sexta-feira, 8 de abril de 2011

De Realengo a Columbine



O carioca é antes de tudo um forte. Em 20 anos vivemos quase todas as formas de violência nesta cidade: arrastões, chacinas, ataques terroristas de traficantes, confrontos entre Forças Armadas e bandidos. Mas o massacre de ontem, no qual um rapaz entrou na escola onde havia estudado, matou 12 crianças e feriu outra dúzia, inagura um gênero na história dos crimes do Rio de Janeiro. Introduz na cidade o tipo de tragédia que nos acostumamos a associar aos Estados Unidos, e em menor grau a outros países desenvolvidos, como Alemanha e Finlândia (ver quadro abaixo, publicado na edição desta sexta do jornal Valor Econômico). A distância de Realengo a Columbine é menor do que imaginávamos.

O perfil psicológico esboçado para o assassino contém a mistura de solidão, rejeição e fragilidade de laços pessoais presentes nos casos que ocorreram em outros países. Por coincidência, ontem eu conversava com diplomatas estrangeiros sobre a pertinência de aplicar no exterior a experiência das Unidades de Polícia Pacificadoras do Rio, e à medida que trocávamos idéias, ficou claro o quanto os brasileiros também precisamos da cooperação internacional para nos ajudar a lidar com esse tipo de tragédia.



No calor do momento, surgem duas propostas: leis de desarmamento e reforço da segurança nas escolas. Todo crime particularmente brutal gera um debate intenso, mas fugaz, sobre possíveis reações do governo, mas raramente sai algo de proveitoso dessa explosão. Acredito que uma nova lei de desarmamento, ou talvez a realização de outro referendo sobre o tema, poderia ajudar no combate às mortes por arma de fogo que ocorrem por motivos fúteis, como brigas domésticas ou disputas entre vizinhos. Mas um caso como o da escola é tão extremo que o assassino dificilmente seria impedido por uma legislação mais rigorosa, simplesmente conseguiria a arma de maneira ilegal.

A discussão sobre segurança nas escolas tem o mérito de atender a uma demanda antiga de muitos professores em escolas públicas, que com frequência são vítimas de agressões por parte de alunos, pais de estudantes ou criminosos que agem nas comunidades em que trabalham. Mas é preciso atentar também para as tensões psicológicas. Os depoimentos sobre o rapaz que cometeu o massacre mostram que dezenas de pessoas haviam percebido que ele era profundamente perturbado e um dos colegas até havia comentado, irônico, que um dia ele iria matar muita gente. Só que ninguém o ajudou. Escola, igreja, comunidade, em nenhuma parte ele conseguiu quem pudesse, de algum modo, conter os monstros que cresciam dentro dele.

O massacre de ontem chocou pela extensão, mas crimes semelhantes haviam ocorrido recentemente no Brasil, em universidades e cinemas. A experiência internacional recomenda cautela extrema pelos próximos meses, pois parece haver um efeito demonstrativo: a altíssima visibilidade obtida por tragédias assim inspira outras pessoas perturbadas a agir do mesmo modo. A imprensa poderia tomar algumas medidas para ajudar, como não divulgar a fotografia do assassino. Esse tipo de exposição apenas estimula bandidos desse tipo.

6 comentários:

Fabio Peixoto disse...

Eu acho que este grave incidente deixou mais uma vez a mostra a fragilidade da estrutura pedagógica do Estado frente a violência urbana especialmente em uma região com baixo IDH, sei por experiência própria trabalhei 2 anos neste bairro e 6 anos na região e sei como a questão da violência é vivida em seu dia a dia. Espero que este evento suscite dicussão mais profunda sobre o tratamento a portadores de doenças mentais e sobre a violência urbana. Meus parabéns pelo texto, Mauricio.

Anônimo disse...

É imprescindível que haja segurança nas escolas municipais e estaduais. Não somente por esse tipo de distúrbio (massacre de criaças em Realengo), mas para evitar que a violência ultrapasse os portões das escolas. Lembro-me de minha mãe conversar com uma diretora de colégio estadual da zona sul carioca, em 2000, que resolveu parte de problema relacionado a violência fechando o portão da escola durante o horário das aulas. Ninguém entra, ninguém sai. Antes, os traficantes entravam de moto nos corredores das escolas, ameaçando os alunos. Imagine a situação.

Maurício Santoro disse...

Caros,

Também acredito na necessidade de mais segurança. Talvez a tragédia de ontem possa gerar algo bom nesse aspecto.

abraços

Anônimo disse...

Conheço uma pessoa que era vizinha do assassino e cujos parentes estudaram naquela escola. Segundo ele, a escola sempre foi considerada muito tranquila e segura, pois é preciso ultrapassar 2 ou 3 portões para se ter total acesso à ela, e eles não ficam abertos. Ele mesmo já tentou entrar e não conseguiu, e ficou claro que o assassino entrou por ser ex-aluno, com a desculpa de pegar um histórico escolar e falar com uma ex professora. Então, apesar de todos estarmos cansados de saber do grave problema de segurança que enfrentamos todos os dias, acho que ele não se aplica a esse caso específico. Depois, a principal questão levantada foi a de rever ou reforçar as leis do desarmamento, realizar outro pebliscito etc. Acho super válida essa discussão, mas esse também não é o problema, porque as leis já existem e o porte de arma no Brasil já é proibido e crime, salvo raríssimos casos. O verdadeiro problema, que vai além das questões psicológicas e interpessoais do assassino, na minha opinião, é o grande problema do Brasil: corrupção, que gera o tráfico, no caso o de armas, e vice-versa. Independente das leis mais severas de desarmamento que possam existir, enquanto houver essa facilidade de se conseguir armas, munições e artefatos de guerra, ilegalmente, nada vai adiantar. Enquanto a mídia insistir em apontar causas e soluções mentirosas e fechar os olhos pra verdade mais profunda, nada vai mudar. E psicopatas e esquizofrênicos, que sempre vão existir em algum grau, em todo lugar, terão sempre "material" para materializar suas loucuras.

Anônimo disse...

No meu olhar de francês, o que me preocupa é o Brasil puder se tornar ainda mais parecido aos EUA, com fenòmenos como esse, que lembra do Columbine como escreveu Mauricio...tambem me assusta aqui a influência que tem essas estranhas igrejas evangêlicas ,deixando se espalhar na sociedade um discurso totalmente iracional que tem influencia deletéra sobre pessoas frageis como o rapaz de Realengo. Tambem me preocupa o número grande de psicópatas sem acompanhamento psiquiátrico, quem se encontram todo dia nas ruas ...ou até em varias ocasiôes da vida social. Qual é o estado do sistema de saúde mental no Brasil, indago.(Não que o da França seja muito bom, na verdade piorou muito com o Sarkozy, para quem psicologia é uma falsa ciencia inventada pelo movimento de 1968 só para atrapalhar ele 40anos depois).

Maurício Santoro disse...

Salve, Anônimo (1),

Pelo que reportou a imprensa, o homem, além de ex-aluno, havia visitado a escola alguns dias antes do massacre, de modo que já devia ser conhecido dos funcionários. A única coisa que o teria detido seria um procedimento de revista, talvez detectores de metais.

Sou cético quanto à possibilidade que a prefeitura ou o governo estadual instalem esse tipo de aparelho nas escolas.

Anônimo (2),

Tenho a impressão, pela história do assassino, que a religião jogou papel secundário na tragédia e que foi muito mais o pretexto que ele encontrou para tentar justificar seus atos.

Mas a questão do sistema de saúde mental é essencial. O que mais espanta é tantas pessoas terem percebido que o rapaz tinha problemas psicológicos sérios e ninguém ter tentado ajudá-lo.

Abraços