Gabriel Elizondo, correspondente da Al-Jazeera no Brasil, em seu perfil no Twitter
“Somos todos filhos dos barcos”
Jorge Luís Borges, escritor argentino
Quando leio sobre os haitianos querendo trabalhar no Brasil, penso na história da minha própria família - meus (bis)avós chegaram aqui em condições quase tão ruins, e encontraram acolhida e oportunidades para melhorar de vida. O país que é a sexta maior economia do mundo, tem baixa taxa de desemprego e é presidido pela filha de um imigrante da Bulgária(e cujo principal rival na disputa pelo cargo foi o filho de um imigrante italiano) pode e deve ser mais generoso. Até porque o caso do Haiti ilustra tendência que ficará mais forte: com economia crescendo e taxa de fertilidade em declínio, o Brasil precisa de políticas públicas para atrair mão-de-obra do exterior.
Comecemos pelo Haiti. Ontem fez dois anos do terremoto que devastou o país e matou talvez 100 mil pessoas (os dados são controversos). Há oito anos há uma missão de paz da ONU nessa nação, e o Brasil lidera seu componente militar. Os esforços internacionais foram bem-sucedidos em assegurar certo nível de ordem pública, mas não conseguiram promover taxas expressivas de crescimento econômico e redução da pobreza. Em torno de metade das ruínas e destroços dos prédios destruídos na tragédia não foram removidos, e ainda houve uma epidemia de cólera (levada pelos soldados estrangeiros) que matou 7 mil pessoas.
Os doadores internacionais enviaram cerca de US$3,6 bilhões para a reconstrução do Haiti após o terremoto, mas boa parte do dinheiro ficou presa na lentidão burocrática para desembolso e aplicação. Outro problema é o do gráfico abaixo: mais de 90% da ajuda externa foi para ONGs ou organizações internacionais. Quase nada ficou com o governo haitiano ou com empresas locais. Um diplomata brasileiro que trabalhou no país me disse que o foco das instituições estrangeiras é em projetos pontuais, por vezes meritórios, mas que não subsitutuem o Estado - este termina enfraquecido, até porque os profissionais mais capazes preferem trabalhar para as ONGs, que pagam melhores salários.
O melhor redutor de pobreza no Haiti tem sido a emigração. Há cerca de meio milhão de haitianos nos Estados Unidos, e suas remessas para os parentes em casa ajudam bastante a economia. No Canadá, lar de outra diáspora significativa, a governadora-geral do país é uma imigrante do Haiti. Pesquisadores tem sugerido que a melhor maneira de auxiliar o desenvolvimento haitiano é criar programas de vistos de trabalho, mesmo que temporários. Tais indicações foram feitas pensando nos EUA, mas aplicam-se também ao Brasil.
O governo brasileiro estima que 4 mil haitianos estejam no país atualmente. A maioria entra pela Amazônia e às vezes usa o território do Brasil apenas como passagem para chegar a outras nações sul-americanas, como Colõmbia e Peru. A região tem crescido muito, o desemprego está em baixa histórica. No Brasil, aproxima-se das taxas de pleno emprego e já há carência de mão-de-obra em vários setores da economia. Além disso, com fertilidade de 1,9 filho por mulher, a população brasileira em breve começará a diminuir. Em 2030, segundo projeção do IBGE.
O Brasil precisa de imigrantes, como nota meu amigo e colega de FGV, Oliver Stuenkel – ele mesmo nascido na Alemanha, educado em Harvard e um exemplo do imenso potencial da atração de estrangeiros para a sociedade brasileira. Alguns virão de países latino-americanos e caribenhos: Bolívia, Paraguai, Peru, Haiti. Outros, da Europa em crise, retomando os antigos fluxos de Portugal, Espanha e Itália.
O governo brasileiro se assustou com o aumento da migração haitiana para o país e reagiu limitando os vistos a 100 por mês. As autoridades temem que a situação saia de controle, mas o Brasil não tem sequer 1% de estrangeiros na população, pode absorver muito mais. Não apenas em regiões tradicionais de atração econômica, como São Paulo, mas no Nordeste e no Centro-Oeste, que crescem há anos acima da média nacional.
14 comentários:
100 vistos por mês é um número bem baixo mesmo. E provavelmente inócuo: só aumenta a ilegalidade, uma vez que é parca a fiscalização.
Foi uma idiotice sem tamanho.
Foi uma reação muito ruim do governo brasileiro e espero que nossas autoridades revejam essa decisão.
abraços
Acho que tomaram essa atitude em resposta a um certo alarmismo da imprensa - notadamente O Globo. Espero que voltem atrás.
Prezado Maurício,
Concordo com o teor de seu texto, exceto com a interpretação da Resolução Normativa 97 do CNIg, considerada restritiva à imigração de haitianos. Essa interpretação, veiculada largamente pela Folha de S. Paulo, não reflete a realidade. Basta ler o texto da Resolução, publicado no DOU na sexta-feira passada, para perceber que o CNIg abriu possibilidade adicional de ingresso de haitianos no Brasil, sem prejuízo das outras modalidades de visto - visto de trabalho, visto de turismo e visto de negócio. O teto de 1200 vistos permanentes especiais (sem incluir membros da família) que será concedido em Porto-Príncipe não prejudica a entrada de tantos outros haitianos que cumpram o requisitos de visto de trabalho, de turismo ou de negócio (como é geralmente feito por qualquer estrangeiro que queira entrar em território nacional). Entendo que haveria restrição se fosse limitada a entrada de haitianos por meio dessas modalidades de visto. Em resumo, o CNIg criou mais um tipo visto, de natureza humanitária, válido apenas para os cidadão do Haiti.
Apenas para esclarecer: a quota de 100 vistos por mês para a modalidade de visto humanitário aos haitianos não foi calculada aleatoriamente. Representa, justamente, a média de pedidos de visto humanitário nos últimos 12 meses, quando os haitianos ingressavam no território nacional através das fronteiras com Peru, Bolívia e Colômbia. O texto da Resolução Normativa do CNIg é clara ainda em afirmar que esse número pode ser revisto pelo Conselho a qualquer tempo, em caso de necessidade. É importante ressaltar que cada haitiano que solicitar o visto permanente especial extende essa expectativa de direito para o restante da família, que não entra no cálculo. Nessas condições, o número de haitianos que pretendam ingressar no Brasil através desse instrumento pode triplicar, quadruplicar...
Anônimo,
A imprensa ressaltou também a possibilidade de outras maneiras dos haitianos entrarem no Brasil, mas mesmo com elas não resta dúvida de que a decisão de limitar os vistos de trabalhos responde a uma preocupação no sentido de restringir a imigração. Deveríamos ter outros modos de encarar o assunto.
abraços
Caro Maurício,
Perdoe-me a insistência, mas não houve restrição alguma a visto de trabalho. Segundo a Resolução Normativa do CNIg, se hipoteticamente 10 mil haitianos quiserem vir para o Brasil com visto de trabalho (para isso, terão de comprovar vínculo empregatício, conforme a Lei dos Estrangeiros, de 1980), eles não encontrarão nenhuma limitação legal. Houve limitação, é verdade, na emissão de visto humanitário, que é modalidade de visto excepcional, para atender situações como a enfrentada pelos haitianos após o terremoto de 2010. Os ministros da Justiça e das Relações Exteriores publicaram, ontem, artigo no qual buscam corrigir a propalada tese da restrição. É verdade que há outras maneiras de efetuar gestão migratória, debate que deve começar a ser travado pela sociedade, não como fardo a ser carregado mas sobretudo como fator fundamental de uma política de desenvolvimento nacional. Concordo que, até agora, não conseguimos formular uma política migratória compatível com nosso status econômico (motivo de críticas); mas, mesmo assim, não posso concordar que houve restrição à imigração de haitianos.
abraços
Caro anônimo,
O Haiti há décadas vive uma situação de catástrofe malthusiana, e o que eles precisam é justamente de um lugar para viver melhor do que aquela ilha caribenha super povoada. Se o nosso governo decidiu gastar nosso dinheiro enviando para lá militares, nada mais justo ser coerente nessa generosidade e também conceder mais vistos.
Certamente os haitianos que quiserem fazer turismo em Copacabana serão bem recebidos, mas acho que é maior o número de haitianos que querem trabalhar - e para conseguir um emprego, antes eles precisam chegar ao Brasil. É uma situação de Ardil 22: para conseguir um visto de trabalho eles precisam ser contratados por uma empresa no Brasil, e para concorrerem a uma vaga eles precisam estar aqui.
Bruno,
Seus comentários são pertinentes e concordo com eles. Mesmo assim, é fundamental colocar o tema em perspectiva, sem ignorar seus diversos aspectos. Primeiro, é necessário dizer que o fechamento da fronteira no Norte do país resultou da incapacidade do governo do Acre e do Amazonas, em primeira instância, e do governo federal, em última, de fazer gestão migratória de tantos haitianos que chegaram às cidades de Tabatinga e Brasiléia nos últimos meses. Há de convir que a permanência da dramática situação enfrentada por eles e pela população local em cidades que não tinham sequer capacidade logística de acolhê-los não era opção compatível com os princípios de direitos humanos. É desnecessário mencionar os problemas causados pelos coitotes e o custo total que a viagem até o Brasil gerava. Nessas condições, o governo avaliou que somente estabelecendo canais alternativos de migração se poderia preservar os direitos humanos dos haitianos. Foi que o foi feito, dentro de nossas condições, com limites a emissões de visto humanitário.
Por que não tornar ilimitada a entrada de imigrantes haitianos no Brasil? A situação no Norte do país responde a essa questão. Gestão migratória requer tempo, organização institucional, capacidade de absorção no mercado de trabalho. Em uma palavra, uma ampla política de imigração, algo no qual estamos ainda engatinhando. Não é acertado, a meu juízo, adotar políticas voluntaristas e, desordenamente, colocarmos a população brasileira em uma situação para a qual ainda não está preparada. Longe disso. Teríamos condições de acolher dignamente o grande contingente (cerca de meio milhão)de haitianos que vivem lamentavelmente em acampamentos? Temos nossa parcela de responsabilidade para com os haitianos, mas a comunidade internacional precisa também arregaçar as mangas.
abraços
Minha opinião é: primeiro devia haver uma mudança total no governo do Haiti, pois foram enviados milhões de dinheiro para reerguer aquele país após o desastre e até agora NADA foi feito!
O povo também tem sua parcela de culpa por não ir as ruas e lutar por um país melhor e por um governo menos corrúpto, dando uma vida digna ao seu povo. (isso é para nós brasileiros também!)
E segudo, tudo bem que o Brasil é um país acolhedor e quer ajudar, mas ao mesmo tempo essa generosidade toda acaba sendo exagerada e muitas vezes ridícula (me refiro ridícula ao ponto de que o governo brasileiro não estraditou Cesare Battisti, um crimonoso estrangeiro), então o país, ou melhor, a população brasileira tem que arcar com tudo isso!
No caso dos haitianos que entraram ILEGALMENTE, nesse caso essas pessoas sim, devem ser barradas. Pois já começaram infringindo as leis (se é que no Brasil tem) e irem pro mal caminho, ainda mais no Brasil onde não faltam pessoas de mal caráter, é um simples passo!
Brasil tem que ter regras e leis muito, mas muito severas para poder começar a querer acolher pessoas de outros países, ainda mais dos países subdesenvolvidos. Se o governo brasileiro não fizer nada e simplesmente for acolhendo todo mundo, pode ter certeza de que só irá aumentar a quantidade de favelas e probresa por aqui.
Discordo com a afirmacao que a populacao do Brasil irá diminuir!Ela continuara crescendo,mas com indices de crescimento menores que anteriormente!
Esse povo conseguiu a independência 200 anos atrás por meio de uma brutalidade extrema. Por que querem invadir nosso país agora? Querem tomar o emprego dos verdadeiros brasileiros e enviar nosso dinheiro pro Haiti.
Sou a favor de uma fronteira mais protegida, a mão de obra haitiana em nada ajuda o Brasil, gostaria que fossem deportados todos que entram ilegalmente.
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