quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

As Contradições da Diplomacia de Israel



No post sobre a ofensiva na Faixa de Gaza, escrevi que o conflito é motivado sobretudo pelas disputas políticas internas na elite israelense e palestina, que empuram a coligação trabalhistas-Kadima e o Hamas para uma rota de confronto, uma vez que essa atitude belicista é essencial para que mantenham a dianteira diante de fortes oponentes domésticos. Contudo, a tragédia humanitária desfechada por Israel colocou o país numa séria contradição com seus objetivos diplomáticos mais amplos, em particular a possibilidade de um acordo de paz com a Síria, cada vez mais importante para contrabalancear um Irã que em breve terá armas nucleares. Curioso, pois a líder do Kadima, e ministra das Relações Exteriores, Tzipi Livni, (foto) é tida como moderada.

Rápida recapitulação: em 1993 foram assinados os Acordos de Oslo entre Israel e a Organização pela Libertação da Palestina (cujo grupo hegemônico era o Fatah, de Yasser Arafat), que criaram a Autoridade Palestina com uma jurisdição muito limitada em algumas áreas da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Os acordos nunca foram totalmente implementados, pelas resistências nos dois lados: terroristas de extrema-direita em Israel assassinaram o primeiro-ministro Rabin, e terroristas islâmicos sabotaram as tentativas da OLP, atacando Israel. A situação piorou a partir de 2000, quando eclodiu uma nova Intifada, uma rebelião popular palestina contra a ocupação israelense.

A rigor, a Intifada não se encerrou até hoje, ainda que seus momentos de maior confrontação - como os trágicos tiroteios em Belém - tenham ficado para trás. Arafat morreu e foi substituído por Abbas, mais favorável aos ocidentais, e aos trancos e barrancos se costurou uma nova tentativa de acordo, o Mapa da Paz. Basicamente, era Oslo reeditado para incluir maior participação internacional.

O ápice da nova rodada de negociações foi a Conferência de Annapolis, ocorrida em 2007. Nela, pela primeira vez a Síria tomou parte do diálogo com Israel. O que está em jogo é a chance de um acordo, em troca da devolução das Colinas de Golã, que os isralenses ocupam desde 1967. Essa estratégica posição geográfica fica a poucos quilomêtros da capital síria, Damasco, e também domina o norte de Israel. Para o governo sírio, é uma reviravolta diplomática, pois se trata de um país que os Estados Unidos não raro classificam como "Eixo do Mal", em função de sua longa ocupação do Líbano e do refúgio dado a muitos figurões da cúpula da ditadura de Saddam Hussein.

Mas há limites para até onde Damasco pode caminhar, e um regime com baixa legitimidade política, como a ditadura Hassad (da minoria religiosa dos alauítas, uma seita islâmica com crenças muito particulares, como reencarnação) não pode se indispor com sua população fazendo um acordo com um Estado que lança uma campanha de agressão a outro povo árabe.

É díficl acreditar que a liderança de Israel creia na possibilidade de uma solução militar rápida aos ataques do Hamas. Afinal, os isralenses ocuparam Gaza durante 38 anos, e não conseguiram eliminar seus inimigos nacionais. A recente derrota sofrida no sul do Líbano, contra o Hezbolá, também reforça as reservas quanto a esse tipo de estratégia. E há o problema crucial de que a Faixa de Gaza é praticamente a maior favela do mundo, com elevadíssima concentração populacional. Impossível bombardear um lugar assim sem causar baixas abissais entre a população civil, gerando o tipo de tragédia humanitária como a destruição das duas escolas da ONU e imagens de crianças mortas e mutiladas que deixaram Israel isolado na opinião pública mundial.

Bem, as autoridades do governo Bush defenderam os isralenses. Mas George W. deixa a Casa Branca no dia 20. Barack Obama tem se mantido silencioso diante da crise em Gaza, e a imprensa tem cobrado posicionamento do presidente eleito e de sua secretária de Estado. Os últimos presidentes democratas dos Estados Unidos, Carter e Clinton, mediaram acordos de paz importantes no Oriente Médio - Israel e Egito e Oslo, respectivamente. De modo que acredito que Obama tentará negociar seu próprio tratado e procurará um certo distanciamento das posições mais belicistas do governo isralense, embora naturalmente continue a apoiar esse aliado fundamental dos EUA.

6 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Mauricio,

Parabéns pelo texto,, mas eu fico me perguntando se agora Obama não perdeu um pouco do encanto, se não haverá desconfiança nos círculos diplomáticos se o EUA saiu realmente da política unilateral que marcou a atual gestão que trouxe tantos desgastes e atritos para aquele país.

Alessandro Ferreira disse...

Caro,

" (...)a Síria, cada vez mais importante para contrabalancear um Irã que em breve terá armas nucleares."

O Irã TERÁ armas nucleares? Você dá isso como certo? Eu acho que não será bem assim, e já o disse antes... o pior ainda está por vir. Mas o pior é o melhor que poderá vir, se é que você me entende.


abs

Maurício Santoro disse...

Olá, Marcelo.

Acredito que a chance de Obama perder seu encanto mítico é de 100%, é o que acontece quando os ídolos descem à terra e se engajam no dia a dia da administração, ainda mais num cenário tão turbulento quanto o atual.

No entanto, mesmo como um político "comum", há muito que ele pode fazer e meu palpite é que começará recompondo os laços com a União Européia, um processo que já fora iniciado por Condoleezza Rice.

Alessandro,

Salvo uma intervenção militar direta, em breve o programa nuclear iraniano terá atingido o nível técnico suficiente para produzir bombas atômicas.

Como não me parece viável a hipótese de uma nova guerra dos EUA no Oriente Médio, creio que em breve o cenário regional será trasnformado por um Irã com maior potencial militar.

abraços

Alessandro Ferreira disse...

Caro,

Mas não era do EUA que eu falava, e sim de Israel. Eles é que vão bombardear o Irã.


Abs.

Maurício Santoro disse...

Com que Exército?

As tropas do Iraque vão começar a ser retiradas, faltam soldados no Afeganistão e até aquele outro membro do Eixo do Mal, a Coréia do Norte, não anda lá tão preocupada...

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Gostei do artigo e ainda mais dos comentários ao mesmo. Concordo totalmente. Claro que o Obama va perder o brilho ao governar e acontece com quase todos os governantes carismáticos. Eu sempre fui otimista com ele, mas nào me deixei arrastrar pelo exesivo otimismo de algúns. Nos EUA näo mudan radicalmente suas políticas, sejam os demócratas ou os republicanos os que estejam no poder.
Creio que no atual cenário é muito difícil que o Israel continue com a guerra por muito tempo mais. A condena internacional é muito forte e va ter um custo diplomático elevado siguer com as hostilidades. Além disso, com um governo nos EUA menos de direita, perde o principal apoio em acçöes assim.
Saludos e feliz ano novo!