sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Planejamento à Chilena


No imaginário político brasileiro, o Chile ficou associado à idéia de liberalização da economia. O aspecto é verdadeiro no que diz respeito ao comércio exterior, mas é curioso como a experiência chilena continua a ser uma referência importantíssima para a América Latina no que diz respeito ao planejamento governamental. Agora mesmo, no curso de formação de gestores de políticas públicas, tivemos longas aulas sobre o tema.

A atual coqueluche internacional é o método do Planejamento Estratégico Situacional (PES), elaborado pelo chileno Carlos Matus, um ex-ministro do presidente Salvador Allende (foto). O golpe de Estado de 1973 levou Matus a passar dois anos na prisão, e ele aproveitou o tempo para fazer um balanço bastante crítico dos erros que havia cometido no ministério, e em termos gerais, de todo o pensamento clássico sobre planejamento na América Latina.

Numa avaliação dura, Matus afirmou que era uma prática autoritária, que só tinha em conta um único ator: o próprio Estado. Ele formulou ferramentas alternativas, mais flexíveis, encarando o planejamento como um jogo com diversos participantes, cada um deles com sua estratégia e visão de mundo. Muitos elementos são imprevisíveis, mudam constantemente.

O PES realmente é interessante e impressiona ver o quanto Matus se esforçou para divulgá-lo - ele deve ter lecionado para metade dos tecnocratas da América Latina e criou uma fundação para divulgar o método, inclusive elaborando uma versão simplificada para ser usada em sindicatos e movimentos populares. A questão é que, na ânsia de promover suas idéias, Matus foi injusto com a longa experiência chilena, desqualificando iniciativas importantes.

Afinal, o planejamento governamental no Chile vem da década de 1930, quando a recém-eleita Frente Popular precisou lidar com os problemas humanitários ocasionados por um grande terremoto. O Estado criou a Corporación de Fomento de la Producción, uma espécie de BNDES local, que foi muito importante para a economia do país. Na época havia pouca coisa parecida, mesmo o New Deal americano dava os primeiros passos. Não é por acaso que a Comissão Econômica da ONU para a América Latina e o Caribe (CEPAL) foi instalada em Santiago. Por mais que algumas de suas práticas possam ser excessivamente esquemáticas para os dias de hoje, é preciso lembrar que na época a instituição rompeu com uma série de preconceitos pelos quais a região estaria condenada à pobreza e a permanecer como uma grande fazenda.

6 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Fico feliz em saver que, no meio da escuridäo da prisäo, o Matus fez um interessante trabalho. Ele reconhece a infuencia de autores estrangeiros? Me faz lembrar muito às teorias de jogos, de grafos, do caos e outras que sairam poucos anos antes, mais ou menos nos '60.
Saludos!

Maurício Santoro disse...

Hola Patricio,

Pois é, o Matus ficou preso na ilha Dawson, e os chilenos chamam as prisões políticas da ditadura de "campos de concentração", assim como fazem vocês, argentinos.

Ele cita alguns autores estrangeiros, com freqüência, principalmente os da teoria dos jogos, como você bem observou. E também o filósofo da linguagem John Searle e um pouco de Clausewitz, quando discute estratégia.

Abraços

Fernando Ludwig e Ramon Blanco disse...

Grande Maurício, tudo bom?
Qual o seu email agora no momento?

Quero lhe enviar um ensaio que servirá de "base" para a minha apresentação em NY e gostaria bastante dos seus comentários e críticas!!

Vou lhe enviar a versão ainda em português uma vez que a versão em inglês ainda está em trabalho.

E Brasilia, como anda a vida no Planalto?

Um grande abraço,
Ramon

Maurício Santoro disse...

Caro Ramon,

me escreva no msantoro@iuperj.br, porque o do Ibase já foi cancelado. Gostarei muito de receber seu email.

Me chamaram para palestrar em Nova York, mas não deu para aceitar, porque simplesmente não sei em que ministério estarei em julho, e agora é hora de priorizar meu lado burocrata!

Abraços

Anônimo disse...

Grande Post. Eu já fiz PES, com um pessoal do PT, quando a gente ganhou um DCE. Achei bastante interessante. Agora, a versão que apareceu no setor público é meio farsesca, porque já se começa sabendo que ninguém vai mexer nas estruturas atrasadas. Aí os objetivos passam a ser coisas muito abstratas, e os métodos coisas como "trabalhar bem direitinho". No fundo, só dá certo se o ambiente institucional for suficientemente aberto.

Maurício Santoro disse...

Pois, é Na Prática a Teoria é Outra, como bem diz o título do seu blog (risos).

Voltarei a escrever sobre o PES, que achei interessante, mas tão complexo que é difícil imaginá-lo em operação... Além disso, às vezes alguns conceitos tem um tom de auto-ajuda bem irritante...

Abraços