O Brasil foi o único país da América Latina a enviar tropas para combater na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, e na época tinha uma política externa de alinhamento com os Estados Unidos nas grandes questões de política internacional, em troca do apoio de Washington nos objetivos regionais sul-americanos. Durante o conflito militar o Brasil teve importância estratégica, com a instalação de bases militares dos EUA no Nordeste, fundamentais para a invasão do Norte da África, apoio logístico às cadeias de suprimento dos Aliados e fornecimento de matérias-primas inclusive na área nuclear. A expectativa da liderança política brasileira era exercer um papel de destaque na ordem pós-bélica e desde o início o país esteve muito engajado na formação da ONU e sua principal ambição tornou-se uma vaga como membro permanente no Conselho de Segurança.
Havia um descompasso entre esse objetivo e a frágil condição sócio-econômica de um país subdesenvolvido, rural, com metade das exportações dependendo de café e algodão. Havia também a contradição com os ideiais democráticos dos Aliados e a permanência do regime autoritário que Getúlio Vargas havia implementado em 1937, e que começava a ruir com as tensões oriundas da guerra. E os conflitos regonais, em particular com um Argentina mais rica e poderosa, que insistia na neutralidade e chocava-se constantemente com os Estados Unidos. Um diplomata britânico observou: “O Brasil não é de maneira alguma o representante da América Latina, mas sua vaidade e enfado são certamente de uma grande escala.”
Garcia mostra com clareza as disputas pelo poder dentro do Brasil. Vargas afastou seu habilidoso chanceler Osvaldo Aranha, que exerceu o cargo entre 1938-1944, mas que era visto como muito pró-democracia, e nomeia como interino um diplomata de carreira, Pedro Leão Velloso, mais conhecido por dar nome a um tipoo de sopa do que por sua perícia como negociador. Mas Vargas queria um chanceler fraco, que não lhe fizesse sombra, embora até amigos do presidente lhe chamassem a atenção para os defeitos de Velloso nas conferências que criaram a ONU (Dumbarton Oaks e São Francisco), notando sua falta de experiência em fóruns parlamentares. O New York Times ironizava sua pouca disposição a se pronunciar, afirmando que seu discurso mais longo teve 25 palavras.
O Brasil falhou, claro, em obter o assento permanente no Conselho de Segurança e também foi contra a introdução do poder de veto às grandes potências, mas aceitou-o como necessário para fechar o acordo. Contudo, os diplomatas brasileiros – em conjunto com os colegas latino-americanos – forma bem-sucedidos em introduzir na Carta da ONU princípios importantes de Direito Internacional, que estavam ausentes dos esboços originais. A revista Time considerou o documento “uma Carta escrita para um mundo de poder, temperada por um pouco de razão.”
A delegação brasileira também inovou em temas sociais e humanitários, sobretudo pela ação da cientista e pioneira do feminismo Bertha Lutz, que era parte do grupo. Chama a atenção, no entanto, a desconexão entre política externa e política de Defesa. Apesar das menções elogiosas à Força Expedicionária, os militares brasileiros estiveram pouco envolvidos nos debates internos sobre as posições do país da ONU.
“Convém que a nossa atitude de solidariedade com os Estados Unidos não desatenda à circunstância de sermos vizinhos imediatos e amigos da República Argentina”, observou Leão Velloso. De fato, o Brasil agiu com tato para evitar o isolamento de Buenos Aires e procurou mediar as divergências do que era então uma ditatura militar com o governo americano.
Vargas foi derrubado por um golpe pouco após a criação da ONU e achou que o Brasil perdeu com o resultado: “Fomos inteiramente esquecidos e recusados na partilha dos despojos”. Voltaria à presidência na década de 1950 com uma agenda mais nacionalista e crítica dos Estados Unidos, mas alguns dos problemas foram consequências de suas próprias decisões, como o afastamento de Aranha, que voltaria às Nações Unidas no governo Dutra e seria o 1º presidente de sua Assembléia Geral, dando ao Brasil o direito de abrir anualmente a reunião (conto um pouco dessa história em entrevista à Rádio da Câmara dos Deputados).