segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A Crise do BC na Argentina



A renúncia do presidente do Banco Central da Argentina, Martin Redrado, pode encerrar sua disputa pessoal com Cristina Kirchner (enquanto escrevo ainda não está claro se o governo a aceitará agora, ou se esperará uma decisão da comissão do Congresso que analisa o caso), mas permanecem os focos do conflito: a persistência da inflação e dos problemas cambiais. As disputas ocorrem em meio a um debate mais amplo, de escala mundial, sobre o papel dos bancos centrais na crise atual.

Na década de 1990, nos esforços para combater a hiperinflação e conquistar um pouco de credibilidade junto ao mercado financeiro, o governo argentino promulgou leis dando autonomia ao Banco Central e estabelecendo a paridade entre o peso e o dólar. As doutrinas ortodoxas da época afirmavam que a macroeconomia era importante demais para ficar na mão dos políticos e da instabilidade das conjunturas eleitoriais, e que portanto deveriam ser insuladas dessas pressões.

Os críticos observavam que essas medidas tiravam dos governos instrumentos fundamentais para a gestão da economia. Confrontadas com uma crise, as autoridades poderiam se ver sem medidas para enfrentá-la, e os problemas seriam mais sérios na América Latina, tão sujeita aos altos e baixos das turbulências globais. Foi o caso em 1998-2002, quando o turbilhão asiático repercutiu brutalmente no Cone Sul e reduziu o PIB argentino em 20% nesse período, implodindo a paridade entre câmbio/dólar. A impossibilidade de ajustar o câmbio contribuiu muito para a catástrofe. A relação dos presidentes argentinos com os titulares dos bancos centrais têm sido péssima, com inúmeros conflitos.

A Argentina da década de 2000 foi bem-sucedida em retomar o crescimento, mas a política econômica dos Kirchners enfrenta diversos problemas sérios. A inflação voltou a ser uma das mais altas do mundo, agravada por uma crise de confiança resultante da manipulação dos índices oficiais. A moratória e renegociação da dívida externa deixaram os investidores externos desconfiados, os problemas ficais levaram o governo a estatizar fundos de pensão para fazer caixa e entrar num conflito amargo e intenso com o agronegócio, que culminou com uma derrota no Congresso e cisão da coalizão oficialista.

Redrado foi nomeado presidente do Banco Central em 2004, por Nestor Kirchner, e foi um aliado do casal em sua gestão da economia, embora tenha sido um protegido de Menem e Cavallo, adepto do radicalismo liberal dos anos 90. O conflito atual explodiu quando a presidente Cristina ordenou que Redrado disponibilizasse cerca de U$6, 6 bilhões das reservas internacionais do país para pagar dívidas com organismos multilaterais e credores privados. Por lei, a decisão precisava ser aprovada pelo Congresso, no qual o governo enfrenta forte oposição. Redrado se negou a cumprir a ordem e Cristina o demitu por um decreto de emergência, anulado pela Justiça. Seguiu-se uma batalha que incluiu a mobilização da polícia para impedir Redrado de entrar no Banco.

Para seu lugar, Cristina Kirchner nomeou Miguel Pesce, um economista da União Cívica Radical que entrou no governo junto com o vice-presidente Julio Cobos. Este, está brigado com Cristina desde a crise com o agronegócio. Impressão minha ou teremos mais tempestadaes à frente?

O conflito na Argentina ocorre numa conjuntura de crise internacional no qual a autonomia dos bancos centrais tem sido questionada, em particular por suas falhas como reguladores. Obama nomeou o presidente do Fed, Ben Bernanke, para mais um mandato, mas analistas apontam para a entrada dos bancos centrais numa “era da improvisação”, em meio às indefinições da turbulência atual.

13 comentários:

"O" Anonimo disse...

Triste ver a Argentina se auto-destruindo.

Anônimo disse...

Oi, eu sou estudante de Relações Internacionais em Curitiba, estou no sexto período e gostaria de escrever uma monografia sobre grandes mulheres que marcaram a história das Relações Internacionais. Você tem alguma dica de bibliografia? Obrigada

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:
Só um comentário. Em realidade nem Menem nem De La Rúa queriam deixar a convertibilidade ou, ao menos, não ivam declamar isso com megafono. Não foi "culpa" do BC. Isso significaria perder ao eleitorado, fundamentalmente das classes médias, que tinham conseguido préstamos em dólares (o famoso "voto cuota") e podiam visitar Brasil (ou Miami, no caso da classe média-alta) com um cámbio sobrevaluado que destruia a indústria e numerosos postos de trabalho.
Não tenho tempo pra opinhar mais (aunque save o que gostaria!), estou estudando muito para um curso de verão e dando aulas particulares!
Abraços

Patricio Iglesias

Mariana Cabral disse...

Oi, Maurício!!

Aproveitando a deixa do Curitibano Anônimo, queria saber qual livro vc indica pra quem quer começar a estudar política internacional, tipo "RI for Dummies", rsrs.

Obrigada!!! bjs

Maurício Santoro disse...

Oi, Anônimo.

Recomendo o livro "Repensando as Relações Internacionais", de Fred Haliday, que tem um ensaio muito bom sobre mulheres e RIs.

Mariana,

na mesma linha, minha sugestão é que você comece por um bom livro sobre história das RIs, complementado depois por um volume teórico. Para dar duas indicações:

"Ascensão e Queda das Grandes Potências", Paul Kennedy
"Teorias das RIs", João Nogueira e Nizar Mesari.

Salve, Patricio,

Sim, nenhum presidente queria deixar o 1:1. Meu ponto é que um BC autonômo dificultou ainda mais a vida deles, por privá-los de instrumentos de políticas públicas importantes.

Abraços

Mariana Cabral disse...

Obrigada, Mauricio!!
bjs!

"O" Anonimo disse...

“Sim, nenhum presidente queria deixar o 1:1. Meu ponto é que um BC autonômo dificultou ainda mais a vida deles, por privá-los de instrumentos de políticas públicas importantes.”

Isso é no mínimo questionável. O que privou-os de ‘instrumentos de políticas públicas importantes.’ foi o currency board, que é e sempre foi uma idéia estúpida para um país como a Argentina, não a independência do banco central.

Maurício Santoro disse...

Anônimo,

a Conversibilidade foi o problema mais grave, mas o BC autônomo também privou os presidentes argentinos de maior controle sobre taxas de juros, taxas de redescontos etc. Num cenário de rigidez extrema, isso só piorou as coisas.

abraços

"O" Anonimo disse...

“a Conversibilidade foi o problema mais grave, mas o BC autônomo também privou os presidentes argentinos de maior controle sobre taxas de juros, taxas de redescontos etc.”

Mauricio, eu sinto muito, mas tenho o hábito de ser sincero: você não sabe do que está falando.

A convertibilidade com câmbio fixo que a Argentina adotou durante os anos 90 é sinônimo de perda de capacidade de política monetária. Falar de controle sobre taxas de juros, taxas de redescontos em um regime de caixa de conversão é non-sense, é como falar da orelha da mula sem cabeça.

Quanto à autonomia do banco central, claramente a Argentina não tem autonomia de facto desde há muito tempo. Autonomia de jure não vale nada. Até o banco central da Venezuela é independente de jure, mas o Chavez expropria as reservas do banco central quando ele quiser, o quanto ele quiser.

Não muito diferente do que os Kirchner estão fazendo na Argentina. A lógica é simples: os peronistas dependem de distribuir benesses clientelísticas para a ‘classe popular’ da província de Buenos Aires. Para isso, eles roubam seja lá o que não estiver parafusado no chão. Roubaram os detentores estrangeiros de bônus, depois expurgaram os investidores locais, tentaram expropriar os agricultores, expropriaram as exploradoras de gás etc, e quando não satisfeitos, confiscaram as contas de aposentadoria! – ninguém pode alegar que o peronismo não é um movimento político que peca pela falta de criatividade.

Um dos mitos mais ignorantes da discussão política brasileira é o mito do argentino politizado que luta por seus direitos. Não deve existir no mundo semi-civilizado um povo mais bovino que o argentino na defesa de seus direitos. Eu perguntei para um argentino esclarecido (que obviamente deixou o país) como que não aconteceu uma guerra civil quando os Kirchners confiscaram as contas de aposentadoria. Ele me explicou que o argentino de classe média já internalizou que vai ser roubado pelo governo. Então a questão é como e no final das contas, eles não ligam se os fundos de pensão vão ser roubados ou os depósitos nos bancos ou a propriedade fundiária ou seja lá o que for... A única constante é o ‘grabbing hand’ dos peronistas.

Alexandre Freitas disse...

"você não sabe do que está falando"
Caro anônimo, sinto muito mais também serei sincero: vc não sabe o que esta falando.
"confiscaram as contas de aposentadoria"
"tentaram expropriar os agricultores"
Acho que vc preferiria que a previdência fosse administrada pelos bancos - como lehman brothers por exemplo - e pelos mercados financeiros eficientes.
A taxação dos agricultores seria ótima para criar um fundo - como faz a Noruega -para atravessar dificuldades de financiamento externo.
E, por último, as reservas pertencem ao país que possui na figura do presidente eleito, o representante de sua população.
Reservas que seriam utilizadas para adotar um política anti-cíclica como no Brasil.

"O" Anonimo disse...

“Acho que vc preferiria que a previdência fosse administrada pelos bancos - como lehman brothers por exemplo - e pelos mercados financeiros eficientes.”

Sim! Eu seria muito burro, patologicamente estúpido, se preferisse que o governo argentino liquidasse meu portfólio de ativos internacionais e me desse em troca uma promessa de pagamento em pesos.

”A taxação dos agricultores seria ótima para criar um fundo - como faz a Noruega -para atravessar dificuldades de financiamento externo.”

Seria ótima... Em um mundo de carochinha. É feio dizer isso, mas vai estudar, menino.

”E, por último, as reservas pertencem ao país que possui na figura do presidente eleito, o representante de sua população.”

Falso. Primeiro, as reservas não pertencem ao país. Segundo, o presidente deve seguir o ordenamento jurídico.

Unknown disse...

é incrível como os adeptos do liberalismo não conseguem enxergar coisas óbvias.
O navio está afundando e a culpa é do mar e não de quem construiu o barco.
Como diz o zizek,
"É a ideologia, estúpido"

"O" Anonimo disse...

“é incrível como os adeptos do liberalismo não conseguem enxergar coisas óbvias.”

Óbvio? O óbvio é que a esquerda esclarecida no Brasil abraçou o neoliberalismo, inclusive está movendo montanhas nos bastidores para colocar o Henrique Meirelles na vice-presidência da república.

“Como diz o zizek,
"É a ideologia, estúpido"”

Que mané zizek, esloveno poser, com contribuição nula para o entendimento do mundo.