segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

História do PT

"História do PT", de Lincoln Secco (USP) traça um panorama muito bom do surgimento em 1980 e do crescimento do Partido dos Trabalhadores, com sua trajetória rumo a uma agenda reformista social-democrata e um processo de profissionalização - e burocratização - que o afastou de sua base nos movimentos sociais. O livro supre a lacuna da falta de estudos sobre o mundo partidário da redemocratização brasileira, em contraste com as análises já clássicas sobre as siglas do período 1946-1964 (PSD, PTB, UDN).

Secco é integrante do PT e seu ponto de vista é de alguém da ala esquerda do partido, incomodado com os escândalos de corrupção mas também com as guinadas ideológicas. Boa parte das 300 páginas do livro é dedicada aos embates entre os grupos socialistas do PT e correntes que defendem posições mais moderadas e falta uma discussão semelhante sobre as idas e vindas da sigla com a Igreja Católica, fundamental em sua fundação e ocasionalmente uma adversária em conflitos relacionados a temas como aborto, casamento gay e até projetos de infraestrutura como a transposição do rio São Francisco.

O historiador ressalta que o PT foi criado a partir de grupos heterogêneos: sindicalistas, organizações marxistas, intelectuais e católicos de esquerda, políticos oriundos do MDB. Ele frisa que "a diversidade regional e social brasileira criou inúmeros PT diferentes". No Rio de Janeiro, por exemplo, o partido tinha um perfil bem mais ligado à classe média. Boa parte dos anos iniciais é dedicada à organização do PT, e Secco mostra como a idéia inicial de uma gestão interna mais democrática, centrada nos núcleos de base, e se concentrou num modelo mais hierárquico, dependente das contribuições financeiras dos políticos e ocupantes de cargo, e não das doações dos militantes. Nesse ponto, falta um debate com teóricos políticos, como Robert Michels, já que esse fenômeno acontece muito, em diversos países

O autor destaca os vínculos iniciais do PT com o marxismo e sua relação conturbada com a herança política do Partido Comunista Brasileiro e sua conversão na prática - mas não na teoria - à social-democracia: "sua transformação se deu de maneira molecular especialmente durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso". José Dirceu foi essencial como dirigente para comandar essa transição, afirmando após a queda do muro de Berlim que "era preciso abandonar a identidade com o socialismo real, aquele ´cadáver insepulto´". O ponto nunca foi fácil no PT e levou a dissidências das tendências internas de extrema-esquerda, levando à formação do PSTU. Em parte isso também seria importante na criação do PSOL, mas nesse aspecto a corrupção foi igualmente um fator-chave.

Secco faz boa análise das campanhas presidenciais de Lula, culminando com a vitória em 2002 em meio às polêmicas internas pela Carta ao Povo Brasileiro, que setores mais à esquerda chamavam de Carta aos Banqueiros: "O que o PT tinha era um conjunto de políticas sociais e o compromisso cada vez maior de evitar rupturas que afastassem a lucratividade do setor financeiro e uma vaga defesa do mercado interno de massas."

O autor compartilha a visão da esquerda do PT de hostilidade com relação à grande imprensa (às vezes com razão, como nas vergonhosas manipulações da mídia em 1989), mas também tem uma hipótese interessante que explica parte dessa postura: "O PT pareceu muitas vezes ter herdado a técnica do leninismo sem os seus valores, o que deriva do fato de muitos dirigentes da máquina partidária terem sido revolucionários na juventude."

O livro não é uma história do governo Lula, mas naturalmente há a análise do que significou para o PT virar o partido que liderava a coalizão de governo. Secco examina o lulismo como uma aliança na qual a primazia estava no capital financeiro e na população mais pobre, em detrimento da classe média: "Muitas políticas públicas democratizaram as relações com a sociedade civil, o que catapultou lideranças setoriais do partido...Mas como as mudanças não eram velozes nem radicais, o PT tinha o ônus de defender o Governo sem o bônus de ditar-lhes os rumos."

O escândalo do mensalão é bem estudado no livro, com passagens muito boas sobre as reações de vergonha e desilusão entre os militantes, alguns dos quais agredidos nas ruas porque usavam estrela ou camisa do partido. Segundo Secco, os dirigentes pouco fizeram e a ação de Lula foi essencial: "A defesa de um projeto de poder dependia da figura pessoal dele, e não mais do partido, acossado por denúncias." Para o autor, além do prestígio individual do presidente, o que salvou o governo foi o medo da oposição conservadora de um confronto aberto, e sua expectativa de que o PT estaria enfraquecido para as próximas eleições - não de todo inviável, pois a popularidade de Lula chegou a cair a 45%.

Ele deixaria o cargo com mais de 80%, mas o mensalão teve forte impacto, ainda não totalmente compreendido - o mais óbvio foi afastar os dirigentes tradicionais do coração do poder e abrir caminho para Dilma Rousseff, que se filou ao PT somente em 2001. Não há uma discussão no livro sobre o futuro do partido, mas a meu ver ele passa pela reafirmação da tradição da esquerda trabalhista brasileira - inicialmente rejeitada pelo PT, mas cada vez mais aceita. Ao fim e ao cabo, a trajetória petista está ligada menos ao marxismo e mais à herança de Getúlio Vargas, que para o bem e para o mal continua a ditar as referências ideológicas da política do Brasil.

7 comentários:

Hugo Albuquerque disse...

A leitura de Secco - resenhada muito bem aqui por você e com igual maestria pelo Celso de Barros no Amálgama - é interessante por trazer a perspectiva de um insider pensante e disposto a falar. Mas a partir da fala dele é possível ver a grande cisão do PT que ele, assim como grande parte da esquerda do partido, nunca a apreendeu: enquanto os vários setores marxistas, dos social-democratas (os que já eram nos anos 80 e os que foram social-democratizados) até os trotskystas, partiam da premissa que a diversidade do partido era um entrave à consecução de uma síntese programática satisfatória, os sindicalistas partiam da premissa que a diferença é algo elementar em política - e se não teorizavam sobre ela, pela prática, desenvolveram uma técnica de administração disso por uma lógica de semelhanças e analogias. Juntar, articular para um fim em comum. Isso explica porque os sindicalistas sempre pairaram e a intelectualidade rodou em círculos, furiosa com a falta do protagonismo que supunham merecer, enquanto se destruíam em guerras intestinas. A própria saída de setores esquerdistas e a criação de fracassados partidos de esquerda ilustra bem essa desdita. É algo a se pensar.

Marcelo L. disse...

Interessante, ponto de vista, mas o Lincoln, mas para mim fica na mesma posição de quando ele entrou na História acho que 1990, a militância era o verdadeiro partido, as correntes estudantis se odiavam, ninguém se dizia membro do PT, mas sim OT, CS, Articulação etc.

A luta era dentro desses grupos pela hegemonia da USP, era um sistema destrutivo que não levava a lugar nenhum, não havia uma identidade, tanto que acho que 1989 ou por esse tempo a USP perde o direito de ser um diretório do PT e se liga ao do Butantã.

Mesmo entre esses estudantes os que conheci do DCE que eram a figuras que realmente negociavam e conseguiam algo foram trabalhar para bancários, químicos etc, os sindicatos da corrente majoritária do PT, lá se juntaram a pessoas da USP interior e da FGV, ou seja, mesmo parte do pessoal que pensava foi para lá.

Por isso, os sindicalistas nem eram fora do sistema universitário como se coloca, o que existe é que dentro da própria lógica do PT uma grupo teria que vencer ou ele sumiria, a lógica regional não era tão forte ou era escamoteado pelo viés ideológico até 1995, aquele sonho uspiano que o sistema de militância era democrático e funcionava nunca existiu, na prática mesmo nos CA quem mandava era aquela corrente e as outras eram alienadas ou se aglutinavam a tendência vencedora das eleições.

Dentro das prefeituras que o PT venceu eleições, essa guerra intestina levava a paralisia, muitas vezes a pessoa era escolhida para harmonizar as tendências do que ter alguma competência para o cargo, levando a ascensão de figuras questionáveis mais que resolviam e sabiam trabalhar e ainda o fator eleitoral depois que saiamos do sistema maioritário de votos, para dois turnos, a necessidade de coalizações aumentou e muito, quem era contra a qualquer acordo na prática se alienou do processo, tanto que boa parte dos trotkistas ficaram na USP ou no sindicato dos trabalhadores ou como professores, enquanto outros que pensavam foram para governos mesmo não votando no PT.

Maurício Santoro disse...

Caros,

Gostei muito do livro, é um trabalho sério e bem escrito. O que eu gostaria é de ler outros enfoques sobre o PT, algo menos voltado para a posição dos grupos marxistas e mais centrado na discussão sobre os movimentos sociais próximos à Igreja, um tema que merece mais atenção.

Os fenômenos descritos pelo Secco - e que vocês também analisam - são muito comuns, todos os antigos partidos de esquerda de massa se tornaram mais burocráticos, com administradores profissionais, e migraram para o centro em busca dos votos da classe média. É o que na literatura de ciência política se chama de "catch all party".

Valeriam bons trabalhos comparativos, do PT com outras siglas de esquerda, na América Latina e Europa, e talvez o Congresso Nacional Africano da África do Sul.

abraços

Secco disse...

Caro Mauricio
seus comentários me fazem pensar. Decerto, eu não tratei muito da Igreja e sua cobrança é justíssima. Se vale alguma desculpa, eu diria que meu livro é um ensaio de síntese. Mas a história do PT continua...
um grande abraço e muito obrigado pela bela resenha
Lincoln Secco

Bruno disse...

Não li esse livro mas vou me meter na conversa!
Há uns anos li um livro (emprestado de um colega que era da USP) da chilena Marta Harnecker sobre os primeiros anos do PT. Apenas entrevistas com figuras-chave no partido, praticamente sem nenhum ensaio escrito pela autora-entrevistadora. Confuso e contraditório, mas muito rico. Espero que esse tenha organizado aquelas idéias, e mostrado o desenrolar da história.
Defendendo o Secco, sem os dissidentes do Partidão, PCdoB e trotslistas, não haveria PT. O grupo de sindicalistas do ABC a princípio não queria participar de um partido, porque não viam com bons olhos a referência mais próxima (o PCB). Uma alternativa era apoiar um deputado do MDB, mas a experiência não deu muito certo.
Nessa época diferentes grupos começaram a difundir a idéia de se fundar um novo partido de esquerda, enquanto PCB e depois PCdoB queriam ficar dentro do MDB. Alguns sugeriam Partido Socialista, outros Partido Socialista dos Trabalhadores, enquanto os sindicalistas do ABC relutavam. O PT surgiu quando os sindicalistas do ABC abraçaram a idéia e cresceu com esses grupos heterogêneos citados (igrejas, ambientalistas, etc), mas sem a centelha inicial, não teria aparecido.
Quanto ao estado do Rio de Janeiro, o PT era bem esquerda old school nos seus centros industriais (Angra e Volta Redonda), e na capital ele só podia ser classe média mesmo. Mas o estado passou por um processo de desindustrialização muito forte. Sua base foi para o setor de serviços e o partido deixou de ter sentido para ela. A indústria de São Paulo, por sua vez, sobreviveu à década de 80.

Maurício Santoro disse...

Caro Secco,

A gente nunca consegue tratar de tudo o que quer num só livro, e seu livro é excelente. Torço para que você continue a série, porque adoraria ler um estudo seu sobre as relações do PT com a Igreja. E acho que temos que pensar um seminário sobre relações entre História Política e Ciência Política. Renderia um ótimo papo!

Abraços

Salve, Bruno.

Com certeza, sem o know-how da organização política da esquerda comunista, teria sido impossível organizar o PT, mas acho que o diferencial do partido em sua fundação foi a capilaridade dos movimentos sociais ligados à Igreja, mesmo que ao custo de ter uma agenda bastante restritiva em direitos sexuais e reprodutivos.

Abraços

Anônimo disse...

O PT, é uma sociedade secreta oficialmente
fundada por um grupo de ex-metalúrgicos
desocupados e alcoólatras, uma cambada de
vagabundos oriundos ninguém sabe de onde.

Que viviam tentando promover greves na região
do ABC paulista (para não trabalhar).

Com o propóstio de se reproduzirem e, assim,
aumentar seu exército de vagabundos.

Estudos de teólogos respeitados associam o PT
ao próprio cão, sendo que sua fundação tem um
propósito maior na dominação do Brasil.

Atualmente, o PT pode ser definido como o partido
dos trabalhadores que não trabalham, dos estudantes
que não estudam, dos intelectuais que não pensam,
dos ladrões que não são presos.

É UM PARTIDO QUE NÃO POSSUI PRINCÍPIOS
E NEM VALORES.