quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Gran Torino



Somente no fim de semana passado assisti a “Gran Torino”, de Clint Eastwood. O filme é um belo e trágico faroeste contemporâneo, ambientado em Detroit, cujo tema principal é o declínio: de uma cidade, da indústria do automóvel, e de uma cultura machista e individualista que apenas levou à violência sem sentido e ao isolamento emocional.

Eastwood, além de dirigir, interpreta o protagonista, Walt Kowalski, no que anunciou ser sua despedida como ator. Ele é um veterano da Guerra da Coréia, e de 50 anos como operário na Ford, que envelhece amargamente enquanto vê sua antiga vizinhança de classe trabalhadora branca (polonesa, italiana, irlandesa) degradar-se num gueto habitado por negros e imigrantes asiáticos e latino-americanos. O filho vende carros japoneses, que Walt odeia, e ele apega-se patrioticamente a seu velho Gran Torino, da década de 1970.

A rotina de solidão do personagem é interrompida quando ele se torna amigo, de forma inesperada, de um casal de vizinhos, adolescentes cuja família imigrou do Vietnã. Os dois estão ameaçados por uma gangue das redondezas e Walt tentará ajudá-los, com seu estilo cowboy, apenas para constatar que seus velhos métodos resultam inúteis e trágicos diante da escala da violência e da degradação social contemporâneas.

O domínio da narrativa por parte de Eastwood é absoluto, e adorei a maneira como ele caracteriza Walt sem necessidade de usar a palavra. Aprendemos muito sobre o personagem pela maneira como sua casa perfeita, seu gramado meticulosamente cuidado e sua obssessão com ferramentas e “home improvement” constrastam com o abandono e depredação dos arredores. Sua vistosa bandeira americana na varanda é um símbolo de seu patriotismo, mas os esteriótipos raciais agressivos que ele cospe contra todos a sua volta lembram as limitações e contradições da versão do sonho americano que ele esposa.

Boa parte do filme é dedicada à amizade de Walt com seu vizinho, Thao, um adolescente tímido a quem ele tenta ensinar um código de comportamento machista e agressivo, inteiramente contrário ao temperamento do rapaz e nitroglicerina pura no ambiente de ódios raciais da vizinhança. As mulheres do filme – a irmã de Thao, Sue, e sua mãe e avó – são muito mais corajosas e seguras de si, esforçando-se para fazer com que as tradições culturais sejam cumpridas e até desafiando as gangues.

Walt, como seu Gran Torino, é uma relíquia, um símbolo de um passado cujos últimos traços estão a desaparecer. O roteiro tem uma espécie de respeito irônico pelo personagem, que em muitos pontos se parece com os cowboys que Eastwood interpretou tantas vezes – homens corajosos e solitários, desconfiados das instituições, que querem levar a justiça e a ordem a regiões turbulentas. Mas a Detroit de hoje é muito mais sombria e perigosa do que o Velho Oeste.

4 comentários:

Mariana Cabral disse...

Amo esse filme! Atuação do Clint Eastwood impecável! O roteiro (Nick Schenk e Dave Johannson) é seco, forte e irônico, mas deixa espaço pra sutileza da direção,que aliás, dá toda a emoção do filme.

Esse roteiro deixou várias frases ecoando na minha cabeça!!

Olha esse pedaço da conversa do Walt (Clint) com o padre(Christopher Carley).

Padre – Boa tarde, Walt
Walt – Já disse que não vou me confessar.
Padre – Por que não chamou a policia?
Walt – Como é?
Padre – Trabalho com algumas das gangues hmong e soube que houve um problema no bairro. Por que não chamou a policia?
Walt – Bem, rezei para que a polícia aparecesse mas não fui atendido.
Padre – Onde estava com a cabeça? Alguém poderia ter morrido. Era uma questão de vida ou morte.
Walt – Quando surge um problema é preciso agir rápido. Na Coréia, quando mil chinas vinham para cima da gente gritando, a gente não chamava a polícia, a gente reagia.
Padre – Não estamos na Coréia, Sr. Kowalski. Andei pensando na conversa que tivemos sobre vida e morte. Sobre o que disse, sobre como carrega as coisas horríveis que teve que fazer. Coisas horríveis que não consegue esquecer. Seria bom que pudesse se livrar desse fardo. O que se faz na guerra é terrível. Receber ordem para matar. Matar para se salvar, para salvar os outros. Tem razão. Sobre essas coisas, eu não sei nada. Mas sei sobre perdão. Eu vi muitos homens que confessaram seus pecados, admitiram sua culpa e se livraram desse peso. Homens mais fortes do que o senhor. Homens que foram obrigados a fazer coisas horríveis na guerra e agora estão em paz.
Walt – Tiro o chapéu para você, padre. Você veio preparado desta vez.
Padre – Obrigado
Walt – E tem razão quanto a uma coisa: homens mais fortes do que eu conseguindo a salvação. Aleluia. Mas engana-se quanto a outra coisa.
Padre – O quê, Sr. Kowalski?
Walt – O que mais apavora um homem é o que ele fez e não era obrigado a fazer.

Maurício Santoro disse...

Salve, Mariana.

Também adorei o filme, mas ele me deixou mal por vários dias. É um soco no estômago.

Abraços

Mário Machado disse...

indo em outra direção.. Me deu uma vontade de ter um gran torino.

Maurício Santoro disse...

Cuidado com o consumo de gasolina, o carro é anterior à crise do petróleo :-)