segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O Congresso por Ele Mesmo

Esta coletânea de artigos organizada por Timothy Power (Oxford) e Cesar Zucco Jr (Rutgers) é baseada na Pesquisa Legislativa Brasileira, amplo questionário elaborado por Power e respondido por cerca de mil deputados e senadores de 1990 a 2009 - a base de dados está disponível na Internet, no site de Harvard. É rico panorama das transformações do país e mostra parlamentares pouco dados à radicalização ideológica ou à discussão de políticas públicas, e mais voltados para a concessão de benefícios às suas regiões eleitorais e para a intermediação das demandas destas junto ao governo federal. Afirmam ser favoráveis ao parlamentarismo, mas quase nunca valorizam os partidos, e relutam em mudanças significativas no sistema eleitoral (como lista fechada). Surpreendemente, declaram apoio à fidelidade partidária, o que me fez pensar no célebre pedido de Santo Agostinho (“Senhor, me dê a castidade, mas não agora”). Os dados motram forte continuidade institucional no parlamento, apesar das mudanças – a esquerda em 2009 ocupava 34% do Congresso, contra 12% em 1990.

As contradições são bastante presentes também nas avaliações do presidencialismo de coalizão, o modo como a política brasileira se estrutura desde a redemocratização. Os parlamentares são um tanto ambíguos quanto ao sistema, reconhecendo nele elementos importantes de estabilidade política e governabilidade, mas também avaliam que estimula o fisiologismo e a corrupção e também que torna mais difícil para os eleitores preverem o perfil dos futuros governos, por conta do grande número de negociações e barganhas necessárias para formar a base aliada.

Os dados mais polêmicos dizem respeito aos partidos políticos e à ideologia – os diversos autores presentes na coletânea discordam em suas interpretações. Uma vertente (Zucco) considera que as siglas brasileiras distribuem-se de modo coerente num espectro de esquerda (PC do B, PSOL, PT) à direita (DEM, PP, PR), com PSDB e PMDB ao centro. Outros pesquisadores (Kevin Lucas, David Samuels) avaliam que é o quadro é confuso, com os partidos funcionando mais como organizadores de recursos eleitorais (como espaço na TV) do que em torno de programas e posições estáveis. Saber se um parlamentar é da base governista ou da oposição é melhor preditor de como irá votar do que a ideologia professada pelo partido.

Contudo, todos destacam que o PT tem resultados bastante diversos, bem mais sólidos e que desde sua chegada ao governo adotou posições mais moderadas. Os casos mais complexos são as posturas do PMDB e PSDB, muitas vezes de difícil classificação – e isso antes mesmo da criação do PSD, ainda não contemplada na pesquisa que deu origem ao livro. Os dados reforçam análises anteriores que indicam que os políticos brasileiros quase sempre se autodefinem como de “esquerda” ou “centro-esquerda”, mesmo quando são conservadores.

Dois dos artigos mais interessantes do livro são aqueles que contrastam as percepções dos parlamentares com trabalho de campo junto às suas bases eleitorais. O artigo de Barry Ames, Carlos Pereira e Lúcio Rennó examina as cidades de Caxias do Sul (RS) e Juiz de Fora (MG) para mostrar que a demanda por serviços dos parlamentares (emendas ao orçamento para projetos locais) é altíssima, sobretudo entre os mais pobres. Isso vale tanto para direita quanto para a esquerda, embora eleitores do PT tendam a ter postura diferenciada, mais voltada para políticas públicas.

O excelente artigo de Natasha Borges Sugiyama discute as reações dos parlamentares e dos eleitores ao Bolsa Família – que atinge cerca de 25% da população brasileira. Seus dados mostram que deputados e senadores subestimam a sofisticação política dos beneficiários do programa. Eles tendem a usar os recursos para comprar material escolar e roupas para seus filhos, e a recompensar com seu apoio o presidente Lula e os prefeitos que os implementaram, sem contudo considerar que a continuidade do Bolsa Família dependa de suas reeleições. Também percebem a continuidade com os programas implementados por FHC, como Bolsa Escola, Alvorada, Vale Gás etc.

3 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:
Há algum pais onde a direita não tenta se ocultar? Aqui, políticos de direita como o Maurício Macri (Pro) chegam dizer coisas como "falar de direita ou esquerda é antigo"! Rs!
Abraços!

Patricio Iglesias

Anônimo disse...

prezado,
Como faço para encontrar o artigo mencionado no último parágrafo?

Maurício Santoro disse...

Salve, Patricio.

Na realidade, em países como os EUA os políticos em geral preferem se apresentar como mais conservadores do que realmente são!

Anônimo,

O artigo faz parte do livro "O Congresso por Ele Mesmo", até onde sei ele não foi publicado separadamente. Sugiro tentar contactar a autora, no CV Lattes dela deve haver dados para isso.

abraços