sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Paz (?) na Síria



No pós-Guerra Fria, as organizações regionais cresceram em importância na resolução de conflitos e na organização de missões de paz da ONU. Uma das características mais preocupantes da Primavera Árabe até este momento tem sido a incapacidade da Liga Árabe em desempenhar qualquer papel de relevo na contenção da violência ou na busca de saídas negociadas para os ditadores ameçados por rebeliões populares. Isso reflete a pouca legitimidade maior parte de seus líderes e a ausência de figuras respeitadas que pudessem exercer tal moderação. É com esse ceticismo que se encara o acordo de paz que a Liga fechou com o governo da Síria.

O acordo contempla libertação de presos políticos, diálogo com oposição e permissão para que entrem no país jornalistas e observadores de direitos humanos. São belas palavras no papel, mas não há qualquer garantia de que ele seja colocado em prática. Pouco após sua assinatura, o governo bombardeou Homs, uma das cidades onde os protestos são mais fortes. A maioria das análises resssaltou que o pacto é uma vitória política para Assad, que ganha tempo e consegue certa credibilidade internacional, como alguém disposto a negociar.

Estima-se que desde o início da revolta contra o presidente Bashar al-Assad, as autoridades tenham matado cerca de três mil pessoas. O que começou como uma rebelião pacífica torna-se cada vez mais violenta, na medida em que muitos grupos se armaram contra o regime autoritário. Há relatos de deserções significativas no Exército e o risco grande de uma guerra civil de cunho político-religioso, com facções da maioria sunita enfrentando os alauítas que dominam o Estado. Contudo, está descartada uma intervenção militar estrangeira, como a da OTAN na Líbia. A Síria ocupa posição delicada demais, na turbulenta fronteira entre Israel e Turquia e a moral da região é algo como “ruim com Assad, bem pior sem ele, e com a incerteza que se seguiria à sua deposição.”

Há medos razovelmente bem fundamentados de que em lugar do nacionalismo laico do partido B´aath se estabelecesse um regime religioso sunita, que traria fortes tensões para as diversas minorias sírias (xiitas, alauítas, cristãos, druzos) que foram cerca de um terço da população. A classe média e as elites econômicas nas principais cidades, Damasco e Aleppo, em grande medida apoiam o presidente Assad e vêem com desconfiança o ativismo político dos mais pobres, base da rebelião.

A violência na Síria já repercute nos países próximos. Milhares de refugiados fugiram para a Turquia e especula-se que o Irã tenha reagido ao medo de perder o aliado sírio estimulando ataques de separatistas curdos contra os turcos.

6 comentários:

Marcelo L. disse...

Prezado Mauricio,

Concordo com tudo escreveu, mas a situação síria é ao meu ver a mais complicada de pensar em futuro, por que até o momento o Bashir só errou, acredito que ninguém pensava que o quadro seria tão negativo como ocorreu, muito por responsabilidade dele e seus apoiantes, só ver a triste declaração do Samir Kuntar (http://www.nowlebanon.com/NewsArticleDetails.aspx?ID=329389).

A população não apenas os sunitas se armam , mas as minorias com armas vindas do Libano, por sinal em rotas anteriormente utilizadas pela Síria para enviar equipamentos militares para seus aliados lá, que não é apenas o partido de deus.

Eu vejo que o Bashir apenas compra tempo mesmo, mesmo com o toda a boa vontade dos países com ele, ninguém vai colocar um tostão agora, nem o Irã que já investiu 5 bi para sustenta-lo, mesmo as minorias ou o ralo apoio que ainda tem entre os sunitas (parece que menor que você colocou) vão querer algo que Bashir não pode dar que é prosperidade.

A solução é aparecer alguém que tenha força o suficiente para chutar-se o Assad e unir um pouco as diversas facções que dominam o Estado Sírio. Vejo que russos e chineses já contactaram a oposição, portanto se tiverem um nome vão pressionar também, afinal gosta de ditador, incompetente com a sua população rebelada.

abs.

Maurício Santoro disse...

Salve, Marcelo.

Quando Bashar assumiu a presidência, há 10 anos, havia esperanças de que ele fosse reformar o sistema e ele era efetivamente popular. Ele de fato abriu parcialmente a economia, mas em política tem se mostrado tão autoritário quanto o pai - que matou 20 mil pessoas na rebelião de Hama, nos anos 1980!

A Síria é o aliado russo mais importante no Oriente Médio, o último que sobrou da antiga rede da URSS. E depois do modo como a OTAN extrapolou na interpretação da resolução da ONU na Líbia, vai haver muita relutância de Moscou e Pequim em aceitar qualquer tipo de mudança de regime em Damasco.

abraços

Marc Jaguar disse...

Estimado Maurício

Espero que o trio Obama-Sarkosy-Cameron não vá repetir a trapalhada que protagonizaram na Líbia, desta vez na Síria, e ainda por cima usando a ONU como pretexto para apoiar um dos lados na guerra civil líbia.
Considero que Bashir não se sustenta por muito mais tempo, principalmente porque ele viola de maneira clara os termos do acordo que acabou de formalizar com a Liga Árabe.
Se a oposição a Bashir interpretou como sinal de fraqueza do ditador sírio a aceitação dos termos do acordo, ele, por sua vez, recrudesceu a repressão como forma de demonstração de força aos revoltosos e essa situação tem tudo para submergir ainda mais a Síria num conflito fratricida com desdobramentos incertos.
É esperar para ver, mas o futuro próximo não tem nada de auspicioso para o povo sírio.

Grande abraço, Maurício!

Gonçalez

Maurício Santoro disse...

Salve, caríssimo.

O modo como a OTAN manipulou as resoluções da ONU no caso da Líbia fortaleceu a disposição da China e da Rússia em se opor (em vez de simplesmente se abster) em novas votações e o caso da Síria é bem mais importante para ambas.

Me parece que a Turquia é que acabará sendo um ator-chave em toda a crise, pela longa fronteira com a Síria e pelo apoio que vem dando aos refugiados e à oposição armada contra Assad.

abraços

Marcelo L. disse...

Prezado Mauricio,

A situação tem uma diferença ao meu ver:

Para os russos, a Síria é um aliado e eles têm até a base marítima importante que deve ser ampliado com o o fim do "leasing" de Sebastopol para Ucrania.

Para China pelos rumores pode utilizar a Síria como compensação a futura perda na Libia de investimentos, fazendo uma troca com o Quatar.

E logo após a morte do Gaddafi, Sudão e Nigéria fizeram duras acusações ao antigo ditador de fomentar militar a milícias e grupos terroristas, e informaram que deram suporte material (armas) ao CNP, e esses dois países tem grandes investimentos e são considerados grandes aliados de Pequim (faz-me acreditar que os chineses sabiam de tudo dessa ajuda africana).

Eu tenho que Washington não quer é ele fazer o papel da Líbia, como não queria em Ruanda ou nos Balcans, eles preferem intervenções militares por outros motivos como ocorreu em Granada, Iraque, Vietnam
etc.

Intervenção como a da Líbia sem um interesse estratégico claro ameaçado (http://walt.foreignpolicy.com/posts/2011/03/08/what_should_we_do_about_libya) acredito que se deveu-se a condições particulares que dificilmente irão acontecer no futuro.

E eu vim mesmo para deixar esse link que não sei se viu...
http://muftah.org/?p=1660
Gender & the Arab Spring
Zakia Salime* sobre o papel da mulher na primavera árabe.

Maurício Santoro disse...

Salve, Marcelo.

Sempre que um Estado entra em colapso, seu território vira alvo de vários grupos armados incentivados por países estrangeiros. Vimos isso acontecer no Afeganistão, Congo, Somália... A Líbia é apenas mais um capítulo dessa saga triste.

Vai ser difícil desarmar todo mundo e reorganizar um poder público eficaz.

Muito obrigado pelo link da Primavera Árabe, ainda não o havia visto.

Abraços