. O segundo é mais complicado, envolve a precariedade das escolas,os problemas com os pais e até a dificuldade de ir e vir pela cidade. Um monte de coisas estão fora do lugar, para que esses jovens se sintam tão deslocados.

Minha vida profissional está sendo marcada por um contraste muito forte entre a realidade dramática que acompanho pelo projeto sobre juventude e as questões políticas, econômicas e diplomáticas da maior parte da minha atividade de pós-graduação, para não mencionar as excelentes oportunidades de trabalho na área. Por estes dias andei às voltas com o capítulo da tese que trata dos conflitos entre a Argentina e o Brasil no Mercosul. Tarifa externa comum para cá, desvalorização do real para lá. Foi a parte mais difícil de escrever até agora, mas também a que mais me fez aprender.

Saltar das tabelas de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento para os depoimentos que mencionei acima tem me feito pensar muito, principalmente sobre como a maior parte do debate acadêmico e político brasileiro é tão distante das demandas cotidianas da população. A grande aposta da pesquisa é que seremos capazes de ligar esses dois mundos, ajudando a consolidar as políticas públicas de juventude como uma
questão importante no Mercosul.

domingo, 8 de abril de 2007

Um Bairro Global



Nestes dias de feriado, o bairro de Santa Teresa andou bastante movimentado por conta de sua IV Semana Cultural. Foram apresentações de música, teatro, exposições de fotografia e de arte. A foto mostra o tapete de flores em que se transformou minha rua. Os eventos deixaram bem claro as transformações pelas quais passa o bairro.

Nos últimos anos Santa Teresa virou o centro de iniciativas culturais, como o Festival Arte de Portas Abertas. Como escrevi anteriormente, muitos estrangeiros vieram morar por aqui, compraram casas e revitalizam a área. O hotel cinco estrelas deve ser inaugurado em poucos meses e com certeza irá mudar ainda mais as coisas.

Num certo sentido, Santa Teresa está ficando parecida com o bairro em que vive em Buenos Aires, Palermo Viejo – era uma região um tanto esquecida da cidade que virou local de lojas de design, decoração e ponto de encontro de artistas, boêmicos e... turistas. Não está tão diferente em Santa, pelas ruas daqui ouço espanhol, francês, alemão, inglês.

O bairro está ficando mais caro. Um casal amigo quer sair daqui porque acha que o aluguel não compensa mais. De fato, está cada vez mais próximo aos valores da zona sul, e os preços dos imóveis sobem. Outro dia encontrei na rua o corretor que me vendeu o apartamento e ele perguntou se eu não estaria interessado em passá-lo diante. Me sugeriu um valor 30% superior ao que paguei há dois anos.

Mas não saio daqui de jeito nenhum, a qualidade de vida no bairro melhorou muito. E espero que o fluxo de turistas e moradores estrangeiros ajude a resolver os dois problemas mais sérios de Santa: transporte e segurança.

A dificuldade maior é que a prosperidade que tomou conta do bairro é no fundo limitada a poucos moradores e a uma pequena área de Santa. Há mais de 10 favelas na região e nenhuma delas recebeu qualquer benefício das transformações. A paisagem humana do bairro lembra cada vez mais os cartões-postais da zona sul do Rio de Janeiro: meninos e rapazes negros rondando turistas brancos, freqüentemente estrangeiros, e ganhando uns trocados para guardar carros, ou na pura e simples mendicância.

Os pobres do bairro estavam por toda a parte durante a Semana Cultural, mas sempre à margem. Da calçada ou do ponto de ônibus, observavam o movimento dos turistas e as obras de arte montadas nas ruas. Viam tudo distantes, isolados, como a festa para a qual não foram convidados acontecesse em outro planeta.

A cientista política Saskia Sassen escreveu um belo livro sobre as “cidades globais”, como Nova York, Tóquio ou Londres, os elos centrais na economia internacional. Penso que também existem os “bairros globais”, pontos de encontro de redes que atravessam fronteiras e que bem podem estar situados em cidades um tanto periféricas, como é o caso do Rio de Janeiro. O problema é que essa prosperidade glamourosa é sempre uma vitrine distante, atrás de vidros, alarmes e seguranças que sabem muito bem quem não pode entrar na festa.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Malvinas, 25 anos


Reproduzo abaixo um artigo que escrevi sobre os 25 anos da Guerra das Malvinas e que foi publicado nesta quinta no jornal Valor Econômico:


O LEGADO DA GUERRA DAS MALVINAS

No dia 2 de abril de 1982 a ditadura argentina invadiu as ilhas Malvinas e Geórgias do Sul, tentando manipular o nacionalismo para manter o regime autoritário. A derrota para o Reino Unido após dois meses e meio de guerra encerrou o período militar, cujo terrorismo de Estado assassinou 30 mil pessoas. Contudo, a importância das Malvinas ultrapassa as intensões da ditadura e continua a influenciar a política externa argentina e as relações entre os países da América do Sul.

O mais inesperado legado da guerra foi o impulso à integração regional, em particular à aproximação de Argentina, Brasil e Chile. O governo brasileiro permaneceu oficialmente neutro no conflito, mas prestou apoio discreto e bem-executado aos argentinos, com vôos de reconhecimento operados por pilotos da FAB e também auxílio diplomático e econômico para amenizar o impacto das sanções internacionais impostas ao país vizinho.

A posição brasileira foi fundamental para consolidar os laços de construção de construção de confiança, em curso desde 1979 quando Argentina, Brasil e Paraguai assinaram o acordo tripartite de Corpus-Itaipu, que encerrou a disputa pelo uso hidrelétrico dos rios do Cone Sul. O reestabelecimento da democracia levou adiante a cooperação, incluindo o Uruguai e culminando na criação do Mercosul em 1991. Também se firmaram importantes acordos nucleares entre Argentina e Brasil, estabelecendo parceria em campo estratégico, anteriormente marcado por receios e rivalidades.

O caminho para a integração entre Buenos Aires e Santiago foi mais longo. O Chile apoiou clandestinamente o Reino Unido durante a Guerra das Malvinas, com auxílio logístico e informações aos britânicos. Ecos do conflito entre Pinochet e a junta militar argentina pelo Canal de Beagle, que quase resultou em guerra em 1978. A democracia resolveu as tensões criadas pelas ditaduras: o governo Alfonsín organizou referendo em que a população aprovou o laudo do Vaticano, desfavorável à Argentina. Decisão notável, ainda mais porque o ressentimento pelo comportamento do Chile na guerra das Malvinas continuava – e segue até hoje – forte entre os argentinos.

A redemocratização chilena beneficiou a cooperação. Os governos da coalizão de centro-esquerda da Concertación ocupam a presidência desde 1990 e acordaram com o presidente argentino Carlos Menem a resolução de outras 20 querelas territoriais. O Chile tornou-se membro-associado do Mercosul em 1996 e empresas chilenas investiram cerca de US$20 bilhões na Argentina ao longo da década de 90 – cerca de 60% do total do investimento chileno no exterior. Tropas dos dois paises participam conjuntamente em missões de paz da ONU e está em curso a criação de um batalhão binacional para tais operações. A integração também se expandiu para outras áreas, como o turismo. Já é comum que as agências de viagens ofereçam pacotes para a Patagônia com roteiros que praticamente ignoram as fronteiras, entrando e saindo dos paises conforme a conveniência de visitar um lago, vulcão ou cidade. Belo exemplo para outros ecossistemas compartilhados por várias nações sul-americanas, como a Amazônia.

Contudo, se a guerra das Malvinas terminou por estimular a paz no Cone Sul, “continua a ser uma questão que complica toda a política externa argentina”, desabafou um diplomata que teve importante papel no conflito. Alfonsin retomou os protestos na ONU, sem sucesso. Menem optou pela aproximação com o Reino Unido, reestabelecendo relações diplomáticas e optando pela fórmula que ficou conhecida como “guarda-chuva da soberania”. Embora mantivesse o reclamo territorial, o debate sobre o controle das ilhas foi adiado. Em seu lugar assinaram-se tratados de cooperação econômica na área de pesca e de exploração de hidrocarbonetos. Tambem foram firmados acordos humanitários, que permitem visitas às Malvinas dos veteranos de guerra argentinos e dos familiares dos soldados mortos no conflito.

A aproximação entre a Argentina e os EUA durante o governo Menem incluiu a expectativa de que Washington pudesse mediar as negociações com o Reino Unido e dizer palavras favoráveis à causa da reconquista da soberania. Entretanto, não foi o que ocorreu. Os presidentes Bush e Clinton limitaram-se a elogiar a disposição pacífica da Argentina, mas não se envolveram nos esforços diplomáticos relativos às ilhas. Em contraste, os países latino-americanos manifestam seu apoio às autoridades argentinas em diversos fóruns: Organização das Nações Unidas, Organização dos Estados Americanos, Grupo do Rio e na recém-criada Comunidade Sul-Americana de Nações.

A política menemista para as Malvinas foi marcada ainda por curiosa “estratégia de sedução” dos kelpers, os moradores das ilhas, que incluiu presentes de Natal para cada um, enviados pelo chanceler Guido di Tella. O gesto amenizou as tensões, mas teve poucas conseqüências práticas – os kelpers manifestaram em diversas ocasiões seu firme desejo de continuarem cidadãos britânicos.

Apesar da declaração de Jorge Luís Borges, para quem a guerra se tratou de dois carecas brigando por um pente, as Malvinas seguem presentes na memória histórica e na agenda política argentina. Dezenas de filmes, romances, documentários e exposições relembram seus momentos trágicos, como o afundamento do cruzador General Belgrano, e seus gestos heróicos, em particular o desempenho da Força Aérea argentina.

A política de Kirchner tem sido marcada por choques com os britânicos. Argentina e Reino Unido celebraram em separado os 25 anos da guerra. Também pesam questões econômicas: a disparada no preço do petróleo tornou os hidrocarbonetos das Malvinas bem mais preciosos e levou Kirchner a romper o tratado de cooperação nesse campo. O presidente sequer compareceu ao ato que recordou o conflito, na cidade argentina de Ushuaia, porque temia protestos contra seu governo por parte de manifestantes locais. A solução definitiva para a disputa pela soberania das ilhas continua tão distante quanto a reconciliação entre os antigos inimigos.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

A Construção do Inimigo


"Não há nada que o brasileiro odeie mais do que o argentino", me dizia uma colega de trabalho.

Não penso que seja assim. Mas reconheço que existe no Brasil um sentimento forte de hostilidade contra a Argentina. O oposto, digo de passagem, daquilo que experimentei no país vizinho. Por que isso acontece?

Rivalidade no futebol? A Itália é uma adversária tão ou mais perigosa e em geral os brasileiros tem pelo país da bota grande simpatia.

Histórico de guerras? Foram apenas duas em quase 200 anos de vida independente, sendo em que em uma delas na verdade o Brasil lutou aliado aos rebeldes argentinos que queriam depor o caudilho Rosas. E isto foi em 1852, muito tempo, em especial para um país com pouca memória nacional como o Brasil.

Disputas políticas internacionais? Tiveram lá seu peso, mas acho difícil que o Galvão Bueno pense nos conflitos dos anos 60 e 70 pela energia hidrelétrica no Cone Sul enquanto narra as partidas de futebol. Tampouco acredito que esteja em jogo a tarifa externa comum do Mercosul ou as brigas pelos subsídios do trigo e do açúcar.

Como se deu a construção do inimigo? Não tenho realmente a resposta. O tema pede boa pesquisa, nos moldes da que li em Buenos Aires a respeito da "imagem do outro" entre Argentina e Chile, estudo muito interessante que abordava manuais escolares, imprensa. Minha aposta é que a cultura da inimizade extrapolou em muito as discórdias político-econômicas entre brasileiros e argentinos e virou um entrave, em si mesma, ao processo de integração. Em outras palavras, foi irracional.

Me interessa saber como ela foi construída, porque é fundamental desmontá-la. Disse a minha colega que as novas gerações, nas duas margens do rio da Prata, têm visões muito mais positivas e abertas quanto aos outros países. Isso passa pelo turismo, pela admiração cultural e pela consolidação dos laços humanos, da amizade fraterna que surge tão fácil e naturalmente entre brasileiros e argentinos.

No fim, na Argentina nunca me senti em terra estrangeira, mas sim em casa de amigos.

domingo, 1 de abril de 2007

A Outra Volta do Bumerangue


No ano passado o Ministério das Relações Exteriores organizou uma conferência sobre política externa e política internacional, na qual diplomatas e acadêmicos debateram esses temas. Em 2007 haverá uma segunda edição e agora o Itamaraty realiza os seminários preparatórios. Na sexta-feira aconteceu o debate sobre nosso continente e o ministério me convidou para apresentar meu estudo “A Outra Volta do Bumerangue: Estado, movimentos sociais e recursos naturais na Bolívia (1952-2006)”, que foi recebeu o Prêmio América do Sul.

Falei para uma platéia de 150 ou 200 pessoas, embaixadores e acadêmicos dos países sul-americanos. Como o tempo era curto, minha breve palestra se limitou a apontar a luta pelo controle dos recursos naturais (terra, estanho, coca, hidrocarbonetos e água) como o eixo que define a política boliviana. Comentei a ascensão dos movimentos indígenas centrados na valorização da identidade e da cultura dos povos originários e terminei pedindo ao público que lembrassem das lições do pensamento nacionalista brasileiro dos anos 50: a nação é um projeto, algo que se contrói, um a fazer, e é isso o que está em jogo na Bolívia.

Meu irmão havia brincado comigo: “Quer dizer que você vai explicar a Bolívia aos bolivianos?”. Não foi isso, mas felizmente a diplomata boliviana presente me cumprimentou pelo trabalho e se ofereceu para me ajudar com informações para minha pesquisa sobre a juventude sul-americana. O tom do meu texto é de muita admiração pelo povo boliviano e por sua rica tradição de lutas sociais, tratei a questão da nacionalização dos hidrocarbonetos como um direito soberano e critiquei certas reações na opinião pública brasileira como xenófobas e racistas.

O Itamaraty aproveitou o seminário para realizar a cerimônia de premiação. Assim, minutos depois da palestra recebi o certificado das mãos de um convidado ilustre: o economista argentino Aldo Ferrer. É um dos intelectuais nacionalistas mais importantes do continente, comparável ao nosso Celso Furtado e o cito várias vezes em minha tese. Enquanto ele e o Moniz Bandeira me cumprimentavam, disse-lhes algo embaraçado que falar sobre política sul-americana num evento no qual ambos estavam presentes era quase desrespeitoso, eu deveria ficar em silêncio e ouvi-los.

O seminário reuniu acadêmicos de todo o país e conheci gente muito boa de universidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Pará. A idéia é trocarmos informações e idéias e provavelmente darei algumas palestras por aí. Outra boa surpresa foi conhecer a equipe de uma revista acadêmica para a qual dias atrás eu tinha enviado um artigo sobre a crise argentina – devo usar parte do texto na minha tese. Ele me contava da rede de pesquisadores que estão formando em vários paísess e comentei entusiasmado que eles estavam de parabéns: “Nós estamos, porque você é parte disso”, ele me corrigiu.

Também encontrei bons amigos, como um ex-professor (em cuja disciplina escrevi o artigo para a revista) e colegas do Exército e todos queriam saber como tinha sido a experiência na Argentina e escutar as novidades. Meu ex-professor me incentivou a me dedicar integralmente à carreira acadêmica e a publicar a tese como livro. Curiosamente, depois do evento dei uma passada no Iuperj e os amigos que encontrei por lá brincavam que já que estou “com um pé no governo” poderia arranjar empregos para jovens recém-doutores.

Como não faço parte do PMDB, me limitei a rir e cuidar da vida. Trabalhei pesado no fim de semana e escrevi o segundo capítulo da tese. O texto flui fácil e rápido, porque estou a mil com informações e idéias. Se continuar neste ritmo, devo terminar o trabalho ainda neste semestre. De qualquer forma, razões burocráticas me impedem de defender a tese antes de agosto.