Transições de ditaduras para democracias são sempre complexas e o caso egípcio tem fatores que o tornam ainda mais difícil: uma delicadíssima posição na geopolítica do Oriente Médio e na segurança de Israel, a enorme força dos militares na economia, uma substancial minoria cristã e uma longa tradição de movimentos fundamentalistas, que remonta à década de 1920. Levando tudo isso em conta, pode-se fazer uma apreciação razoavelmente favorável dos desdobramentos do último ano. Os problemas eram esperados e o país segue no atribulado curso de sua transformação. É uma realização expressiva.
A Primavera Árabe mudou os governos da Tunísia, Egito e Líbia, com um acordo iminente no Iêmen. Levou a reformas expressivas na Argélia, Marrocos e Jordãnia, e deu novo alento ao movimento palestino por um Estado. As monarquias têm se mostrado mais estáveis e mais resistentes à mudança do que as repúblicas, e os reis e emires dos ricos Estados do Golfo conseguiram em grande medida passar imunes aos ventos revolucionários – com exceção dos soberanos do Bahrein, que se mantiveram no trono somente pela intervenção militar da vizinha Arábia Saudita.
A situação na Síria continua num impasse político entre Assad e a oposição, com crescente pressão internacional contra a ditadura do partido B´aath. Uma combinação significativa da Liga Árabe, da Turquia e da França tem dado apoio aos rebeldes (inclusive no campo militar, segundo as notícias) e tenta convencer a Rússia a abandonar seu principal aliado no Oriente Médio e aceitar sanções na ONU contra Assad. Difícil. Há risco de guerra civil na Síria.
Do ponto de vista da influência no Oriente Médio, está claro que a balança deste ano pende em favor da Turquia, cuja diplomacia tem mostrado extradorinário dinamismo, ousadia e coragem diante de um mundo em mudança turbulenta. Clique no link para ler estudo da Brookings sobre como ela e outras democracias emergentes (Brasil, Índia, África do Sul, Indonésia) lidam com Primavera Árabe. O grande perdedor, sem dúvida, é o Irã. Sob pressão, acuado, enfrentando um embargo de 20% de seu mercado de exportações e correndo o risco de sofrer ataques militares de Israel e dos Estados Unidos.
5 comentários:
E os grandes vencedores talvez sejam as monarquias do Golfo, não? Com a instalação de um regime bastante favorável na Líbia, e com possibilidades similares no Egito e na Síria.
Caro Amigo e Mestre Mauricio
Como voce bem sabe, sobre o tema da Primavera Arabe ainda prefiro manifestar uma boa dose de ceticismo em termos da construcao de sociedades democraticas, uma vez que o peso que os grupos fundamentalistas terao na reorganizacao politica dos paises que derrubaram seus ditadores pode vir a ser um fator bastante restritivo ao longo do processo.
Sem duvida alguma, o Egito, apesar dos constantes "altos e baixos" ocorridos neste primeiro ano "pos-Mubarak", tem conseguido manter-se com um bom desempenho na busca de uma solucao equilibrada para os seus problemas politicos.
De fato, o pepael geopolitico desempenhado pelo Egito no Oriente Medio, pode ser decisivo em relacao a varias outras situacoes regionais, sobretudo envolvendo Israel e Ira.
Abcs, Mauricio!
Goncalez
O Egito
Um grande medo do Ocidente sempre foi o da recaída do Egito nas mãos do fundamentalismo islâmico, coisa que parece mais provável agora do que no tempo do Mubarak.
E não somente a gélida paz com Israel ficaria comprometida se a retórica desses fanáticos prevalecer; isso fortaleceria a linha dura em Telaviv.
Não estou muito otimista quanto ao Egito, por mais que algumas das mudanças tenham sido para melhor.
Caros,
Meu tom atual com o Egito é o de um otimismo moderado. Acredito que o país será governado por uma coalizão na qual a força mais importante serão os partidos islâmicos. Será uma sociedade bastante conservadora e que enfrentará tensões com a minoria cristã e com Israel, mas não creio que vá descambar para o pior - fundamentalismo à la Irã, guerra ou massacres.
Mas claro, muita coisa pode dar errada, em especial se estourar outra guerra no Oriente Médio, como parece provável pelo aumento das tensões entre EUA, Israel e Irã.
Vejo as monarquias do Golfo assustadas com as mudanças na região, mas aliviadas até agora por terem escapado das turbulências. Mas elas não aumentaram seu poder e influência, ao contrário do que ocorre com a Turquia.
abraços
Don Mauricio,
Implementando minha política de aproveitar o "pós olho de furacão" para fazer turismo em condições favoráveis fui ao Egito no fim de ano!
Viagem bem interessante, fui bem a passeio mesmo. No entanto, tive algumas impressões que a mídia não foi muito clara em me descrever.
1º) o movimento da praça Tahir é numericamente pequeno (digo os manifestantes que lá continuam). Chegar nesse momento foi como ver o Vale do Anhangabaú com uns 5 ou 10 mil ativistas em campanha de diretas...
2º) Embora pequeno, o movimento é bem tenaz e fica acampado, reveza e não abre mão de suas convicções;
3º) A campanha é confusa com um número infindável de candidatos. Todos com quem conversei (obviamente somente pessoas que trabalham no turismo) nunca tinham tirado título de eleitor. Ao serem perguntados o porquê, a resposta era: "a gente já sabia quem ia ganhar, pra que eu perderia meu tempo". Ou seja só tirava título quem era do partido;
4º) As forças armadas têm um número absurdo de oficiais e conscritos. Eles estão em todos os lugares, todo mundo tem um amigo no exército ou na aeronáutica e todos acham que esses caras podem sempre dar um golpe a qualquer tempo em qualquer época.
No mais comprei alguns livros interessantes editados pela universidade americana do Cairo, e uma revista de relações internacionais deles como foco em Oriente Médio com artigo de capa assinado pelo Celso Amorim.
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