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quarta-feira, 13 de julho de 2011

Poder, Fé e Fantasia: os EUA no Oriente Médio



História é quando tudo inesperado em seu próprio tempo é registrado na página como inevitável. A história oculta o terror do imprevisto, transformando um desastre num épico.

Phillip Roth, escritor americano

O Oriente Médio tem sido importante para os Estados Unidos desde a criação do país. Conflitos com a região foram fundamentais para a expansão do poder militar do país e inspiraram símbolos nacionais como o hino e a Estátua da Liberdade. O próprio termo “Oriente Médio” foi inventado por um almirante americano. No entanto, tais relações são permeadas por desconhecimento, preconceito e atitudes irracionais, baseadas em fantasias ideológicas ou religiosas, que dificultam a formulação de políticas coerentes. Esses são os principais argumentos do excelente “Power, Faith and Fantasy: America in the Middle East, 1776 to the present”, do historiador e diplomata israelense Michael Oren.

A maior parte das análises sobre os EUA e o Oriente Médio concentra-se no período iniciado com a Segunda Guerra Mundial e a questão do petróleo, mas Oren defende de forma convincente que é necessário olhar as épocas anteriores. Na realidade, dois terços de seu livro abarcam os anos entre 1776 e 1939, e suas reflexões sobre os tempos contemporâneos deixam a desejar, talvez pela sua falta de objetividade: Oren é o atual embaixador israelense em Washington.

Ele se sai bem melhor tratando do passado mais remoto. Oren mostra como o envolvimento militar americano no Oriente Médio começou com ainda no século XVIII, com as guerras contra os piratas do Mediterrâneo, que operavam sob a proteção de governantes no Norte da África. A jovem república americana chegou a pagar 20% do seu orçamento anual em tributo aos bandidos, até chegar à conclusão que era necessário ter uma Marinha de guerra para defender seus interesses na região. O hino dos fuzileiros navais dos EUA começa falando nas “praias de Tripoli”, onde eles lutaram um de seus primeiros conflitos. Até hoje jogam bombas por lá, mas a retórica de condenação dos piratas bárbaros ao “cachorro louco” Kadafi é muito semelhante. A melodia do hino americano foi composta para essas guerras, mas depois ganhou a letra atual quando do confronto de 1812 com a Grã-Bretanha.



Ao longo do século XIX, a região ganhou em importância comercial e como importante local de atuação dos missionários americanos, que construíram não só igrejas, mas muitas escolas, universidades e hospitais como parte de seu esforço de evangelização. Acabaram criando fortes laços com elites locais, sobretudo cristãos (maronitas, ortodoxos, armênios etc) que viam nos EUA um aliado em reformas modernizadoras e como proteção aos impérios coloniais europeus. Isso ocorreu em especial no Egito e no Líbano. A Estátua da Liberdade havia sido pensada inicialmente como um símbolo das reformas egípcias, com auxílio dos técnicos e militares americanas. Foi nesse período que começou a tradição de usar judeus americanos como representantes diplomáticos no Oriente Médio, por supostas afinidades deles com a região. Os Estados Unidos também foram, desde o início, apoiadores importantes do movimento sionista.

O próprio termo “Oriente Médio” foi inventado pelo almirante americano Alfred Mahan, no fim do século XIX, para delimitar a área que vai do Marrocos até o Irã. Os europeus se referiam à região como “o Leste” ou “o Oriente”. Mas o conceito é elástico, hoje em dia é aplicado com frequência também ao Afeganistão e ao Paquistão, que no entanto não estão cobertos pelo livro de Oren.

Em todo caso, a destruição do Império Otomano após a I Guerra Mundial marcou a divisão da área pela Grã-Bretanha e pela França. Já comentei no blog sobre a decepção árabe com o presidente Woodrow Wilson, em particular no Egito, quando os nacionalistas descobriram que os princípios de autodeterminação dos povos não seriam aplicados fora da Europa. Na luta contra o Eixo, os americanos ocuparam Marrocos, Argélia e Líbia, mas em geral não foram saudados como libertadores, e sim tratados com cautela e desconfiança.



A descoberta das grandes reservas de petróleo e a recriação da Israel tem marcado a diplomacia americana no Oriente Médio desde a década de 1940, com o frequente envolvimento dos EUA nas ferozes disputas locais e traumas históricos como o golpe contra os nacionalistas do Irã, em 1953, a ocupação da embaixada americana em Teerã, na revolução islâmica de 1979, os atentados terroristas e sequestros contra os americanos no Líbano, na década de 1980, as duas guerras contra o Iraque e os conflitos sem fim que culminaram nos atentados de 11 de setembro de 2001.

Essa história está longe de terminar. E nada indica que ela ficará pacífica.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Até Paranóicos Têm Inimigos: a guerra contra Kadafi



Na imprensa internacional, a visita de Barack Obama ao Brasil foi posta de lado por conta do início da intervenção estrangeira na guerra civil da Líbia. Sem auxílio externo os rebeldes seriam derrotados, mas o ataque cria também problemas de difícil solução: é a terceira guerra simultânea de países ocidentais contra uma nação muçulmana, expõe as contradições dos EUA e da União Européia para o mundo árabe e reforça o discurso xenófobo dos ditadores que acusam as rebeliões democráticas de serem conspirações fomentadas do exterior.

O debate sobre a intervenção havia se concentrado na decretação de zona de exclusão aérea, mas a resolução aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU vai além disso e abarca a autorização de uso da força para proteger os civis líbios em qualquer circunstância. Isso significou rodada inicial de bombardeios tendo como alvo o setor de controle-comunicação-comando das Forças Armadas e o sistema de defesa antiaérea. Muitos inocentes serão prejudicados, com a decisão de atacar com mísseis de cruzeiro Tripoli, uma cidade de um milhão de habitantes e a destruição de infraestrutura que também serve à população civil, como aeroportos.

A abrangência dos ataques levou a uma fratura na coalizão de apoio à guerra, com a declaração da Liga Árabe de que havia solicitado apenas a zona de exclusão aérea. Embora os líderes regionais tenham abandonado Kadafi à própria sorte, tampouco querem ser envolvidos numa intervenção estrangeira tão violenta. A relutância também foi expressada pelas potências emergentes: Brasil, Índia, China e Rússia abstiveram-se na votação do Conselho de Segurança. É tradição brasileira não apoiar ações militares contra outros governos, mas apenas forças de paz para mediar conflitos. A companhia dos membros dos BRICs tornou essa posição mais confortável, o Brasil a manteve mesmo diante dos esforços de reaproximação com os Estados Unidos.

China e Rússia têm poder de veto no Conselho de Segurança e poderiam ter proibido a intervenção da ONU, mas optaram por jogar sobre os ocidentais o fardo de lidar com Kadafi, e sofrer o desgaste junto à opinião pública árabe. Embora o ditador líbio seja de longe o mais feroz na repressão às rebeliões democráticas, regimes autoritários na Arábia Saudita, Bahrein e Iêmen (todos importantes aliados americanos no Golfo Pérsico) também atacam com selvageria manifestantes que revindicam liberdade.

Um caso curioso é o do Líbano, que votou a favor da intervenção. Kadafi é um inimigo histórico dos xiitas libaneses, pois há 30 anos prendeu e matou seu principal líder religioso, o imã Musa Sadr, com quem disputava influência junto aos palestinos. Sadr rompeu com o domínio das famílias tradicionais de proprietários de terras xiitas e criou importantes movimentos desse grupo, como a milícia Amal. Após a invasão israelense do Líbano, já depois da morte de Sadr, dissidentes da Amal fundaram o Hezbolá, que hoje é a mais influente força política do país.

As Forças Armadas da Líbia são frágeis e tiveram dificuldades mesmo em intervenções em países como o Chade. É difícil imaginar que Kadafi tenha como se opor à ação militar do Ocidente. Os riscos são políticos, o de que tropas da ONU acabem arrastadas para um conflito terrestre, tendo que mediar entre as tribos líbias. Emaranhados étnicos semelhantes, no Congo, Líbano e Somália, acabaram mal.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Valsa com Bashir



Texto escrito com Bruno Borges.

Às vezes os melhores documentários são feitos de imagens falsas. “Valsa com Bashir”, animação do cineasta israelense Ari Folman é um mergulho nas relações entre história, memória e culpa, a partir da experiência do diretor no Exército de Israel, durante a trágica guerra entre esse país e o Líbano, em 1982. Folman propõe uma reflexão pessoal e coletiva sobre as responsabilidades nas atrocidades contra civis ocorridas no conflito, sobretudo o massacre nos campos de refugiados de Sabra e Shatila.

O filme começa com um amigo do cineasta-narrador o procurando para relatar um pesadelo recorrente, no qual é perseguido por dezenas de cachorros que matou numa aldeia libanesa. Ele então indaga ao diretor sobre seus próprios traumas de guerra e Folman responde que não lembra de nada. Mas naquele mesmo dia ele é assaltado por uma memória misteriosa, de três rapazes observando uma paisagem urbana devastada. Em busca do significado daquelas imagens, ele parte atrás de seus antigos colegas de Exército, e de psicológos especializados em estresse pós-traumático, em busca sobre o que ocorreu de fato no Líbano. O resultado é uma viagem dolorosa, mas de autodescoberta, que mudará a imagem que o cineasta tem de si mesmo.

O Contexto Histórico da Guerra



A invasão israelense do Líbano em junho de 1982 foi fruto de duas circunstâncias, uma interna e outra externa. A primeira delas foi uma progressiva radicalização da luta política libanesa entre cristãos maronitas (os falangistas) e os árabes liderados pela OLP de Yasser Arafat. Essa polarização – que refletia alinhamentos baseados também no contexto da Guerra Fria – deixou o Líbano refém de uma luta que transbordava suas fronteiras. A segunda circunstância foi o cálculo político do Primeiro-Ministro Menachem Begin e do então Ministro da Defesa israelense Ariel Sharon de que Israel poderia se beneficiar duplamente da situação no Líbano: ao apoiar os falangistas, Israel tentaria eliminar fisicamente a ameaça da OLP e ocupar o sul do Líbano, garantindo uma zona "tampão" contra qualquer ataque às suas cidades fronteiriças por forças remanescentes da OLP ou de uma atuação maior da Síria.

A ocupação tornou-se longa e custosa para Israel. O objetivo declarado, o fim dos terroristas, não se concretizou assim como a Síria passou a ocupar o vácuo político aberto pelo enfraquecimento da OLP. O que era vendido à opinião pública como uma guerra justa de proteção passou a envolver a presença de jovens soldados israelenses durante 18 anos em uma zona empobrecida e destruída pelos combates diários entre facções. A participação direta norte-americana no conflito a partir de 1983 ajudou a complicar ainda mais uma situação politicamente delicada. Durante esse período, os árabes libaneses passaram também por uma transformação importante: de "esquerdistas" seculares do início da OLP, os anos subseqüentes mostraram uma radicalização religiosa e de sua atuação tática.

A Desconstrução dos Mitos Heróicos



Os protagonistas de “Valsa com Bashir” são muito diferentes dos heróis dos filmes de guerra tradicionais. São rapazes bastante jovens, adolescentes em transição para a vida adulta. Assustados, pressionados pela sociedade e com frequência assombrados por memórias familiares do Holocausto, sentem que precisam fazer algo pelo país. Para alguns, vestir a farda e portar armas é a prova de fogo para suas dúvidas sobre masculinidade. À medida que se embrenham no Líbano, as fragilidades juvenis se manifestam em atos de covardia, em crueldades contra civis (por vezes praticadas por combinação de medo e imprudência) e na perplexidade diante de uma guerra estranha, cujas batalhas se dão em ruas residenciais, com moradores que observam o espetáculo da varanda – como na extraordinária sequência que dá título ao filme, na qual uma tropa israelense é encurralada por guerrilheiros da OLP.

A invasão do Líbano também diferiu bastante das guerras anteriores de Israel, em particular a dos Seis Dias (1967) e a do Yom Kippur (1973) – eventos que mobilizaram toda a sociedade e envolveram a própria sobrevivência do Estado. Os soldados de “Valsa com Bashir” viveram outra experiência, a de lutar num país estrangeiro, que embora vizinho, parece muito distante. Numa passagem, o narrador volta a Israel de folga e vê com surpresa que o cotidiano segue normalmente, sem que ninguém se dê conta dos sofrimentos e sacrifícios pelos quais ele e seus colegas passam no Líbano.

O Debate Contemporâneo em Israel e nos EUA

Apesar de envolvida em conflitos desde a fundação de seu Estado, sempre houve uma discussão política bastante aberta e vigorosa dentro da sociedade israelense sobre seus rumos e suas práticas. O Israel de hoje é cada vez mais complexo: uma sociedade com economia bastante desenvolvida e com população cada vez mais diversa, e o debate se torna cada vez mais individualista sobre o futuro.

Apesar da forte guinada para a direita nas últimas eleições, a controvérsia sobre o papel do uso da força em Israel é bem mais rico e plural do que é nos EUA, por exemplo. Apesar de possuírem uma voz e influência importantes para o debate interno de Israel, ouvir argumentos da esquerda isralense nos Estados Unidos seria praticamente um tabu. O lobby dos judeus norte-americanos tem sido criticado por especialistas por preconizar uma política externa agressiva no Oriente Médio, dificultando as relações de Washington com os países muçulmanos da região.