segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O Homem Que Roubou Portugal



Um amigo me emprestou um dos livros mais interessantes da temporada: "O Homem Que Roubou Portugal - a história do maior golpe financeiro de todos os tempos", do jornalista americano Murray Teigh Bloom. Trata-se da saga de Artur Virgílio Alves Reis, comerciante lusitano semi-falido que na década de 1920 se lançou num esquema de falsificação da moeda portuguesa tão ambicioso e bem-sucedido que afetou a macroeconomia do país, e contribuiu para o caos político que sepultou a jovem democracia nas mãos de Salazar.

Alves Reis havia prosperado em Angola, onde se apresentou com um diploma falso de engenharia por Oxford. Inteligente e habilidoso, ganhou reputação e estima na África, trabalhando em ferrovias, projetos de exploração mineral e agrícola. De volta à Europa, negócios malsucedidos acabaram por levá-lo à prisão e às dificuldades financeiras. Foi então que pensou num plano mirabolante. As máquinas da casa de moeda de Portugal haviam quebrado durante a I Guerra Mundial e não foram substituídas. A impressão das notas de dinheiro passou a ser feita por uma empresa privada britânica. Alves Reis decidiu forjar documentos oficiais portugueses e solicitar à firma uma enorme quantidade de dinheiro, como se fosse o governo do país.

Para levar adiante a idéia mirabolante, ele montou um grupo de cúmplices que envolvia negociantes holandeses e alemães (incluindo ex-espiões), um diplomata português e seu irmão arruaceiro. Esse exército de Brancaleone conseguiu convencer a empresa britânica de que falava em nome do governo português, disfarçando falsificações grosseiras e erros de coerência sob o manto do sigilo e de um suposto plano emergencial para ajudar a colônia angolana, então em sérias dificuldades. A péssima reputação de Portugal nos círculos financeiros internacionais ajudou, na medida em que tais disparates eram encarados com naturalidade por envolverem o turbulento país ibérico. O mais incrível é que Alves Reis conseguiu convencer os próprios cúmplices que atuava apenas como intermediário do Estado, embora sequer conhecesse muitas das autoridades das quais afirmava ser o procurador.



Desse modo, o grupo se viu na posse de dinheiro que em valores atuais chegaria provavelmente à escala dos bilhões. Alves Reis tornou-se o homem mais rico de Portugal e estima-se que seus negócios alcançassem fantásticos 3% do PIB naquela época. O novo milionário se destacou pela generosidade e começou a investir fartamente em empresas, minas, fazendas, imóveis e a fornecer créditos a juros baixos, sobretudo para Angola. Seu golpe mais audacioso foi a fundação de um banco, com o qual passou a comprar ações do próprio banco central português, na esperança de controlá-lo e cometer o crime perfeito, pois aquela instituição era a responsável por fiscalizar as fraudes monetárias.

Explicação: o BC português chamava-se Banco de Portugal e era organizado em caráter semi-público, com muitos particulares sendo detentores de ações, a exemplo do que ocorria na Grã-Bretanha. Contudo, a situação das finanças lusitanas era caótica. Desde a proclamação da república, em 1910, os governos se sucediam em forte instabilidade, o padrão-ouro fora abandonado e a inflação e o déficit público aumentavam. Ironicamente, as ações de Alves Reis tiveram um efeito macroeconômico benéfico, estimulando a economia e o crescimento, fato que anos depois o levou a se autoproclamar um "keynesianista avant la lettre".

Uma série de pequenos erros cometidos por Alves Reis, além de sua súbita e surpreendente riqueza, começaram a provocar desconfianças crescentes. Pesou muito a presença de estrangeiros em seu grupo, pois havia fervor nacionalista em Portugal com relação à cobiça da Alemanha sobre as colônias africanas. Suspeitava-se que Alves Reis fosse o testa de ferro de um plano maquiavélico da República de Weimar para tomar Angola. Sua prisão foi um escândalo internacional que se espalhou pela Europa e afetou diversas pessoas de destaque, inclusive porque para confundir a polícia Alves Reis alegou que não passara de um mensageiro dos dirigentes do Banco de Portugal, que chegaram a ser presos em função de suas acusações.

Quase todos os envolvidos no grupo de Alves Reis terminaram na miséria, inclusive ele mesmo, que amargou 20 anos de cadeia e o ódio eterno de Salazar. O ditador ascendeu ao poder na sequência do escândalo e sua política econômica conservadora, de equilibrar o orçamento, era o contrário do que Alves Reis havia efetuado. Além disso, o ultra-católico Salazar deplorava o fervor evangélico de Alves Reis, que se converteu ao protestantismo na cadeia. O que impressiona em sua trajetória é o peso desmensurado das pequenas idiossincrassias pessoais e como podem levar a resultados globais inesperados e dramáticos.

Certamente, enquanto a crise atual se desenrola, farsas semelhantes estão em curso. Em alguns anos, teremos detalhes delas.

7 comentários:

Anônimo disse...

Genial: o Maddoff do bem. :)

Ei, meu caro, me mande um e-mail seu.

ohermenauta@gmail.com

Leandro Bulkool disse...

Meu amigo, fiquei com MUITA vontade de ler este livro. Deve ser uma mistura bem elaborada que poderia ser um perfeito roteiro para o Guy Ritchie, não?

Maurício Santoro disse...

Hermenauta,

os nossos escroques são mais criativos (e mais simpáticos) do que os deles.

Dom Leandro,

Daria um belo filme, certamente, mas ainda não consegui imaginar um cineasta capaz de dar conta das reviravoltas tragicômicas do enredo.

abraços

André Egg disse...

Parece um pouco com o que o Eça de Queiroz imaginou algum tempo antes no conto O Mandarim.

Muito interressante.

Herdamos de Portugal essa mania de querer enriquecer sem trabalho, contando com a sorte, apadrinhamento, ou com algum golpe mirabolante que misture as duas coisas...

Maurício Santoro disse...

Olá, André.

Parece sim, inclusive o autor faz uma referência ao Eça, justamente a "O Mandarim".

As semelhanças entre Portugal e Brasil estão presentes o tempo todo no texto, em particular a visão do Estado como um grande cartório, facilmente manipulável para fins espúrios...

abraços

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Exelente! Nos cursos de história econômica, pra dar um pouco de humor as aulas, sempre se fala de que o valor nominal dos bilhetes chegaram ser menores do que o valor do papel na República de Weimar, mas isto é ainda mais divertido!
Como diz André, típico de nossos paises (incluiria todos os ibéricos).
De todos modos, creio que na empresa privada britânica também deve haver tido "amiguinhos".
Saludos!

Maurício Santoro disse...

Ha ha ha, Patricio.

Nada como um argentino para apontar os erros dos britânicos... O fato é que a empresa da ilha de Sua Majestade cometeu erros incríveis, um tanto por ganância, outro tanto por preconceito, por achar que os ibéricos somos mesmo meio bagunçados e não se pode nos levar a sério.

Abraços