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segunda-feira, 14 de maio de 2012

O Brasil e a Criação da ONU

Eugênio Vargas Garcia é um diplomata que tem escrito importantes livros sobre a história da política externa brasileira, como “O Brasil e a Liga das Nações”. Seu recém-lançado “O Sexto Membro Permanente – o Brasil e a criação da ONU” preenche uma lacuna nos estudos sobre as relações internacionais do país e mostra como muitas das questões levantadas na década de 1940 continuam a orientar os debates sobre a participação brasileira nos fóruns multilaterais, sobretudo no contraste entre grandes expectativas e suas frustrações.

O Brasil foi o único país da América Latina a enviar tropas para combater na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, e na época tinha uma política externa de alinhamento com os Estados Unidos nas grandes questões de política internacional, em troca do apoio de Washington nos objetivos regionais sul-americanos. Durante o conflito militar o Brasil teve importância estratégica, com a instalação de bases militares dos EUA no Nordeste, fundamentais para a invasão do Norte da África, apoio logístico às cadeias de suprimento dos Aliados e fornecimento de matérias-primas inclusive na área nuclear. A expectativa da liderança política brasileira era exercer um papel de destaque na ordem pós-bélica e desde o início o país esteve muito engajado na formação da ONU e sua principal ambição tornou-se uma vaga como membro permanente no Conselho de Segurança.

Havia um descompasso entre esse objetivo e a frágil condição sócio-econômica de um país subdesenvolvido, rural, com metade das exportações dependendo de café e algodão. Havia também a contradição com os ideiais democráticos dos Aliados e a permanência do regime autoritário que Getúlio Vargas havia implementado em 1937, e que começava a ruir com as tensões oriundas da guerra. E os conflitos regonais, em particular com um Argentina mais rica e poderosa, que insistia na neutralidade e chocava-se constantemente com os Estados Unidos. Um diplomata britânico observou: “O Brasil não é de maneira alguma o representante da América Latina, mas sua vaidade e enfado são certamente de uma grande escala.”

Garcia mostra com clareza as disputas pelo poder dentro do Brasil. Vargas afastou seu habilidoso chanceler Osvaldo Aranha, que exerceu o cargo entre 1938-1944, mas que era visto como muito pró-democracia, e nomeia como interino um diplomata de carreira, Pedro Leão Velloso, mais conhecido por dar nome a um tipoo de sopa do que por sua perícia como negociador. Mas Vargas queria um chanceler fraco, que não lhe fizesse sombra, embora até amigos do presidente lhe chamassem a atenção para os defeitos de Velloso nas conferências que criaram a ONU (Dumbarton Oaks e São Francisco), notando sua falta de experiência em fóruns parlamentares. O New York Times ironizava sua pouca disposição a se pronunciar, afirmando que seu discurso mais longo teve 25 palavras.

O Brasil falhou, claro, em obter o assento permanente no Conselho de Segurança e também foi contra a introdução do poder de veto às grandes potências, mas aceitou-o como necessário para fechar o acordo. Contudo, os diplomatas brasileiros – em conjunto com os colegas latino-americanos – forma bem-sucedidos em introduzir na Carta da ONU princípios importantes de Direito Internacional, que estavam ausentes dos esboços originais. A revista Time considerou o documento “uma Carta escrita para um mundo de poder, temperada por um pouco de razão.”

A delegação brasileira também inovou em temas sociais e humanitários, sobretudo pela ação da cientista e pioneira do feminismo Bertha Lutz, que era parte do grupo. Chama a atenção, no entanto, a desconexão entre política externa e política de Defesa. Apesar das menções elogiosas à Força Expedicionária, os militares brasileiros estiveram pouco envolvidos nos debates internos sobre as posições do país da ONU.

“Convém que a nossa atitude de solidariedade com os Estados Unidos não desatenda à circunstância de sermos vizinhos imediatos e amigos da República Argentina”, observou Leão Velloso. De fato, o Brasil agiu com tato para evitar o isolamento de Buenos Aires e procurou mediar as divergências do que era então uma ditatura militar com o governo americano.

Vargas foi derrubado por um golpe pouco após a criação da ONU e achou que o Brasil perdeu com o resultado: “Fomos inteiramente esquecidos e recusados na partilha dos despojos”. Voltaria à presidência na década de 1950 com uma agenda mais nacionalista e crítica dos Estados Unidos, mas alguns dos problemas foram consequências de suas próprias decisões, como o afastamento de Aranha, que voltaria às Nações Unidas no governo Dutra e seria o 1º presidente de sua Assembléia Geral, dando ao Brasil o direito de abrir anualmente a reunião (conto um pouco dessa história em entrevista à Rádio da Câmara dos Deputados).

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O Conselho de Segurança e as Leis de Hama

No sábado o Conselho de Segurança da ONU votou proposta de resolução que condenava o governo sírio pela repressão à rebelião democrática e demandava a renúncia do presidente Bashar al-Assad. A iniciativa recebeu 13 votos favoráveis, mas foi vetada pela Rússia e pela China. Em entrevista à Globo News, afirmo que o resultado imediato será o aumento da violência contra os manifestantes, pois Damasco interpretará o impasse internacional como sinal verde para esmagar a revolta. A outra consequência é que agora a possibilidade de solução do conflito recai sobre Turquia, Liga Árabe e França, numa situação de tensão com a oposição cada vez mais armada.

Há duas explicações principais para a posição da Rússia e da China. A Síria é o último aliado russo no Oriente Médio, o que sobrou da antiga zona de influência soviética na região. Moscou não pode abandonar um amigo tão importante, ainda mais no contexto de sua própria rebelião democrática, com o primeiro-ministro Vladmir Putin disputando a presidência em março.

O segundo ponto é a disputa mais ampla por influência no Norte da África e Oriente Médio. Quando a Primavera Árabe começou, Rússia e China estavam satisfeitos em ver aliados ocidentais como Egito e Tunísia balançando. A Líbia mudou o jogo, em especial quando o mandado da ONU de intervenção para proteger os civis foi transformado no apoio da OTAN aos rebeldes na guerra civil contra Muhamar Kadafi. Moscou e Pequim temem a repetição dessas circunstâncias na Síria e a consolidação desses precedentes para outros países-chave, como o Irã. Há sugestões de mediação de mais nações emergentes, como Brasil, Índia e África do Sul.

A rebelião na Síria já dura 11 meses, mas nas últimas semanas ficou mais séria, porque finalmente os protestos haviam chegado à capital, Damasco. O governo respondeu com o aumento da repressão e, segundo desertores das Forças Armadas, com ordens de atirar a esmo nas multidões. O oficial mais graduado a fugir do país afirma que o Exército está à beira do colapso e só um terço dos homens está em condições de combater, fazendo com que o regime recorra sobretudo às milícias, em particular aquelas recrutadas entre os alauítas, grupo religioso minoritário que domina o governo.

Por uma coincidência macabra, o aumento da violência se deu em meio ao aniversário de 30 anos do massacre de Hama, no qual o presidente Hafez al-Assad (pai do atual mandatário, a imagem dos dois está na foto que abre o post) matou entre 10 mil e 20 mil rebeldes da Irmandade Muçulmana, no ato de maior brutalidade interna de um governo na história moderna do Oriente Médio. A repressão implacável garantiu estabilidade à sua presidência, que só acabou com sua morte em 1999, e sua substituição pelo filho – algo que nem Mubarak nem Kadafi conseguiram.

As Leis de Hama, como as chamou o jornalista Thomas Friedman, eram claras: opor-se ao governo tem preço, e altíssimo. O regime foi hábil em manter o apoio das elites econômicas do país, em Damasco e Aleppo, mas é nas províncias empobrecidas que a rebelião foi fomentada e deflagrada. As lições das revoltas na Tunísia e no Egito é que para derrubar pacificamente as ditaduras é necessário ocupar a capital, o caso da Líbia mostra que sem essa capacidade de mobilização política, o único modo é a guerra civil – com necessidade de auxílio estrangeiro para enfrentar o Estado, mais forte.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Sergio: os dilemas das intervenções da ONU



Na semana passada estive na UFF, a convite do centro acadêmico dos estudantes de Relações Internacionais, para debater o documentário “Sergio”, a respeito de Sergio Vieira de Mello, o brasileiro que mais se destacou na ONU, tendo servido como chefe do governo de transição em Timor Leste, Alto Comissário de Direitos Humanos e representante no Iraque, onde foi assassinado num atentado da Al-Qaeda, em 2003. O filme é uma boa adaptação da biografia escrita pela jornalista Samantha Power, ainda que eu avalie que ele se concentra excessivamente no último dia de vida do protagonista e pouco aborde seus anos cruciais nas missões de paz da antiga Iugoslávia. Centrei minha palestra em como sua trajetória representa os dilemas das intervenções militares humanitárias após a Guerra Fria.

Vieira de Mello ingressou na ONU em 1969, recém-formado em Filosofia pela Sorbonne, e passou toda a vida profissional na organização. Filho de diplomata, havia morado em vários países, sobretudo na Europa. Era parte da geração rebelde dos anos 60 e na França tinha participado intensamente dos protestos de maio de 1968, chegando até a ser preso e espancado pela polícia. Militava na extrema-esquerda e tinha opiniões fortemente contrárias ao colonialismo e às intervenções militares do Ocidente em Estados como o Vietnã. Nas suas primeiras duas décadas nas Nações Unidas, trabalhou sobretudo com a distribuição de ajuda humanitária a refugiados na Ásia e na África.

A partir dos anos finais da Guerra Fria, as missões de paz da ONU se multiplicaram em número e aprofundaram seu escopo. Deixaram de ser concentradas na manutenção de cessar-fogo entre Exércitos hostis e passaram a abranger tarefas cada vez mais intervencionistas, como a “imposição da paz” a grupos armados que não haviam aceitado um acordo, organização de ministérios, condução de políticas públicas e até a construção de Estados soberanos no Kosovo e no Timor Leste. Vieira de Mello foi um ator importante em várias dessas operações, tendo inclusive chefiado algumas.



Meu argumento é que tais mudanças foram mais problemáticas do que em geral consideramos, porque significam contradição de princípios fundadores da ONU, como a neutralidade e a imparcialidade. Como afirmei em entrevista recente, a organização é encarada por grupos como radicais islâmicos (mas não só por eles) como uma maneira encobrir interesses das potências ocidentais, ocultando disputas por recursos naturais sob o manto da defesa dos direitos humanos e da democracia. Países como o Brasil tem sido bastante refratários às doutrinas mais intervencionistas das Nações Unidas, como a “responsabilidade em proteger”.

Contudo, muitas pessoas acreditam que a ONU pode e deve ter papel mais ativo nos conflitos internacionais, intervindo em países que violam os direitos humanos de sua população e forçando-os – por meio de sanções econômicas ou força militar – a mudar de atitude. O próprio Vieira de Mello passou a defender essa postura, após suas decepções com o modelo clássico das operações de paz das Nações Unidas. Argumentei que tal posição com freqüência subestima o quanto o poder é coercitivo e agressivo, mesmo quando aplicado com as melhores intenções, e pode gerar resultados contrários aos esperados. Citei o poeta britânico P.B. Shelley: “Os bons querem poder, mas para enxugar lágrimas inúteis. / Os poderosos querem bondade: inútil para eles.”

Tais contradições da ONU e das intervenções humanitárias foram elevadas ao máximo com a decisão da organização em instalar-se no Iraque após a invasão dos Estados Unidos. A idéia era aproveitar ao máximo a possibilidade de ocupar algum espaço depois do fato consumado da guerra não-autorizada pelo Conselho de Segurança. Não era difícil prever que muitos grupos a considerariam como simplesmente um braço auxiliar dos americanos no país e a Al-Qaeda a atacou com força – o atentado que matou Vieira de Mello foi o pior contra a instituição, às vezes chamado de “o 11 de Setembro da ONU”. Mas não foi o último, como mostram os ataques no Afeganistão e Nigéria.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O Discurso de Dilma



O político e diplomata brasileiro Osvaldo Aranha foi o primeiro presidente da Assembléia Geral da ONU e por conta disso, o representante do Brasil (presidente, chanceler, embaixador) sempre abre as deliberações desse órgão, com a tradição de que seu discurso seja uma análise panorâmica da situação mundial. Ocasionalmente primorosa, como no célebre “discurso dos 3Ds” (Desarmamento, Descolonização, Desenvolvimento) do embaixador Araújo Castro, em 1963. Com Dilma Rousseff, pela primeira vez a Assembléia Geral foi iniciada por uma mulher. O cerne da fala da presidente foi a necessidade de mais esforços multilaterais para superar a crise econômica global.

A ênfase no multilateralismo, na igualdade entre os Estados e nos direitos dos pequenos países tem sido pilar da política externa brasileira desde o início do século XX e o discurso de Dilma reforçou esta linha, centrando no enfrentamento da crise econômica mundial e ressaltando o dinamismo brasileiro como mercado emergente, fazendo o constraste entre o aumento do desemprego na Europa e nos EUA e sua redução no Brasil.

Dilma preconizou a ONU – e não o FMI ou o Banco Mundial, onde os votos são baseados em cotas de contribuições financeiras – como fórum para debates sobre a crise econômica, defendendo a criação de mecanismos de verificação mútua para políticas fiscais, monetárias e cambiais e negociações sobre as dívidas soberanas. Reforçou as críticas brasileiras às “guerras do câmbio” e ao protecionismo (embora o Brasil tenha adotado medidas assim, como o aumento de impostos a carros importados da Ásia), bem como a demanda por reformas da instituições internacionais, para torná-las mais representativas aos emergentes.

Questões de paz e segurança também foram abordadas pela presidente, sobretudo no caso da Primavera Árabe. Dilma afirmou que a liberdade é um ideal universal e que o Brasil “repudia veemente” as repressões dos governos autoritários contra os civis, mas também criticou o uso da força e frisou que as soluções devem ser buscadas pelas populações locais. Condenou as doutrinas em voga na OTAN ao destacar que além de falar em “responsibilidade de proteger” (R2P) é preciso tratar da “responsabilidade ao proteger”, isto é, como são executadas as chamadas intervenções humanitárias. E defendeu, uma vez mais, a reforma no Conselho de Segurança da ONU.

Um dos momentos mais aplaudidos do discurso foi seu anúncio ao apoio ao reconhecimento do Estado palestino pela ONU – o governo brasileiro já o reconhece há pouco menos de um ano. Frisou a tradição de convivência pacífica entre árabes e judeus no Brasil e frisou a legitimidade do pleito de todos esses povos em viver em paz no Oriente Médio.

A visita de Dilma a Nova York se deu em meio a grande destaque da imprensa internacional, com a presidente sendo nomeada semanas atrás pela Forbes a 3ª mulher mais poderosa do mundo (atrás apenas de Angela Merkel e Hilary Clinton), capa da revista Newsweek, em uma reportagem elogiosa, e lançando junto com Barack Obama uma iniciativa em defesa de governos abertos e transparentes – mesmo que o Senado brasileiro – leia-se Sarney e Collor - retarde a aprovação da Lei de Acesso a Informação.

Em suma, a presidente está em bom momento internacional, mas convém não esquecer que os problemas e contradições de seus aliados no governo representam obstáculos para que o país alcance os objetivos ambiciosos de sua política externa.

Pós-Escrito: duas entrevistas em que analiso o discurso da presidente:

- Rádio da Câmara dos Deputados: Dilma e a tradição diplomática do Brasil.

- Jornal Correio Braziliense: Um discurso contundente.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A ONU e o Estado Palestino



Na próxima semana a Assembléia Geral da ONU se reúne em Nova York e o tema mais importante em discussão será o reconhecimento do Estado palestino. O assunto foi colocado em pauta pela Autoridade Palestina, que busca uma vitória diplomática pela qual possa compensar ao menos em parte as muitas derrotas da última década, em particular a expansão dos assentamentos de Israel em Jerusalém Oriental e na Cisjordânia, o bloqueio a Gaza e a guerra civil contra o Hamas. Dessa nova posição de força, seriam retomadas negociações de paz.

Para ser reconhecida plenamente como Estado, a Palestina precisaria da aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Isso não acontecerá, porque os Estados Unidos já anunciaram que usariam seu poder de veto. Washington afirma que a questão tem que ser acordada bilateralmente entre os governos israelense e palestino.

Contudo, a Palestina pode obter da Assembléia Geral uma resolução que a reconheça como “Estado observador”, mesma categoria da qual desfruta hoje o Vaticano, e que no passado foi o primeiro passo de países como a República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental) e Suíça para ingressar plenamente na ONU. Para isso, os palestinos precisam de dois terços dos votos, ou seja, 129 países. Há boa possibilidade de que consigam esse apoio, porque 116 nações (incluindo China, Rússia e Brasil) já reconhecem a Palestina como Estado. No campo opositor, Estados Unidos e Israel pressionam, e a União Européia está dividida, com França a favor e Alemanha contra.



Em 1947, a ONU havia determinado que a Palestina fosse dividida em dois Estados, um para os judeus, e outro para os árabes. Este nunca foi criado, porque seu território foi ocupado pela Jordânia e pelo Egito, e posteriormente por Israel. Ao longo de seis décadas de guerras e conflitos violentos, os palestinos perderam cada vez mais espaço (mapa acima). A proposta atual é que seu Estado seja reconhecido pelas fronteiras imediatamente anteriores à guerra de 1967, o que inclui Jerusalém Oriental, mas é um território menor que o previsto inicialmente pela ONU, pois aquele traçado é considerado interiramente insustentável do ponto de vista da segurança israelense.

O principal objetivo dos palestinos na ONU é a vitória simbólica, mostrar aos olhos da opinião pública internacional a legitmidade de sua causa nacionalista. Mas o reconhecimento na Assembléia Geral teria repercussões práticas importantes, sobretudo a possibilidade de integrar agências especializadas das Nações Unidas e, eventualmente, até processar políticos e militares israelenses no Tribunal Penal Internacional, por crimes de guerra.

Israel tem ameaçado com retaliações duras, como retirar-se dos acordos de Oslo e cancelar o controle territorial exercido pela Autoridade Palestina, mas não é provável que isso aconteça. Os desdobramentos da Primavera Árabe tem sido preocupantes para o governo isralense, com graves tensões diplomáticas com Egito e Turquia, anteriormente parceiros próximos e a enorme instabilidade na vizinha Síria. Além disso, Israel passa pelas maiores manifestações populares em décadas, com protestos de 400 mil pessoas contra a situação econômica. Não é o quadro propício para iniciar nova guerra na região.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O Haiti e a Retirada da Minustah



Na última quinzena, foi divulgado um vídeo no qual soldados uruguaios das tropas de paz da ONU no Haiti aparecem abusando sexualmente de um rapaz no país. Houve manifestações criticando os militares estrangeiros e o novo presidente haitiano, Michel Martelly, reforçou seu pleito para que o Exército nacional seja recriado e o governo do Haiti volte a assumir a responsabilidade pela segurança do país. E o novo ministro da Defesa do Brasil, Celso Amorim, propôs e seus homólogos sul-americanos que chegou a hora da estabelecer o cronograma de retirada da missão. Após sete anos de presença das forças das Nações Unidas no país, já ocorreram duas eleições presidenciais democráticas. Contudo, os desafios com relação ao desenvolvimento e ao crime continuam enormes, em grande medida em função do terrível terremoto de 2010.

O país é o mais pobre das Américas e sua história política tem sido marcada por forte instabilidade e pelo predomínio dos regimes autoritários e intervenções estrangeiras. A Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), iniciada em 2004, é apenas a mais recente de uma série de tentativas da ONU em lidar com os problemas daquela nação. Tem sido a mais bem-sucedida: além do reestabelecimento das eleições, a economia voltou a crescer (em média 2,5% ao ano) e a segurança foi garantida a nível suficiente para a ação das organizações humanitárias, com a relativa pacificação das grandes favelas da capital Porto Príncipe, como a Cité Soleil.



O Brasil lidera o componente militar da missão. A Minustah foi analisada pela imprensa brasileira sobretudo pelo prisma da segurança pública, uma vez que as ações das Forças Armadas no Haiti serviram de prelúdio para operações semelhantes nas favelas do Rio de Janeiro. Esse enfoque praticamente excluiu o debate sobre os temas relacionados à promoção do desenvolvimento e ao novo papel do Brasil como doador internacional.

O Haiti foi importante para o trabalho conjunto de órgãos públicos e de ONGs brasileiras em temas de cooperação - como as atividades do Viva Rio no desarmamento, da Action Aid Brasil no combate a epidemias e da Pastoral da Criança. Também foi fundamental para a ação coordenada dos militares sul-americanos, que somam cerca de 45% dos efetivos da missão, e para o uso criativo do esporte como instrumento de construção de confiança junto à população local.

Outros pontos merecem análise mais aprofundada, por conta de erros que podem ser corrigidos em futuras operações de paz. Houve dificuldades na transparência e prestação de contas nas denúncias de violações de direitos humanos por parte de militares da Minustah. Os projetos de desenvolvimento tem se restringido a intervenções pontuais para resolver problemas localizados, sem a formulação de uma abordagem ampla que reconstruísse o Estado haitiano.

Muito se perdeu com o terremoto de 2010, que causou prejuízos superiores ao PIB do Haiti, destruiu quase todos os prédios do governo e matou a maior quantidade de militares brasileiros desde a Segunda Guerra Mundial. Mesmo as missões de paz trazem riscos de morte e faltou um debate sólido no Brasil sobre os objetivos e interesses do país na Minustah em operações semelhantes.A questão agora é discutir o ritmo adequado da saída da missão de paz, a reconstrução da autoridade militar do Haiti e evitar os erros comettidos no Timor Leste, onde uma retirada prematura das tropas da ONU resultou na retomada da violência inter-étnica.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Copenhague



Tenho um interesse crescente por temas ambientais, em particular aqueles ligados à mudança do clima. “Copenhague –antes e depois”, do jornalista e cientista político Sérgio Abranches, é uma excelente análise da 15ª conferência da ONU a respeito do tema (COP15), que ocorreu em dezembro de 2009, das controvérsias que a cercaram e da difícil transição nas posições brasileiras e dos bastidores diplomáticos do encontro.

Copenhague foi precedida por duas polêmicas. Uma foi a divulgação, por um hacker, de emails roubados a cientistas. A disseminação sensacionalista do material dava a entender que os pesquisadores haviam mentido para exagerar os impactos da mudança climática, mas ao fim, tudo não passou de manipulação de interesses contrários às restrições que a ONU tenta impor aos poluidores. A segunda foi uma misteriosa negociação em Cingapura, envolvendo China, Estados Unidos e o inepto primeiro-ministro da Dinamarca, Lars Rasmussen, que na ânsia por mediar as disputas lançou suspeitas de que teria fechado um acordo secreto, antecipado.

Não era o caso, mas a COP15 já começou em meio a desconfianças. O cerne é a recusa dos maiores emissores de carbono – China, EUA, Índia e Brasil – em aceitar compromissos obrigatórios em reduzir sua poluição, a exemplo que União Européia e Japão aceitaram com o Protocolo de Quioto. Os países em desenvolvimento querem financiamento e transferência de tecnologia para adaptarem-se às mudanças do clima e aceitam, quando muito, metas voluntárias. As nações africanas e os Estados-Ilha são os mais mobilizados, por sofrerem de modo mais intenso os efeitos das transformações climáticas. Esses impasses não foram superados, nem em Copenhague, nem na COP16, em Cancún, um ano depois.



O Brasil teve a maior delegação da COP15 – espantosas 900 pessoas, entre funcionários federais, estaduais e empresários. Abranches critica bastante as atitudes do governo brasileiro, em especial a postura de Dilma Rousseff, chefe da delegação, que era então ministra da Casa Civil e pré-candidata à presidência. O autor narra vários episódios em que ela agiu de forma arrogante,com pouco conhecimento da complexidade técnica dos temas debatidos, e de como estava mais preocupada com a disputa eleitoral com seus rivais José Serra e Marina Silva, também presentes à COP15.

Contudo, o Brasil teve papel importante na conferência, sobretudo quando o presidente Lula participou para intermediar negociações com China, EUA, Índia e África do Sul. Os chefes de governo saíram antes do fim da COP15, mas ao menos pavimentaram o caminho para o que ficou conhecido como “acordo político”. Não foi um tratado diplomático para substituir o Protocolo de Quioto (que expira em 2012) mas basicamente manteve o compromisso em discutir. Com o tempo, vários países aderiram ao acordo, num resultado melhor do que poderia se esperar na Dinamarca.

Abranches analisa em detalhes a péssima organização da COP15 e as diversas gafes políticas cometidas pelo governo da Dinamarca, mas o bônus saboroso de seu livro é o exame da nova geração de ONGs (mais globais e muito capacitadas tecnicamente) e dos impactos das tecnologias de web 2.0, como blogs e twitter, para a cobertura de tais eventos. Muita coisa boa tem saído daí é bom ficar de olho no que essa turma tem produzido.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

A Campanha Permanente



Nosso país
sempre teve interferência
nas grandes conferências
da paz universal
É o gigante
Da América Latina
Uruguai e Paraguai
Bolívia, Chile e Argentina

“Conferência de São Francisco”, samba enredo da Prazer da Serrinha, carnaval carioca de 1946

Campanha Permanente: o Brasil e a reforma do Conselho de Segurança da ONU”, do diplomata João Augusto Costa Vargas, organiza e sistematiza em livro os argumentos do Itamaraty em defesa do papel de maior destaque que o governo brasileiro almeja ter na instituição. Como o tema ganhou enorme projeção na política externa, é uma leitura importante para entender decisões recentes da chancelaria.

O pleito brasileiro precede a criação da ONU. Na antiga Liga das Nações (1919-1945), o Brasil sonhava com um lugar no conselho permanente, que refletia as ambições multilaterais crescentes do país após a participação na Segunda Conferência da Haia e nas negociações do Tratado de Versalhes. Era um desejo fora de sintonia com o poder nacional à época, e as constantes rebeliões militares da década de 1920 tornaram o governo do presidente Arthur Bernades ávido por sucessos externos. Ao ver barrada sua pretensão na Liga, o Brasil retirou-se da instituição.

A participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, a aliança com os Estados Unidos, e a crise da Argentina naquele período fizeram o governo brasileiro acreditar que teriam vaga permanente no Conselho de Segurança quando a ONU foi criada. Isso não ocorreu, entre outras razões porque Stálin acreditava que o Brasil sempre votaria com os EUA.

Nas primeiras duas décadas das Nações Unidas o governo brasileiro foi bastante ativo no Conselho. Mas entre 1968-1988 o Brasil optou por ficar de fora da instituição, desgostoso com sua paralisia diante das principais crises da Guerra Fria e temendo o desgaste que poderia vir por ter que tomar posições em temas polêmicos, como os que envolviam o império português na África. O jogo mudou no pós-Guerra Fria, quando o Conselho de Segurança assumiu papel mais ativo em missões de paz (mais numerosas e de maior escopo) e em novos temas como combate ao terrorismo, enfrentamento da AIDS, adpatação às mudanças climáticas e até como lidar com problemas sociais de mulheres e de crianças.



Vargas argumenta que a principal motivação do Brasil na “campanha permanente” é obter influência mais profunda sobre o gerenciamento da nova ordem internacional, e que a busca de prestígio é uma razão secundária. Ele classifica os pontos mais importantes do discurso brasileiro em quatro itens: 1) reformar o Conselho é vital para legitimá-lo diante da comunidade internacional, tornando-o representativo das novas potências emergentes; 2) Para o público doméstico brasileiro, a estratégia é convencer a opinião pública de que estar no Conselho favorece os interesses nacionais, por meio da definição da agenda de segurança global 3)o Brasil precisa integrar a instituição por conta de suas credenciais de poder, de confiabilidade e tradição diplomática de resolução pacífica de conflitos; 4) o Brasil no Conselho fortaleceria a América Latina na ONU.

O Conselho tem cinco membros permanentes, com direito a veto: EUA, Reino Unido, França, China e Rússia. Em 1965, o número de integrantes não-permanentes, que exercem mandatos de dois anos, foi ampliado de seis para dez, por pressão do bloco afro-asiático, que crescia em meio à descolonização. Em 1971 Taiwan foi substituída pelo governo comunista como legítimo representante da China. Em 1991, a Rússia herdou o posto que pertenceu à extinta URSS. Essas foram as reformas que ocorreram no Conselho desde sua criação em 1945.

Nos últimos 20 anos houve uma série de iniciativas para mudar a instituição (proposta Razali, Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudanças, G-4, Consenso de Ezulwini). O Brasil alinhou-se com Alemanha, Índia e Japão no G-4, defendendo em 2005 a criação de dez novas vagas, sendo quatro em caráter permanente, sem direito a veto nos primeiros 15 anos – depois haveria uma conferência para discutir o assunto. Os principais obstáculos à reforma estão nas rivalidades regionais (por exemplo, a recusa da China em admitir Japão e Índia), mas também há desentendimentos entre os emergentes - a África quer a ampliação com direito a veto para os novos membros.

Eventual mudança no Conselho irá demorar a ocorrer e os debates sobre a política externa brasileira para a ONU ainda são muito frágeis. Além de discutir as chances do Brasil, é preciso examinar as propostas e interesses do país no órgão, e a visão de como a atuação no Conselho de Segurança se relaciona com os esforços brasileiros em outras instâncias das Nações Unidas, como a Assembléia Geral, os Conselhos de Direitos Humanos (Genebra) e Econômico e Social (Nova York) e programas e agências como a FAO, cuja diretoria-geral é disputada por um candidato nacional. O livro de Vargas é ótimo início para a conversa.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Até Paranóicos Têm Inimigos: a guerra contra Kadafi



Na imprensa internacional, a visita de Barack Obama ao Brasil foi posta de lado por conta do início da intervenção estrangeira na guerra civil da Líbia. Sem auxílio externo os rebeldes seriam derrotados, mas o ataque cria também problemas de difícil solução: é a terceira guerra simultânea de países ocidentais contra uma nação muçulmana, expõe as contradições dos EUA e da União Européia para o mundo árabe e reforça o discurso xenófobo dos ditadores que acusam as rebeliões democráticas de serem conspirações fomentadas do exterior.

O debate sobre a intervenção havia se concentrado na decretação de zona de exclusão aérea, mas a resolução aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU vai além disso e abarca a autorização de uso da força para proteger os civis líbios em qualquer circunstância. Isso significou rodada inicial de bombardeios tendo como alvo o setor de controle-comunicação-comando das Forças Armadas e o sistema de defesa antiaérea. Muitos inocentes serão prejudicados, com a decisão de atacar com mísseis de cruzeiro Tripoli, uma cidade de um milhão de habitantes e a destruição de infraestrutura que também serve à população civil, como aeroportos.

A abrangência dos ataques levou a uma fratura na coalizão de apoio à guerra, com a declaração da Liga Árabe de que havia solicitado apenas a zona de exclusão aérea. Embora os líderes regionais tenham abandonado Kadafi à própria sorte, tampouco querem ser envolvidos numa intervenção estrangeira tão violenta. A relutância também foi expressada pelas potências emergentes: Brasil, Índia, China e Rússia abstiveram-se na votação do Conselho de Segurança. É tradição brasileira não apoiar ações militares contra outros governos, mas apenas forças de paz para mediar conflitos. A companhia dos membros dos BRICs tornou essa posição mais confortável, o Brasil a manteve mesmo diante dos esforços de reaproximação com os Estados Unidos.

China e Rússia têm poder de veto no Conselho de Segurança e poderiam ter proibido a intervenção da ONU, mas optaram por jogar sobre os ocidentais o fardo de lidar com Kadafi, e sofrer o desgaste junto à opinião pública árabe. Embora o ditador líbio seja de longe o mais feroz na repressão às rebeliões democráticas, regimes autoritários na Arábia Saudita, Bahrein e Iêmen (todos importantes aliados americanos no Golfo Pérsico) também atacam com selvageria manifestantes que revindicam liberdade.

Um caso curioso é o do Líbano, que votou a favor da intervenção. Kadafi é um inimigo histórico dos xiitas libaneses, pois há 30 anos prendeu e matou seu principal líder religioso, o imã Musa Sadr, com quem disputava influência junto aos palestinos. Sadr rompeu com o domínio das famílias tradicionais de proprietários de terras xiitas e criou importantes movimentos desse grupo, como a milícia Amal. Após a invasão israelense do Líbano, já depois da morte de Sadr, dissidentes da Amal fundaram o Hezbolá, que hoje é a mais influente força política do país.

As Forças Armadas da Líbia são frágeis e tiveram dificuldades mesmo em intervenções em países como o Chade. É difícil imaginar que Kadafi tenha como se opor à ação militar do Ocidente. Os riscos são políticos, o de que tropas da ONU acabem arrastadas para um conflito terrestre, tendo que mediar entre as tribos líbias. Emaranhados étnicos semelhantes, no Congo, Líbano e Somália, acabaram mal.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O Brasil em Copenhage



A Conferência foi um fiasco, uma decepção mesmo para os que tínhamos poucas expectativas. Mas o Brasil se saiu bastante bem, atuando de maneira construtiva. Duas constatações: o Meio Ambiente ganha força na agenda política brasileira (doméstica e externamente) e a diplomacia do país brilha quando encampa teses de direitos humanos.

Começando pelo primeiro ponto: a delegação brasileira foi encabeçada pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, o que mostra a importância política de Copenhague. Tradicionalmente, em fóruns desse tipo, tal posto cabe ao ministro do Meio Ambiente. O titular brasileiro da pasta, estava lá, mas em geral foi desautorizado e corrigido por Dilma.
A ministra tem pouca familiaridade com o tema e em geral o tratou de forma hostil, como nos diversos conflitos que opuseram o Ibama e a Casa Civil por exigências ambientais que retardaram obras do PAC. Caso da preocupação com a biodiversidade no Rio Mandeira, atrasando a contrução das usinas na área, e da espécie rara de perereca colocada em risco pelo arco rodoviário no Rio de Janeiro.

A conversão de Dilma se explica em função da candidatura da senadora Marina Silva, a líder ambientalista mais respeitada do Brasil, cujo período como ministra do Meio Ambiente do governo Lula foi um acúmulo de decepeções e frustrações. Ironicamente, ela tem mais influência sobre a política pública na oposição, fazendo seus colegas se esforçarem para provar seu compromisso com o assunto. Como coerência política não se improvisa, o resultado foram diversas gafes de Dilma, em particular aquela em que chamou o Meio Ambiente de “ameaça ao desenvolvimento sustentável”. Veja o vídeo, abaixo:



Dois dos pré-candidatos da oposição também estiveram presentes. Marina e o governador de São Paulo, José Serra. Naturalmente, aproveitaram a ocasião para criticar o governo e apontar as contradições da posição brasileira. Um exemplo, levantado por Marina, foi a recusa do Brasil em contribuir com o fundo que ajudará os países mais pobres do mundo a combater o aquecimento global. Era boa ocasião para que o governo brasileiro assumisse a liderança nesse ponto importante e construísse pontes para envolver de modo mais intenso os as nações mais frágeis. Lula sinalizou que isso poderia ocorrer, Dilma disse que não. Mais um exemplo da falta de coordenação entre as principais autoridades do país.

Apesar dos problemas, Lula saiu-se muito bem, foi aplaudido na Conferência e bastante elogiado pela imprensa internacional, que ressaltou seu domínio do tema e capacidade de síntese das principais questões em discussão na Conferência. Como destaques negativos, a incapacidade dos Estados Unidos e da China em chegarem a consensos mínimos para avançar a agenda, e o papel patético desempenhado pelos anfitriões dinamarqueses, que num dado momento chegaram a tentar negociar um acordo às escondidas dos EUA.

Os maiores desafios para o Brasil na questão do Meio Ambiente não virão do plano externo, mas da política doméstica. Em particular, os obstáculos colocados pela bancada ruralista no Congresso, já que muito do desmatamento no país vem da pecuária.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Copenhage



A Conferência de Copenhage sobre Mudança do Clima prossegue até o dia 18, mas as linhas de batalha já estão demarcadas de forma clara: os países desenvolvidos querem que as nações em desenvolvimento arquem com parte do fardo para reduzir as emissões de gás carbônico, mas estas aceitam apenas adotar compromissos voluntários, que não sejam vinculados a um tratado internacional, e querem que os Estados ricos paguem a conta. Há poucas possibilidades de que se consiga um acordo abrangente, em grande medida devido às restrições da crise internacional, mas também pela relutância dos dois principais poluidores, China e EUA.

O principal referencial diplomático é o Protocolo de Quioto, adotado em 1992, que expira em 2012. Ele estabeleceu o princípio de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Ou seja: os dois grupos reconhecem o dever de agir para combater a mudança climática, mas apenas as nações ricas adotaram metas obrigatórias. E nem todas: os Estados Unidos permanecem de fora, e não está claro se haverá mudanças signicativas vindas de Washington. Em abril deste ano, o governo Obama declarou as emissões de gás carbônico um “risco para a saúde”, o que aponta para medidas mais duras para combater o problema. Contudo, o plano que apresentou ao Congresso é muito modesto e prevê diminuição de apenas 5%, se tomamos por base os dados da década de 1990. Muito aquém do necessário.

Há polêmicas entre os cientistas sobre a extensão dos compromissos que o problema exige, mas as estimativas mais comuns oscilam entre 25% e 40% de redução até 2020. Se isso não ocorrer, as temperaturas podem aumentar entre 1 e 6 graus C nas próximas décadas. A escala da divergência é grande, mas mesmo expectativas moderadas significam dificuldades monumentais para adaptar países às novas condições ambientais.

As nações em desenvolvimento, em particular os BRICs, adotaram posturas bem mais flexíveis do que em épocas anteriores. China, Índia e Brasil aceitam reduções em torno de 40%, embora recusem compromisos legais e demandem transferência de tecnologia limpa e auxílio financeiro. O Brasil acena com promessas de combater o desmatamento na Amazônia e com o desenvolvimento dos biocombustíveis, apesar de comentaristas céticos observarem que a exploração do pré-sal continua a amarrar a economia brasileira à energia fóssil. A Rússia é um caso curioso: o colapso do Estado soviético reduziu muito as emissões de carbono do país, de modo que Moscou está ironicamente bastante à frente do que foi acordado na ONU, e agora quer compensações por isso.

Outro tema polêmico é quanto custará adaptar a economia global para combater as emissões de gás carbônico. A União Européia apresentou o pacote mais ambicioso, cerca de US$150 bilhões por ano, mas certas estimativas apontam que seria necessário quatro vezes mais do que isso. Num cenário de crise generalizada, é claro que mesmo que seja negociada alguma quantia, ela será bem menos do que isso.

Boa sorte para os delegados em Copenhage, e para todos nós que vivemos neste planeta. Precisamos.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

A ONU e a Responsabilidade de Proteger



Um amigo funcionário da ONU certa vez me contou como acompanhou o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, numa reunião com o então secretário-geral Kofi Annan. Chávez passou uma hora se queixando do processo de reforma das Nações Unidas, alegando que era pouco transparente e não representava as demandas dos países em desenvolvimento. Após infrutífero debate, Annan se irritou e disse ao presidente que, se ele discordava dos rumos da reforma, deveria pedir um voto contrário na Assembléia Geral: “Sabe quem acompanhará o senhor? Cuba, Irã e Coréia do Norte”. Diante da perspectiva, Chávez desistiu da idéia, mas meu amigo julgava que ele teria apoio amplo, sobretudo se moderasse seu discurso, porque havia muita insatisfação por como os países ricos conduziam a organização. Lembrei da anedota nestes dias, em função da polêmica envolvendo a “Responsabilidade de Proteger” (R2P no jargão).

Pequeno contexto: desde que a Guerra Fria terminou, houve significativo avanço dos direitos humanos nos fóruns multilaterais, por meio das conferências sociais da ONU e da criação do Tribunal Penal Internacional. Esses instrumentos não impediram as tragédias humanitárias das décadas de 1990/2000 – os genocídios nos Bálcãs e na África, a guerra no Congo – mas pelo menos estabeleceram quadro normativo que ajudou a lidar com as crises, e em alguns casos (Libéria, Serra Leoa, Kosovo, Bósnia) auxiliou na punição de culpados e na estabilização pós-conflito.

Em 2005 a ONU adotou a R2P a partir de grupos de pressão que queriam intervenções internacionais para deter governos que cometessem atrocidades contra suas próprias populações. A idéia não é nova: surgiu das experiências traumáticas do Holocausto nazista na Segunda Guerra Mundial, e se consolidou desde 1945 com uma série de transformações que levaram os indivíduos a se tornarem sujeitos do direito internacional, com uma série de garantias frente a seus próprios Estados.



Nesse sentido, a R2P refletia a conjuntura mais intervencionista do pós-Guerra Fria, quando os principais violadores não eram mais grandes potências como a Alemanha, mas Estados frágeis como Sudão ou Ruanda. Contudo, o conceito sempre foi polêmico. Países em desenvolvimento o encaravam com desconfiança, temendo que fosse manipulado em detrimento de seus interesses, como ferramenta de domínio neocolonial. Preocupações agravadas pelo uso da R2P por líderes como Tony Blair, em justificativa à invasão do Iraque.

Agora a R2P está sob ataque por coalizão basicamente formada pela União Africana e pelos países da ALBA. O presidente da Assembléia Geral da ONU é o padre nicaragüense Miguel d´Escotto, ex-chanceler da Revolução Sandinista. Ele organizou um seminário com duras críticas ao R2P que causou mal-estar nas Nações Unidas, em particular porque ocorreu poucos dias antes do tema ser debatido na Assembléia, e quase simultaneamente à cúpula de líderes africanos que atacou o trabalho do Tribunal Penal Internacional, sugerindo que as nações do continente poderiam se retirar dele.

A ofensiva contra o Tribunal em parte se deve a uma série de erros de seu presidente, o advogado argentino Luis Ocampo, mas reflete o pavor de diversos ditadores de terem o mesmo destino que o atual presidente do Sudão, Omar Bashir, que foi indiciado por crimes contra a humanidade, ou do ex-tirano da Libéria, Charles Taylor, que está em julgamento. Além do medo da cadeia, há preocupações legítimas de que o Tribunal adota posições rígidas, que dificultam a negociação de acordos de paz – que, com freqüência, implicam a concessão de anistias totais ou parciais para culpados de violações de direitos humanos.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Vida e Época de Raúl Prebisch



Meu amigo Rogério me emprestou o excelente “The Life and Times of Raúl Prebisch”, do pesquisador canadense Edgar Dosman. Há muito eu buscava uma biografia do economista argentino que comandou a CEPAL e a Unctad, e o livro de Dosman cobre muito bem a lacuna, contando as inovações intelectuais que Prebisch levou para o debate sobre comércio e desenvolvimento, e ajudando a explicar o isolamento do economista em seu próprio país. O maior problema do livro é grande quantidade de pequenos erros factuais, que embora não comprometam a obra pedem por revisão mais atenta.

Prebisch iniciou a carreira acadêmica ao fim da década de 1910, quando a Argentina vivia período de expansão econômica acelerada, impulsionada pelas exportações de carne e cereais para o império britânico. Como jovem estudante de economia, Presbisch já se destacava e começou a frequentar importantes círculos acadêmicos e políticos, como o dos irmãos Alejandro e Augusto Bunge, este último um dos líderes do Partido Socialista. Mas foi a oligarquia que deu ao rapaz seu primeiro emprego de destaque, preparando informes para a toda-poderosa Sociedade Rural Argentina.

A carreira do economista foi marcada por muitos revezes, em função de seu hábito de afirmar coisas que os patronos não queriam escutar, mas em meio aos problemas ele avançou rapidamente e ao longo da Grande Depressão da década de 1930 se consolidou como um tecnocrata que representava a Argentina nas fracassadas cúpulas internacionais que tentaram lidar com a crise - há paralelos perturbadores com as dificuldades atuais. Porém seu maior feito foi interno: a criação do Banco Central da Argentina, com excelente equipe técnica.



A instabilidade da época venceu os esforços de Prebisch. Sua ascensão se deu em meio à “decada infame”, marcada por golpes, ditaduras, ou regimes autoritários que se mantinham no poder por eleições fraudadas. Foi criticado por sua decisão em servir tais governos mas seu biógrafo não aprofunda a discussão, preferindo considerá-lo como um “técnico apolítico”, interessado apenas no bem da pátria. Como no mundo real as coisas não são tão fáceis, o meteórico crescimento do peronismo lançou Prebisch no ostracismo, como um odiado símbolo da velha guarda agrária.

A década de 1940 foi difícil para o economista, que recusou várias ofertas de emprego no exterior porque continuava a sonhar com a chance de retornar a uma posição de poder na Argentina. Mas em meio às expectativas frustradas, começou a viajar pela América Latina como consultor, o que resultou em projetos importantes, particularmente no México, que aos poucos lhe deram ampla visão da realidade regional.

Isso foi fundamental para que Prebisch se tornasse secretário-geral da Comissão Econômica da ONU para a América Latina e Caribe (CEPAL), onde aplicou sua experiência para formular uma doutrina sobre a necessidade de industrializar o continente, baseado na deterioração dos termos de troca do comércio exterior – a tendência dos produtos agrários em diminuir seu valor face aos manufaturados. Dosman narra bem como tais ideias, subversivas para a época, enfrentaram a oposição dos Estados Unidos e de intelectuais conservadores na região, mas acabaram por influenciar a agenda de governos desenvolvimentistas em diversos países e até gozar de breve prestígio na Casa Branca, com Kennedy e sua Aliança para o Progresso.



Os projetos da CEPAL esbarraram nos conflitos políticos, como a radicalização entre esquerda e direita, e acabaram relevados a segundo plano por ditaduras militares que viam com desconfiança alguns de seus pressupostos (como a integração latino-americana) e pela nova geração de acadêmicos, que formulava a teoria da dependência e considerava as doutrinas cepalinas muito tímidas, por demais temerosas de ofender os governos que as patrocinavam. Esse é um ponto que poderia ser mais explorado no livro, ao final Prebisch contratou vários dos dependencistas mais célebres, como Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto.

Apesar das frustrações na América Latina, Prebisch continou com prestígio internacional crescente e se tornou o secretário-geral da Conferência da ONU para Comércio e Desenvolvimento (Unctad), que nas décadas de 1960 e 1970 levou ao plano multilateral muitas das ideias que a CEPAL formulou para a América Latina. Eram os tempos áureos do terceiro-mundismo, do G-77 e dos debates sobre uma Nova Ordem Econômica Internacional.

Um empreendimento tão vasto dificilmente seria bem-sucedido e de fato o fim da vida de Presbich foi algo melancólico, pois se deu em 1986, em meio à crise da dívida na América Latina e ao colapso dos modelos desenvolvimentistas em boa parte dos países do sul global. Contudo, restou ao economista o consolo do retorno à Argentina, onde assessorou Alfonsín na dura tarefa de restaurar a democracia e a prosperidade àquela nação.

Prebisch, Guevara, Alfonsín... Abril está um mês argentino neste blog.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

A Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência



Passei a semana em reunião do Conselho Nacional de Juventude e como sempre foi uma ocasião para excelente para me informar de várias coisas que comprovam, uma vez mais, o quanto a fronteira entre relações internacionais e política doméstica ficou tênue. Uma delas foi a aprovação pelo Congresso da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – a primeira a entrar no ordenamento jurídico brasileiro com o status de norma constitucional. Ouvimos excelente exposição da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, cujos negociadores nos contaram como foi formulada a Convenção e quais suas implicações para o Brasil.

O assunto é um tanto complicado, mas me esforçarei para explicá-lo. Pela Constituição de 1988, os tratados internacionais de direitos humanos tinham status de lei ordinária. Em 2004, a Emenda Constitucional 45, de reforma do judiciário, estabeleceu que os novos acordos poderiam ser considerados como norma constitucional, contanto que fossem aprovados por pelo menos 3/5 da Câmara dos Deputados e do Senado. O novo status é importante porque torna muito mais difícil remover ou alterar esses dispositivos, reforçando assim o respaldo legal aos direitos humanos no país.



Infelizmente, a Emenda 45 não determinou de forma clara o que aconteceria com os tratados que já haviam sido assinados.... Houve juristas que defenderam que eles passassem a ser considerados como norma constitucional, mas as decisões do STF têm sido no sentido de que são apenas lei ordinária.

A Convenção foi proposta na ONU em 2002 e aprovada em 2006 – tempo recorde para os padrões das Nações Unidas. O Brasil foi importante na mediação de alguns atritos, em particular do mundo árabe, que de modo geral ainda não tem legislação específica sobre o tema, e relutava em assumir compromissos internacionais. Na verdade, só 65 dos 192 países que integram a ONU já possuíam leis sobre deficiência.

Um dos principais direitos garantidos na convenção é a acessibilidade dos prédios públicos a pessoas com deficiência. Ironicamente, o próprio Ministério das Relações Exteriores terá que fazer reformas e já enfrenta uma ação do Ministério Público para se adaptar às novas leis. Há muita expectativa com relação aos impactos que a convenção terá sobre a indústria editorial, como edição de livros em braile.

O Conselho Nacional de Juventude defendeu com ardor a aprovação da Convenção e eu mesmo estive entre os conselheiros que foram ao Congresso fazer lobby pelo tratado. É muito gratificante ver que nossas ações – bastante modestas diante do esforço exemplar das organizações de defesa das pessoas com deficiência – trouxeram ganhos para o país. Valeu!

quinta-feira, 29 de maio de 2008

O Haiti e a Crise das Missões de Paz



Ontem o presidente Lula fez uma visita-relâmpago ao Haiti, onde criticou a falta de apoio da comunidade internacional (leia-se, os países ricos) à Minustah, missão de paz que o Brasil comanda por lá, e afirmou que os esforços brasileiros teriam chegado ao “segundo tempo do jogo”, chegando a hora de investir em infra-estrutura e desenvolvimento. A operação multinacional liderada pelo país resultou em muitos ganhos, mas depois de quatro anos a realidade haitiana continua sombria, marcada pela pobreza extrema, fome e instabilidade política. A visita presidencial ocorre em meio a mais um escândalo envolvendo as missões de paz da ONU: as acusações de envolvimento dos capacetes azuis com exploração sexual de crianças e adolescentes, inclusive no Haiti.

O que o Brasil e os demais parceiros na Minustah conseguiram é impressionante. Em 2004, o Haiti enfrentava uma situação de caos social e violência de rua, em meio a conflitos envolvendo o governo e gangues que misturavam criminosos comuns e opositores políticos. De lá para cá, a segurança melhorou muito, inclusive em áreas perigosas como a favela Cité Soleil. Eleições reconduziram ao poder o presidente René Preval. Entretanto, o aspecto econômico não prosperou. Apesar de bons projetos de cooperação e desenvolvimento local, a situação continua miserável para a maioria da população, com a fome agravada pela alta dos preços dos alimentos, que levou a grandes protestos (foto abaixo).

As missões de paz da ONU foram concebidas originalmente na década de 1950 para lidar com crises muito específicas. Basicamente, consistiam em colocar em campo tropa que pudesse mediar cessar-fogo já assinado em dois exércitos inimigos – a operação de Suez (1956-1967) entre Egito e Israel, é o exemplo clássico. No fim dos anos 1980, o escopo das missões se alargou muito, com diversas atuações no Camboja, na Namíbia e em El Salvador nas quais a ONU assumiu tarefas governamentais, como realização de eleições, condução de ministérios-chave, policiamento etc. Tais tarefas continuaram a aumentar na década seguinte, no Kosovo, em Timor Leste e outras partes, sem que houvesse o crescimento correspondente do orçamento para tais missões, nem o treinamento de pessoal qualificado.



Um dos clichês da segurança internacional pós Guerra Fria, em particular após o 11 de setembro, é que a estabilidade política tem múltiplas dimensões e que só pode ser alcançada por atuações conjuntas no campo militar e do desenvolvimento sócio-econômico. Fala-se muito hoje em dia nos “Estados fracassados” como sendo grande fonte de ameaças à paz, e da importância de empreender projetos de “reconstrução nacional”. Mas há poucos estudos, para não falar de recursos concretos e exemplos práticos, de casos bem-sucedidos.

O Haiti reproduz em miniatura desafios que aparecem em escala muito mais assustadora no Afeganistão e no Iraque. Me parece que o governo brasileiro entendeu bem que a Minustah é uma experiência importante para a criação de modelo próprio de missões de paz, no qual se destacaria a ênfase nos aspectos sociais e na cooperação militar entre os países da América do Sul – sobretudo Brasil, Argentina e Chile.

A ONU e os países ricos têm falhado em estar à altura desses desafios, contribuindo com os recursos financeiros e técnicos necessários para o desempenho das tarefas - mês passado deveria ter havido conferência de doadores para o Haiti, cancelada por falta de interessados. O descalabro dos abusos sexuais cometidos pelas tropas de paz é apenas o ponto mais sombrio de diversos problemas que incluem a arrogância e o desrespeito com que os profissionais da cooperação muitas vezes tratam a população com quem precisam lidar.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

O Longo Caminho Rumo à Paz




Nesta quinta dei aula sobre missões de paz da ONU no Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército, ministrado na Escola de Comando e Estado-Maior. O curso é um dos pré-requisitos para alcançar o generalato, de modo que meu público foi muito qualificado: coronéis com experiência no exterior em missões de paz no Haiti, Timor Leste, Kosovo, Bósnia. É a segunda vez que palestro na instituição, sobre o mesmo tema, e sempre é muito bom.

Acredito que poucas pessoas no meio civil, sobretudo no ambiente universitário, têm noção de como o Exército brasileiro tem um conjunto de oficiais de primeiríssima categoria, lapidados por um processo de promoção muito competitivo, por treinamentos constantes e pelas vivências em operações em países estrangeiros. Um dos coronéis com quem conversei me chamou a atenção para a importância desse tipo de missão em capacitar oficiais, dando-lhes experiência profissional e visão de mundo mais ampla. Em sua época de cadete, segundo me contava, era raro encontrar um militar brasileiro com currículo forte no exterior.

O centro da minha aula foi a exposição sobre os novos modelos de missões de paz que a ONU implementou da década de 1990 em diante. Destaquei a abrangência dessas operações com relação aos modelos clássicos de Suez e do Chipre. Trocando em miúdos: as Nações Unidas saltaram de formato que ressaltava a presença de capacetes azuis entre Exércitos em conflito, para monitorar cessar-fogo acordado entre ambos, para paradigma que abrange enorme quantidade de tarefas: organização de eleições, auxílio humanitário, ações policiais, formulação e execução de políticas públicas e até a construção de Estados nacionais.

Expus as principais crises enfrentadas pela ONU sob o novo modelo (Somália, Ex-Iugoslávia, Bósnia) e tratei das críticas que os países em desenvolvimento fizeram ao caráter muito mais intervencionista adotado pelas Nações Unidas. Em seguida abordei os casos do Timor e do Haiti e debati com os alunos sobre quais podem ser as contribuições brasileiras aos processos de paz, em particular a ênfase em temas de desenvolvimento sócio-econômico e o fato de que o Brasil não tem um passado de potência colonial.

Outro ponto foi o levantamento das tendências contemporâneas nas missões de paz. Por exemplo, o fato de que 75% delas ocorrem na África. Se o Brasil quer exercer liderança internacional, terá que assumir responsabilidades no continente, eu disse. Seguiu-se um ótimo debate sobre Darfur, Angola, Zimbábue e a disposição da opinião pública nacional em arcar com os custos de participar nesse tipo de operação, quando o Brasil deveria ou não participar.

Minha apresentação foi bastante crítica da ONU. Repassei os principais problemas que a organização enfrenta nas missões de paz, desde a falta de coordenação entre os contingentes nacionais até a “síndrome do carro branco”, os desequilíbrios econômicos provocados em países pobres pela chegada de milhares de funcionários internacionais bem remunerados, em dólar. Sempre ocorre inflação e com freqüências dificuldades com a população local, muitas vezes em função da arrogância dos representantes das Nações Unidas. Vários exemplos semelhantes foram citados pelos oficiais e creio que descobrimos a admiração comum pelo excelente livro do general Lélio Silva, “Uma Missão de Paz na África”, que descreve sua experiência à frente das operações de paz em Moçambique e aborda vários dos pontos dos quais tratamos.



Concluímos também que, num cenário de fragilidade institucional, ganha força a figura do líder, como Sergio Vieira de Mello no Timor ou o general Augusto Heleno no Haiti. Pessoas comprometidas, dedicadas, com a habilidade para aprender na prática e adaptar a missão às realidades locais.

Muitas perguntas foram a respeito do futuro da ONU, em especial a partir dos resultados das eleições nos Estados Unidos. Sou cético com relação à possibilidade de mudanças radicais na organização, ou de reformas amplas como a entrada do Brasil no Conselho de Segurança. Acredito que o melhor caminho para a paz, ao menos no curto prazo, é o fortalecimento de organizações regionais. Foi consenso a importância da missão no Haiti para a cooperação militar sul-americana e estão no ar as expectativas (e dúvidas) para o Conselho de Segurança da América do Sul.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Perseguindo a Chama: Sergio Vieira de Mello



Samantha Power é uma das minhas heroínas intelectuais, principalmente pela capacidade (rara) de combinar excelente jornalismo, reflexão acadêmica e ativismo político em defesa dos direitos humanos, autora do ótimo A Problem from Hell: America in the Age of Genocide. Sergio Vieira de Mello talvez tenha sido o brasileiro com a mais interessante carreira em relações internacionais. Quando soube que Samantha Power escreveria sua biografia, fiquei radiante. O resultado superou minhas expectativas: “Chasing the Flame: Sergio Vieira de Mello and the fight to save the world” é estupendo, uma obra-prima para todos os que gostam de política internacional, assuntos humanitários e organizações internacionais. O livro é fruto de quatro anos de pesquisa, e de mais de 400 entrevistas.

A capa mostra Vieira de Mello numa expressão preocupada, mas também reflexiva, sonhadora mesmo. A introdução narra como Samantha Power o conheceu em um jantar na Bósnia, durante a conturbada missão da ONU. Ele lhe fora descrito como um “misto de James Bond e Bobby Kennedy” e em sua primeira conversa lhe contou que jamais serviria ao governo brasileiro, devido à ditadura militar ter cassado seu pai, que era diplomata.

Vieira de Mello nasceu no Rio de Janeiro, em 1948 e durante a infância acompanhou o pai numa série de postos no exterior, na Itália e no Líbano. Formou-se na Sorbonne e participou dos protestos de 1968, chegando a ser espancado pela polícia. Entrou na ONU em 1969, um pouco por acaso, mas gostou e passou sua primeira década na organização trabalhando para o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Serviu em Bangladesh, Moçambique, Sudão e Peru, ajudando pessoas que fugiam de guerras e massacres.

Sua primeira missão política de relevo ocorreu em 1982, quando se licenciou do ACNUR para ser assessor do comandante da missão de paz na ONU no Líbano. A operação foi para o ralo quando Israel invadiu o país, mas Vieira de Mello aprendeu lições importantes sobre a fragilidade das Nações Unidas em situações de crise, tais como a necessidade de negociar com insurgentes e grupos armados irregulares, como OLP e Amal.

Colocou os ensinamentos em prática numa série de ações na Tailândia e no Camboja, onde ajudou a repatriar refugiados da guerra civil cambojana, no que foi a mais ambiciosa missão da ONU até então. As Nações Unidas assumiram o controle de diversos ministérios cambojanos e Vieira de Mello conseguiu o impensável: engajar os genocidas do Khmer Vermelho no processo de paz. A partida da ONU foi considerada prematura e a violência ressurgiu, mas muito do que aprendeu ali foi vital no Timor Leste.

No inferno da ex-Iugoslávia dos anos 90, Vieira de Mello exerceu missões cada vez mais importantes na Croácia, na Bósnia e em Kosovo. Demonstrou coragem, entrando em áreas conflagradas e ajudando a evacuar civis na Sarajevo sitiada, mas também foi criticado por seu desejo de estar bem como todos, inclusive com os criminosos de guerra – foi apelidado de “Serbio” por sua tolerância com os desmandos de Belgrado. Foi preciso o massacre de Srebrenica para que aprendesse a lição, e sua postura no Kosovo foi diversa, apoiando o uso da força pela OTAN para deter o genocídio.

Vieira de Mello foi o primeiro administrador internacional do Kosovo, o que lhe rendeu o apelido de “vice-rei” e levou à sua missão seguinte: conduzir Timor Leste à independência e construir o Estado do país. Em meio às confusas diretrizes da ONU, seus esforços foram fundamentais para a participação dos timorenses e o estabelecimento da democracia.

Samantha Power também narra os fracassos de Vieira de Mello, principalmente uma série missões mal-sucedidas para o ACNUR, com crises de refugiados de genocídio na região dos Grandes Lagos africanos, em Ruanda, Tanzânia e na República Democrática do Congo.

Ainda assim, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan – seu amigo de longa data – o nomeou Alto Comissário de Direitos Humanos, cargo que ele exerceu por pouco tempo e um tanto a contragosto. Menos de seis meses depois, Vieira de Mello recebeu sua última e impossível missão – representar a ONU no Iraque, tentando encontrar um papel para a organização em meio ao caos pós-invasão. Seu trágico fim, como sabemos, foi ser assassinado num atentado da Al-Qaeda, em agosto de 2003.

O livro de Samantha Power, além de uma excelente e apaixonada biografia, é valioso como apanhado dos erros (e acertos infelizmente ocasionais) da ONU nas missões de paz e transições políticas. Como muitos, ela acredita que Vieira de Mello se tornaria secretário-geral da organização. Isso ficará como um dos grandes “E Se...?” das relações internacionais neste início de século.

Se você acha que a vida de Vieira de Mello daria um filme, não é o único. Samantha Power nos diz que Terry George, o diretor de “Hotel Ruanda”, tocará o projeto.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

O Brasil e o Conselho de DH da ONU


Como sempre acontece após o carnaval, minha vida profissional fica muito movimentada, na medida em que começa a temporada de seminários acadêmicos, reuniões políticas e orientações às monografias dos meus alunos da pós-graduação. Uma das atividades dos últimos dias foi participar dos debates sobre o novo relatório a respeito dos direitos humanos no Brasil, que o governo federal precisa apresentar à ONU.

Até 2005 as Nações Unidas tinham uma Comissão de DH que se tornou muito desacreditada pela seletividade política com que tratava seus casos. Embora ela tenha sancionado bastante a África do Sul (durante o apartheid) e Israel, pouco fez diante das violações de direitos cometidas por países poderosos. Pior do que isso, a eleição para a Comissão não dependia em nada da situação político-social de cada país. O resultado eram Estados criminosos, como o Sudão, ocupando postos de onde pretendiam impor padrões de DH à comunidade internacional.

Na década de 1990 houve mudanças importantes na estrutura de DH da ONU. A Conferência de Viena criou o cargo de Alto Comissário para Direitos Humanos – que já foi inclusive exercido por um brasileiro, Sergio Vieira de Mello – os Relatores Especiais, que viajam aos países e realizam audiências públicas e estudos sobre temas como direito à habitação, tortura, execuções sumárias. No processo de reforma das Nações Unidas conduzido por Kofi Annan, o documento In Larger Freedom sintetizou as propostas para a área.

A principal delas foi a transformação da Comissão em Conselho. No jargão burocrático tantas vezes exasperante da ONU, isso significa posição hierárquica mais sólida. Além disso, o novo Conselho (foto) incorpora lições importantes das falhas anteriores. Uma delas é que os países que fazem parte da instituição precisam se submeter a avaliações da situação de seus direitos humanos. Aos poucos, essa prática ocorrerá com todos os integrantes das Nações Unidas, no que foi chamado de Mecanismo de Revisão Periódica e Universal (UPR, na sigla em inglês).

O Brasil foi eleito para o Conselho e agora passa pelo UPR. A proposta da ONU é que a sociedade civil de cada país tenha papel de destaque na formulação do relatório. Infelizmente tais idéias ainda estão muito vagas e pouco definidas, mas já representam avanços significativos. O governo brasileiro enviou a algumas ONGs e movimentos sociais uma versão inicial do relatório que apresentará às Nações Unidas e fiz parte da equipe que contestou esse documento.

Basicamente, nos queixamos de que ele está muito concentrado no que chamamos de “best pratices”, isto é, as políticas públicas que são exemplos do que deu certo na área. Queremos algo que reflita os problemas concretos experimentados por nosso país. Também consideramos fundamental a vinculação desse relatório ao trabalho feito no Brasil pelos relatores especiais da ONU, que não foram citados pelo governo brasileiro.

A maior importância desse tipo de processo é que os documentos e ações da ONU servem para dar visibilidade a demandas e denúncias por parte da sociedade civil. A imprensa dá muito mais atenção a esses problemas e a reação das instituições oficiais também costuma ser mais forte. O próprio Congresso realizou audiências pública sobre o UPR, o que demonstra o potencial do novo mecanismo para fortalecer o debate democrático.

Para quem se interessa pelo assunto, recomendo a leitura do artigo da minha amiga Lucia, que trata do papel das ONGs no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Ela explica direitinho como funciona o novo órgão e mostra suas diferenças com relação à antiga Comissão.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Vieira de Mello no Iraque


Quando eu crescer, quero ser Samantha Power.

A moça é uma das melhores jornalistas do planeta, leciona em Harvard, é assessora de Barack Obama e acaba de escrever mais um livro, “Chasing the Flame: Sérgio Vieira de Mello and the fight to save the world”, que será lançado em fevereiro.

A New Yorker traz uma prévia: seu artigo sobre a trágica experiência de Vieira de Mello como representante da ONU no Iraque, que culminou com seu assassinato em agosto de 2003.

O texto é jornalismo de primeira qualidade. Samantha Power situa o contexto político quase impossível no qual Vieira de Mello teve que operar. Logo após a invasão do Iraque, o Conselho de Segurança aprovou a resolução 1483, que legitimou a ocupação americana do país e deu vaga cobertura para ação da ONU. Kofi Annan acreditou que era melhor do que nada e que se tratava de oportunidade urgente para lidar com a crise de credibilidade da organização.

Vieira de Mello acabara de tomar posse como Alto Comissário de Direitos Humanos e era a escolha óbvia, talvez única, para a missão. Ele tinha vastíssima experiência em lidar com crises humanitárias, refugiados e reconstrução nacional, tendo trabalhado em tarefas assim por 30 anos, em países como Moçambique, Bangladesh, Camboja, Chipre, Sérvia, Timor Leste. E nutria ambições de suceder Annan como secretário-geral. Ainda assim, não quis aceitar: preferia ficar em Genebra com a nova namorada. Annan o convenceu a assumir o cargo por apenas quatro meses e ele acabou concordando a contragosto.

Sua tarefa no Iraque era ser “algodão entre cristais” entre as forças de ocupação e a população local, ajudando na mediação para a formação de um governo provisório e eventuais eleições. Nas palavras de Annan para Vieira de Mello: “Temos que servir como um ponte para a Coalizão [os EUA e seus aliados] mas também teremos que nos distanciar da Coalizão”.

O brasileiro era famoso por seu carisma e foi descrito por um de seus amigos como “um homem que não sabe como fazer inimigos”. Alguns de seus colegas da ONU eram mais críticos e achavam que seu desejo de sempre agradar o levava a compromissos difíceis, segundo Samantha Power havia quem nas Nações Unidas o visse como “acomodado e amoral”, e no mundo árabe vários acreditavam que ele estava sendo usado pelos americanos.

Seu estado de espírito, compreensivelmente, não era dos melhores no Iraque. Samantha o descreve tendo períodos de reclusão e de depressão, evitando contato até com os membros de sua equipe. Um de seus amigos árabes assustou-se ao vê-lo falar na TV, ele parecia um administrador do país (como o que fora em Timor). Ele recomendou que Vieira de Mello procurasse mais contatos com a sociedade iraquiana, com as pessoas comuns no café.

Os problemas de segurança e de falta de infra-estrutura enfrentados pela ONU no Iraque já eram conhecidos, mas Samantha Power dá o tipo de informação que só um bom repórter consegue apurar, listando os erros e a imprudência quase inacreditável. Falhas que também se estenderam ao próprio Exército americano, que não contava sequer com os equipamentos básicos para resgate de vítimas de bombas – o material pertencente aos iraquianos fora saqueado no caos que se seguiu à queda de Saddam Hussein.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Melhores Intenções: Kofi Annan e a ONU



Há poucos dias chegou um pacote da Amazon com minha primeira compra de livros de 2008. Comecei a leitura por “The Best Intentions: Kofi Annan and the UN in the Era of American World Power”, do jornalista James Traub. Mistura de biografia de Annan com reportagem sobre os dez anos (1997-2007) em que foi secretário-geral da ONU.

Annan foi o primeiro funcionário de carreira da organização a atingir o posto máximo. Entrou para a ONU em 1962 e ascendeu como um administrador respeitado e competente. Contudo, suas responsabilidades se limitavam às tarefas burocráticas. A virada em sua trajetória ocorreu às vésperas da Guerra do Golfo, quando negociou com sucesso a libertação de quase mil funcionários das Nações Unidas mantidos como reféns no Iraque. Dali foi chefiar o Departamento de Operações de Paz, que passava então por uma época de grande expansão e transformações, e por fim tornou-se secretário-geral escolhido sobretudo pelos Estados Unidos, descontentes com o estilo arrogante e difícil de Boutros Boutros-Ghali.

Coube a Annan a difícil missão de conduzir a ONU em meio aos atentados do 11 de setembro, e às guerras do Kosovo, do Afeganistão e do Iraque, do genocídio em Darfur, do terrível conflito no Congo e outra tragédias internacionais. A consagração veio em 2001, quando Annan ganhou o Nobel da paz. O livro tem excelentes relatos dos bastidores e muitas informações interessantes sobre as personalidades envolvidas em cada caso. Faltam, no entanto, análises mais aprofundadas que dêem sentido à massa de dados. Fiquei com a impressão que a ONU fracassou em tudo que diz respeito à prevenção de violência, mas que seu desempenho foi muito melhor no que toca à reconstrução e à busca de acordos pós-conflito. Pontos que merecem estudos mais atentos.

O retrato que Traub pinta de Annan é bastante matizado, o de um homem muito sério, dedicado ao trabalho, honesto e bom caráter, com uma modéstia rara para alguém que ocupou um cargo tão elevado. No entanto, às vezes o secretário-geral aparece como uma pessoa fria, com dificuldade para expressar emoções. Uma das cenas mais tocantes ocorre após o atentado de agosto de 2003, que matou diversos funcionários da ONU em Bagdá. Um dos subordinados de Annan, às lágrimas, lhe pede um abraço. Ele reage com incômodo e mal toca o rapaz, constrangido com a intimidade.

Traub afirma que Anann não é exatamente carismático, mas que desperta grande lealdade nos que trabalham com ele e que tem muita capacidade em estabelecer laços de confiança até com antagonistas. O livro narra de maneira primorosa duas dessas difíceis negociações: os diálogos com Saddam Hussein em 1998, para convencê-lo a aceitar inspeções de armas da ONU, e a corte feita ao senador americano Jesse Helms, o político ultra-conservador que era o principal oponente das Nações Unidas no Congresso dos EUA. Curiosamente, Annan teve relações difíceis com os dois outros negros que assumiram posições de destaque na diplomacia, Colin Powell e Condoleezza Rice. Por incrível que pareça, ele se deu melhor com Bush.

Há dois outros altos funcionários da ONU muito elogiados por Traub, e que ele descreve com os mais eficientes negociadores da instituição: o diplomata argelino Lakhdar Brahimi e o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, provavelmente a pessoa que recebe a mais elevada qualificação no livro. Brahimi conseguiu feitos quase impossíveis, como construir um governo de coalizão no Afeganistão, e Vieira de Mello desempenhou tarefas heróicas no Kosovo, em Timor Leste e em Bagdá, até ser assassinado por terroristas. Traub afirma que Annan o considerava como um filho e que acreditava que ele o sucederia como secretário-geral.

O ponto negativo é que a capacidade de empatia de Annan é acompanhada por uma enorme relutância em agir contra subordinados que tenham se desempenhado mal. Isso resultou em escândalos que debilitaram bastante a credibilidade da ONU, como a corrupção no programa petróleo-por-comida do Iraque (que envolveu o próprio filho de Annan) e em casos de abusos sexuais cometidos por tropas de paz no Congo.

Traub aposta que o sucessor de Annan, Ban Ki-moon, será um mau líder. O diplomata coreano parece ter todos os defeitos do antecessor, sem possuir suas qualidades. Traub afirma que ele foi escolhido justamente por isso, porque as grandes potências queriam um secretário-geral fraco, com um perfil administrativo-burocrático e não político.